Heloisa Helena ''enfrenta'' entrevistadores em sabatina do JN

A senadora Heloisa Helena tem sido orientada pelo prefeito do Rio, o pefelista César Maia –que gosta de fazer-se passar por marqueteiro político– a trocar o tom incisivo de suas declarações por uma postura mais meiga e cordial. Mas a sabatina da

Em entrevista ao Jornal Nacional, da Rede Globo, na noite desta terça-feira (8/8), a candidata à Presidência da República Heloísa Helena (PSOL) chegou a ensaiar uma discussão com os apresentadores William Bonner e Fátima Bernardes. Os jornalistas mantiveram a mesma linha incisiva adotada na entrevista com o candidato do PSDB, Geraldo Alckmin, e fizeram perguntas à candidata centradas em suas declarações e ouviram respostas com as palavras traição, desonestidade e cinismo. Heloísa Helena classificou seus opositores como ''sabotadores do desenvolvimento''.




Durante os onze minutos da entrevista, a senadora alagoana teve poucas chances de falar sobre seu projeto político, pois passou mais tempo explicando suas convicções e rebatendo declarações contra os colegas de profissão. Resumiu a si mesma como tranquila e franca, mas nunca fingida ou dissimulada. Refez as críticas endereçadas ao ministro das relações Internacionais Tarso Genro, a quem chamou de ''menino de recado'' e reiterou que espera discutir política diretamente com o presidente Lula.




Questionada sobre se teria competência o suficiente para ocupar a presidência, Heloísa Helena se disse ''absolutamente preparada'' e afirmou que jamais cederia o seu nome a um projeto político se não se sentisse plenamente capaz disto. Ao ser lembrada que sua carreira política partiu da vice-prefeitura de Maceió até o Senado, a candidata lembrou os exemplos de Lula e Fernando Henrique, que chegaram ao palácio do Planalto sem maiores experiências em cargos executivos.




A questão da reforma agrária foi um dos pontos mais polêmicos da entrevista. Heloísa Helena afirmou que não vai tomar terras produtivas porque a Constituição não permite. ''É impossivel fazer expropiação de terra no Brasil a não ser que a propriedade cultive o trabalho escravo ou maconha''. Ao longo dos esclarecimentos, sobrou até mesmo para Fátima Bernardes. ''Meu amor, eu tenho obrigação de saber mais de reforma agrária do que você'', ironizou.




Logo após, afirmou que o projeto do PSOL passa longe do socialismo. ''Seria desonestidade intelectual da minha parte dizer que vou implementar o socialismo. Não há na Terra uma só experiência verdadeira do regime.'' , alegou a senadora.




A democracia brasileira foi bastante criticada pela candidata, o que irritou os jornalistas. ''Não pode haver democracia em um país em que 48% da riqueza é apropriada por 0,005% das famílias'', atacou. Em seu projeto de governo, prometeu baixar os juros para gerar dinheiro ''novo e limpo'' para investir em educação, saúde e tecnologia. ''Não é dinheiro para deixar livre para mensalão, sanguessuga nem nada disso''.




Heloísa Helena chamou o governo de ''incompetente'' ao lembrar das declarações que deu no episódio da invasão do Congresso Nacional, em que disse que o real endereço da manifestação era o Palácio do Planalto. ''Se eu tiver a honra de chegar ao Palácio do Planalto, isso certamente não vai acontecer, porque o meu governo não será incompetente para promover o assentamento de familias que se faz atualmente, com acampamentos que na verdade são grandes favelas rurais. As invasões só acontecem porque os governos são incompetentes a ponto de provocá-las''.




A entrevista com Heloísa Helena foi encerrada com um ''golpe'' de marketing bem ao estilo dos sugeridos por César Maia. A senadora agradeceu o apoio, ''cartas, abraços e beijinhos'' recebidos durante a campanha em todo o Brasil e a prometeu que seu governo seria marcado como um governo que cuida das criancinhas do Brasil como uma mãe cuida dos próprios filhos.


 


Nesta quarta-feira o JN entrevista o candidato do PDT, Cristovam Buarque. Na quinta-feira será a vez de Lula ser sabatinado. O presidente dará a entrevista em Brasília, para onde o apresentador William Boner se deslocará para entrevistar o presidente.


