Argentina: Desenterrado histórico manuscrito de Perón

Quem visita a Praça de Maio, em Buenos Aires (Argentina), e se interessa um pouco pela história do local, facilmente se depara com uma espécie de urna enterrada no chão. Nela, até este sábado (12/8), era possível ler a seguinte mensagem: “Debaixo desta pl

Chegou o dia. Neste sábado, um ato realizado na própria Praça de Maio contou com a presença de estudantes, historiadores e militantes políticos.



Perón, três vezes presidente do país, deixou essa mensagem como testamento público, mas quando foi derrubado, em 1955, por um governo militar, este último ordenou a destruição do manuscrito e do cofre no qual se encontrava.



No entanto, o próprio Perón e militantes de seu partido possuíam uma cópia do texto, que em 12 de agosto de 2000 foi enterrada novamente na praça por membros do Congresso argentino.



A data escolhida por Perón para que a mensagem fosse desenterrada tem uma explicação: há 200 anos o governo argentino reconquistava Buenos Aires, após esta ser tomada pelos ingleses.



Confira abaixo a íntegra da mensagem:



Mensagem aos jovens do ano 2000



A juventude argentina do ano 2000 irá querer voltar seus olhos para o passado e exigir da história um acerto de contas para avaliar o uso que os governantes de todos os tempos fizeram do sagrado depósito que em suas mãos foram colocando as gerações anteriores, e também avaliar se seus atos e suas doutrinas foram suficientes para levar o bem-estar a seus povos, assim como para conseguir levar a paz entre as nações.



Por desgraça para nós, esse balanço não nos foi favorável. Antecipemo-nos a ele para que conste, ao menos, nossa boa fé e confessemos lealmente que nem os governantes dos povos e nem as massas souberam como conseguir o caminho da felicidade individual e coletiva.



No transcurso dos séculos progredimos de maneira gigantesca na ordem material e científica, e, se a cada dia se avança na limitação da dor, é somente em seu aspecto físico, pois no que diz respeito à moral o caminho percorrido foi pequeno.



O egoísmo foi regido muitas vezes por atos de governo e não pelo amor ao próximo, nem sequer pela compaixão ou pela tolerância – o que move as determinações humanas.



Essa acusação resulta aplicável tanto aos povos como aos indivíduos. É certo que um ou outro dão exemplos de altruísmo, mas como feitos à parte ou com pouca influência na marcha da humanidade. É certo que em algumas ocasiões parece que se deu um grande impulso em favor dos nobres ideais e das causas justas, mas a realidade nos chama a si e nos faz ver que tudo era uma ilusão. Terminada a guerra, colocamos nossa esperança em que ela seja a última, pois as diferenças entre as nações hão de ser resolvidas pelas vias do direito aplicado pelos organismos internacionais. Poucos anos bastam para demonstrarmos com um conflito bélico de maiores proporções o tremendo erro em que caímos. Até o aspecto cavalheiresco das batalhas se perdeu, e hoje vemos o coração partido como ao final de 20 séculos de civilização cristã caem na luta crianças, mulheres e anciãos.



Pouco depois de um conflito social resolvido, vemos agora outro, de maiores proporções, nem sempre solucionado pelas vias da inteligência e da harmonia, mas sim pela coação estatal ou das próprias partes mais fortes, e não a de maior direito.



Frente a essa lamentável realidade: de que serviram as doutrinas políticas, as teorias econômicas e as elucubrações sociais? Nem as democracias nem as tiranias e nem os empirismos antigos ou os conceitos modernos foram suficientes para aquietar as paixões ou para coordenar os desejos veementes. A própria liberdade se resume a uma charmosa palavra, de muito escasso conteúdo, pois cada qual a entende e a aplica em seu próprio benefício. O capitalismo se vale dela não para elevar a condição dos trabalhadores procurando seu bem-estar, mas sim para deprimi-los e enfurecê-los. Os possuidores de riqueza não querem compartilhá-la com os despossuídos, mas sim aceitá-la e monopolizá-la. E, inversamente, os falsos apóstolos do proletariado querem a liberdade mais para usá-la como uma arma na luta de classes do que para obter o que suas reivindicações tenham de justas.



Não havia começado o liberalismo econômico quando – para impedir seus aplausos – tem o Estado que iniciar uma intervenção cada vez mais intensa a fim de evitar o dano entre partes e o dano à coletividade. Mas tampouco seu intervencionismo constitui um remédio eficaz porque ou é partidário ou busca anular as liberdades individuais e com elas a própria pessoa humana.



O mundo fracassou. Mas esse fracasso serão tão absoluto que não deixe um mínimo resquício para a esperança? Possivelmente possamos manter o otimismo com a ilusão de que o avanço da humanidade fazia seu bem-estar ser tão lento que não o percebíamos, mas de cada evolução fica uma partícula aproveitável para o melhor desenvolvimento da humanidade. O avanço é invisível e está oculto por seus próprios vícios a que antes aludiu, mas nem por isso deixou de existir.



Seria mais perceptível se cada um de nós se despojasse de algo próprio em benefício de seus semelhantes, mas sim tratar de dirigir as disputas com a razão e não com a violência. Dentro de minhas possibilidade assim procurei fazê-lo e, neste sentido, orientei minha ação de governante.



A humanidade deve compreender que há que formar uma juventude inspirada em outros sentimentos, que seja capaz de realizar o que nós fomos capazes. Essa é a verdade maior que nesses tempos devemos sustentar sem egoísmos, porque estes nos foram conduzido somente a desastres.



Em nossa querida Argentina, o panorama descrito foi sentido sem ser sangrento, mas, em linhas gerais, os feitos mostram que foi correta a resolução que precedeu nossa realidade. A independência política que herdamos dos mais velhos até nossos dias não foi coletivizada pela independência econômica, que permitiria dizer com verdade que constituíamos uma nação socialmente justa, economicamente livre e politicamente soberana.



Por isso nós lutamos sem descanso para impor a justiça social que suprimiu a miséria em meio á abundância; por isso declaramos e realizamos a independência econômica que nos permitiu reconquistar o que foi perdido e criar uma Argentina para os argentinos, e por isso nós vivemos cuidando para que a soberania da Pátria seja inviolável ou inviolada até que um argentino que possa opor seu peito ao avanço de toda prepotência estrangeira, destinada a minguar o direito que cada argentino tem de decidir por si, dentro das fronteiras de sua terra.



Contra um mundo que fracassou, deixamos uma doutinha justa e um programa de ação para ser cumprido por nossa juventude: essa será sua responsabilidade diante da história.



Queira Deus que esse juízo seja favorável e que ao ler essa mensagem de um humilde argentino, que amou muito sua Pátria e tratou de servi-la honradamente, podeis, irmãos de 2000, lançar vosso olhar sobre a grande Argentina que sonhamos, pela qual vivemos, lutamos e sofremos!



Juan Domingo Perón

Fonte: Clarín
Tradução e foto: Fernando Damasceno