Ser humano começa a se adaptar ao HIV, diz estudo

São 25 milhões de mortos em 25 anos: esse é o saldo da epidemia global de Aids. Esse quarto de século de escrutínio pela ciência do vírus causador da doença, o HIV, e da sua “coevolução” com o ser humano, custou US$ 30 bilhões. Mas o esforço mostrou qu

Ainda não há cura completa, nem vacina eficaz, apesar de a sobrevida dos pacientes ter aumentado. E como lembra o pesquisador Anthony Fauci, em editorial na edição de hoje da revista americana Science (www.sciencemag.org), “em 25 anos, não há um único caso bem documentado de uma pessoa cujo sistema imunológico tenha completamente eliminado o vírus, com ou sem a ajuda de drogas anti-retrovirais”.


 


Diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Institutos Nacionais de Saúde dos EUA, Fauci esteve na linha de frente do combate à Aids durante esses 25 anos — pouco depois que, como lembra, surgiram os primeiros relatos clínicos publicados, em 5 de junho de 1981, de cinco homossexuais masculinos vítimas de uma pneumonia, a qual foi facilitada pela ação do HIV no organismo.


 


Catapora ou sarampo


 


Não há prazo estimado para a Aids virar uma nova catapora ou sarampo, embora esse seja um futuro possível da pandemia a longuíssimo prazo. Mas há boas novas depois de 25 anos de pesquisa, incluindo a descoberta de que os primatas não-humanos “são relativamente resistentes a doenças como a Aids”, segundo artigo publicado na mesma edição da Science por Jonathan Heeney, do Centro de Pesquisa Biomédica de Primatas, da Holanda, e mais dois colegas baseados no Reino Unido.


 


“Conhecimentos mais apurados sobre os fatores de resistência do hospedeiro e dos mecanismos da doença em hospedeiros primatas na natureza poderão dar dicas de avenidas terapêuticas não exploradas para a prevenção da Aids”, afirmam Heeney e colegas.


 


Como diz o nome, a relação entre o HIV e o ser humano é de “coevolução”; um organismo se adapta ao outro. O vírus, como se sabe, é capaz de prodígios de mutação em seu material genético, o RNA.


 


“É imaginável que, na ausência de uma vacina ou de drogas antivirais, a população humana vai evoluir e enfim se adaptar à infecção pelo HIV, em geral do mesmo modo como o HIV evoluiu e se adapta a pressões seletivas dentro do hospedeiro”, escreveram os pesquisadores.


Material genético integrado


Isso é verificável pelo fato de que existe uma grande variação na progressão da doença entre os infectados pelo vírus. Os cientistas já identificaram mais de dez genes que têm “um efeito positivo ou negativo na infecção e na progressão da doença”, segundo Heeney e seus colaboradores. Há mesmo indícios de que certos genes, ligados a variações do sistema imune, serão mais comuns entre os descendentes dos infectados.


 


O próprio genoma humano, conjunto do material genético, inclui provas de epidemias virais no passado — antigos vírus cujo material genético acabou se integrando permanentemente ao DNA do homem.


 


Mas, como lembrou Fauci, ninguém que já foi infectado pelo HIV ficou 100% livre do vírus. Mesmo com a melhor terapia antiviral ainda existe o risco de alguma forma latente do vírus permanecer no organismo, e com isso manter um potencial de infecção. Até macacos sem sintomas têm parentes do vírus em seu organismo. Esse pode ser o futuro do HIV em humanos também.


 


“Não devemos esquecer que a história vai nos julgar como uma sociedade global por quão bem nós vamos lidar com os próximos 25 anos de HIV/Aids, assim como nós o fizemos nos primeiros 25 anos”, afirma Fauci no editorial.


 


A revista desta semana também dedica espaço especial à história e às lições da pandemia de Aids, com destaque para a América Latina — inclusive o Brasil. O periódico científico classifica como um grande sucesso o programa brasileiro de combate à doença, mas alerta que dias difíceis podem estar à frente.


 


O grande desafio, segundo a Science, é manter baixo o custo do tratamento gratuito oferecido aos portadores do HIV no país. “O Brasil produz apenas oito medicamentos anti-retrovirais, e todos eles são fórmulas relativamente antigas. Um grupo de catorze novos remédios oferece muitas vantagens, como menos efeitos colaterais, mais potência e mais eficácia contra formas resistentes do vírus”, diz a Science.


 


O problema é que obter ou fabricar as novas drogas a um preço compatível com o tratamento anual envolve novas negociações com as grandes empresas farmacêuticas que detêm as patentes sobre elas. O cálculo da revista é que o custo anual de cada paciente de Aids para o país saltou de US$ 1.336 para US$ 2.500 de 2004 para cá.


 


A Science aponta que, para contornar o problema dos custos, o país terá de fazer com a indústria farmacêutica acordos mais vantajosos do que os que estão sendo firmados até agora.