 


Os outros três candidatos à presidência (Luciano Bivar, José Maria Eymael e Rui Costa Pimentas) não foram convidados para participar da série de entrevistas do Jornal Nacional.


 


Como anteontem a entrevista com o candidato do PSDB ultrapassou os dez minutos programados inicialmente, todos os candidatos terão o mesmo tempo: 11,5 minutos e prorrogação máxima de 30 segundos.


 


Confira abaixo a transcrição da entrevista feita com a candiadata do PSOL:


 


Fátima Bernardes:  Candidata, no mês passado, a senhora disse que não discutiria com o ministro das Relações institucionais, Tarso Genro, porque ele era um empregadinho do presidente Lula. A senhora considera essa expressão ofensiva aos brasileiros, já que a maioria deles também é formada por empregados?


Heloisa Helena: Não, eu até me arrependo de ter usado o termo empregadinho por uma motivação óbvia. Eu respeito muito as pessoas simples e humildes que nasceram inclusive como eu. Mas eu não posso aceitar que os ministros, com tantos problemas que existem no Brasil, eu já disse várias vezes que eu não quero bater boca com ministro, acho que eles não podem se comportar como moleques de recado do presidente da República. Eles podem ter uma oportunidade civilizada, franca, qualificada de debater com o presidente da República e não ficar no bate-boca.


 


Fátima Bernardes: Além dessa expressão empregadinho, que a senhora até há de considerar meio preconceituosa, a senhora usou outras expressões como safados, lacaios, imbecis. Essas expressões não mostram uma certa falta de tranqüilidade?


Heloisa Helena: Não, sou uma pessoa absolutamente tranqüila, agora eu não sou uma pessoa fingida e dissimulada. Eu sei que no mundo da política é um espaço muito sedutor para aqueles que abraçam pela frente e esfaqueiam pelas costas. E eu me sinto igualzinha à grande maioria das mulheres brasileiras, que não aceitam a mentira, a vigarice política, a traição. Eu apenas posso ter o defeito de ser muito franca daquilo que realmente eu acredito. Agora, é inaceitável os ministros com tantos problemas no Brasil, imagina, saírem por aí espalhando que eu vou tirar os estudantes das universidades, que mal estão nas universidades através de 200 mil bolsas do Pró-Uni, eu jamais retiraria. Quem teve uma infância como eu, quem passou a situação como eu passei, com uma mãe costureira, virando noites em uma máquina de costura pra levar meu irmão a concluir medicina, eu enfermagem. Eu sou professora da universidade. Espalhar pelo Brasil, pelo Nordeste brasileiro que eu vou acabar com o Bolsa Família, que muitas vezes é a única coisa de uma mãe pobre, um pai pobre colocar na mesa do filho simplesmente porque eu digo que o Bolsa Família não pode ser um incentivo pra vivência dolorosa da gravidez na adolescência, tem que estar junto com escola integral para que a menina possa escolher se vai ser uma cientista no futuro, uma bailarina, uma música ou esportista, junto com a capacitação profissional, com a inserção no mundo do trabalho, inclusão no emprego. Então agüentar isso realmente fica muito difícil.


 


William Bonner: Está esclarecida a questão do Bolsa Família.


Heloisa Helena: Eu só não tenho tolerância com quem é chegado a vigarice política, ao banditismo, isso realmente eu não tenho tolerância.


 


William Bonner: A sua experiência num cargo executivo tem 14 anos. Foi na prefeitura de Maceió como vice. A senhora se considera plenamente preparada para exercer a presidência da República?


Heloisa Helena: Absolutamente preparada porque senão, sinceramente, eu não seria candidata.


 


William Bonner: A senhora considera que a experiência administrativa, a experiência num cargo executivo não é necessária para o exercício da presidência da República?


Heloisa Helena: Não, porque se fosse assim objetivamente teria um problema grave em relação à eleição de várias pessoas. O Fernando Henrique que nunca tinha tido cargo executivo, o presidente Lula.


 


William Bonner: A senhora apontaria como exemplos positivos de administração essas pessoas?


Heloisa Helena:  Não, eu só digo uma coisa a você. Eu não sou mercadora de ilusão, não sou cínica e mentirosa, jamais disponibilizaria meu nome e o programa ao povo brasileiro se eu não me sentisse plenamente capacitada de cumprir essa tarefa. Eu digo sempre duas coisas. Eu estou absolutamente preparada para estar no Palácio do Planalto, enfrentando os sabotadores do desenvolvimento econômico, viabilizando a democratização da riqueza, a reforma tributária, a política de saúde, a educação, a segurança pública, investimentos na indústria, no comércio, no que gera emprego e renda para o meu Brasil e se eu tiver que voltar à sala de aula eu também estarei lá de cabeça erguida tratando dos temas que são importantes na Universidade Federal de Alagoas.


 


Fátima Bernardes: Vamos falar então do seu programa. O programa de seu partido falando de reforma agrária diz que não existe saída para o campo brasileiro sem a expropriação das grandes fazendas, sejam elas produtivas ou não. A senhora vai tomar terras de proprietários rurais que produzem e entregam?


Heloisa Helena: Eu não posso meu amor, porque a Constituição proíbe. Programa de partido se trata de objetivos estratégicos do partido. Não tem nada a ver com programa de governo. Seria impossível fazer a expropriação de terra, a não ser que tenha trabalho escravo ou plantação de maconha. Porque eu não sou favorável ao narcotráfico, pelo contrário, vai ter um combate implacável ao crime organizado se eu tiver a honra de chegar à presidência da República. Diferente. A Constituição do Brasil é muito clara. Porque eu tenho obrigação de conhecer a ordem jurídica vigente, a legislação do meu país. A Constituição do país é clara: terra improdutiva passível de reforma agrária. A nossa proposta de reforma agrária, ela se trata no sentido de assentar 1 milhão de famílias que daria 200 mil famílias, ou seja, 1 milhão de pessoas.


 


Fátima Bernardes: Não seria incoerente candidata, ter visto no programa, quer dizer, não pode levar o eleitor a pensar o seguinte. Que outros itens do seu programa, do partido que a senhora ajudou a fundar, a senhora poderia dizer que não pretende cumprir?


Heloisa Helena: Não. Veja só uma coisa. Talvez quem não é militante de partido, não entenda muito isto. Os objetivos estratégicos de um partido, por exemplo, eu sou uma socialista por convicção, eu digo sempre que aprendi na bíblia antes de ler os clássicos da história socialista a ser uma socialista. Acho que nada de mais belo existe, a mais bela declaração de amor à humanidade de cada um conforme suas possibilidades e para cada um conforme sua necessidade. Objetivo estratégico é algo que você pensa em implementar em 30 anos, 40 anos.


 


William Bonner: Não necessariamente constitucionais candidatas.


Heloisa Helena: Claro. O programa de governo é outra coisa. Programa de governo não pode estar distanciado da legislação em vigor do país. Qualquer questão, quer seja as relações internacionais do Brasil, a autodeterminação dos povos, o que está na área de segurança, de saúde, de educação, nada pode ser feito além daquilo que a legislação em vigor no país.


 


William Bonner: A senhora fala em socialismo. A senhora é uma socialista por convicção. O P-Sol e a senhora defendem o socialismo, mas não defendem nenhum regime totalitário. E também não defendem uma forma democrática. Social-democracia também não é defendida pela senhora. A pergunta que se coloca é a seguinte: estamos no momento eleição. Qual o modelo de país que a senhora apresentaria como um exemplo para os brasileiros e dissesse assim: “este é o modelo que o P-SOL defende para o Brasil”.


Heloisa Helena: Meu amor, olha, a transposição mecânica de experiências históricas é uma fraude política e desonestidade intelectual que eu jamais poderia compartilhar.


 


William Bonner: Mas na vida prática não há um modelo em vigor?


Heloisa Helena: Meu amor, deixa eu dizer uma coisa. Não há no planeta Terra nenhuma experiência socialista. Então seria desonestidade intelectual da minha parte e desconhecimento de toda a tradição socialista dizer que eu vou implementar o socialismo. O que eu digo várias vezes, eu não nego minhas convicções, acho inclusive que com essa estrutura anátomo-fisiológica eu não vou vivenciar a mais bela declaração de amor à humanidade. Hoje eu luto pela democracia. A democratização da riqueza, das políticas sociais, da informação e da cultura. Da terra e do espaço bom, porque a democracia no Brasil não existe.


 


William Bonner: Senadora, me permita. É o momento de esclarecer.


Heloisa Helena: Por isso que eu estou esclarecendo. A democracia não se consolida porque nós estamos falando o que pensamos. A democracia de um país não se consolida quando 48% de toda a riqueza produzida nacionalmente ela é apropriada por 0,005% das famílias brasileiras. Então quando eu digo que é importante baixar a taxa de juros para que nós tenhamos 60 ou 70 bilhões de dinheiro novo e limpo, não para colocar nas peças íntimas de vestuário masculino, comprar parlamentação de suga ou mensaleiro, mas para investigar no que dinamiza a economia local, gera empregos, gera renda, possibilitar a educação. Veja que coisa maravilhosa, tem lógica um país que investe dez vezes mais pagando juros da dívida do que toda área da educação? A educação infantil – que é creche, escola – ensino fundamental, ensino profissionalizante, educação de jovens e adultos, ensino médio, produção de ciência e tecnologia que vocês estavam a pouco falando das incubadoras para a nossa juventude. Existe democracia num país onde mais da metade dos jovens brasileiros passam o dia todo sem fazer nada, nem estudam, nem trabalham?


 


Fátima Bernardes: Candidata, vamos voltar à questão. Este ano que passou agora com integrantes de declarações suas. Os integrantes do movimento MLST invadiram e depredaram o prédio do Congresso. A senhora se manifestou num discurso no plenário contrária àquela ação, mas ao mesmo tempo disse que o endereço estava errado. Que o endereço seria o Palácio do Planalto do outro lado da praça.


Heloisa Helena: O endereço não para destruição de prédios públicos.


 


Fátima Bernardes: A senhora é favorável à invasão de prédios públicos?


Heloisa Helena: Minha filha, deixa eu dizer uma coisa. Veja, eu tive um filho que passou 15 dias em coma com traumatismo craniano. Imagina como eu me sentiria se fosse o meu filho que fosse apedrejado com paralelepípedo, tivesse um traumatismo craniano ou se fosse o meu filho, o fotógrafo jogado por uma escada que ficasse andando nos corredores do Senado em uma cadeira de rodas.


 


William Bonner: A sua condenação à violência foi enfática, senadora, no seu discurso. Mas a pergunta é específica sobre a invasão de prédios públicos.


Heloisa Helena: Não, a ocupação de prédios públicos… eu, se tiver a honra de chegar ao Palácio do Planalto, isto não vai acontecer, porque a ocupação de terras improdutivas ou de espaços públicos só se dá quando os governos são tão incompetentes, irresponsáveis e insensíveis, que montam um mapa da reforma agrária conforme a violência.


 


Fátima Bernardes: Candidata, é muito difícil a senhora prometer que não vai haver invasão de prédios públicos.


Heloisa Helena:  Eu estou dizendo que eu vou antecipar.


 


Fátima Bernardes: Mas a reforma agrária não se faz no primeiro dia,  candidata.


Heloisa Helena: Mas eu tenho que entender mais de reforma agrária do que você.


 


Fátima Bernardes: Longe de mim, eu me coloco aqui no papel de um eleitor, de um telespectador em dúvida apenas.


Heloisa Helena: Você tem razão, porque não é fácil, você ter que fazer todo o processo de desapropriação, você tem que analisar, eu sei que tem todo um processo de desapropriação, mas tenha certeza, o problema das ocupações de terra no Brasil, da violência no campo, eu digo pra você, com a sinceridade de uma mãe. O problema é que os governos passam a fazer a desapropriação de terra, os assentamentos que não são assentamentos, são verdadeiras favelas rurais, porque reforma agrária não é só a distribuição de terra. É saneamento agrícola, é crédito, infra-estrutura, é impossível as pessoas permanecerem nas favelas rurais como está acontecendo no país.


 


Fátima Bernardes: Para que a gente não deixe de fazer um fecho para a sua entrevista, eu gostaria que a senhora dissesse em 30 segundos para o eleitor o que a senhora considera um bom governo.


Heloisa Helena: Um governo que possa acolher as crianças brasileiras e a juventude brasileira, do mesmo jeito que eu, mãe, acalento os meus próprios filhos. E eu quero também agradecer o carinho, a delicadeza, as flores e os beijinhos que a gente tem recebido nas nossas caminhadas pelo Brasil. É uma luta que tem que fazer nascer um Davi por dia nos nossos corações, nós estamos firmes, fé em Deus e fé na luta do povo sempre.