Filme brasileiro pode ajudar no combate à exploração sexual

Reunidos em uma sala, deputados e fazendeiros esperam o início de um leilão. O primeiro “artigo” tem o lance inicial de R$ 2,5 mil. “R$ 5 mil”, arremata o deputado. A próxima “mercadoria” é oferecida a R$ 1,5 mil. Um fazendeiro aumenta o lance para R$ 2,5

A mercadoria em questão: crianças. Meninas entre 10 e 12 anos vendidas, revendidas, transportadas e tratadas como um produto de compra e, em alguns casos, até como animais. Seus compradores são chamados “padrinhos” ou “madrinhas”, pessoas que vão explorá-las financeira e sexualmente. Essa é uma das cenas do filme Anjos do Sol. Uma obra que, apesar de ficcional, tomou por base a realidade brasileira.



De acordo com a Secretaria Especial de Direitos Humanos, a exploração sexual comercial de crianças e adolescentes ocorre em 932 municípios do país. Em um mapeamento realizado pela Polícia Rodoviária Federal, foram identificados mais de 1.200 pontos nas estradas federais onde essa prática pode acontecer.



A exploração sexual de jovens é um crime pouco conhecido pela sociedade. Foi o que percebeu a jovem atriz Bianca Comparato. No filme, ela interpreta uma adolescente obrigada a se prostituir. “A minha visão do problema mudou. Eu tinha uma noção de que era uma coisa muito pequena, acontecia pouco no Nordeste e no Norte. Não tinha noção de que é um problema que está perto das grandes capitais do país. É um problema muito maior do que o que chega até nós”, comenta.



Maria Lúcia Pereira é pesquisadora da organização não-governamental Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescente (Cecria). Ela assistiu à pré-estréia do filme em Brasília e conta que, mesmo trabalhando na área, sentiu “indignação” e “revolta” ao fim da sessão. Maria Lúcia, no entanto, defende o potencial de conscientização do longa-metragem: “Ele conseguiu transmitir essa brutalidade, essa violência, essa barbárie. É uma obra de arte, uma forma de denúncia diferente da que a gente está acostumada”.


 


Sensibilizar e mobilizar a sociedade é a idéia da parceria entre a produtora do filme, o governo federal – representado pela Secretaria Especial dos Direitos Humanos da presidência da República (SEDH), o Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), o Ministério da Cultura – e organizações internacionais como a Organização Internacional do Trabalho (OIT).


 


Cristina Albuquerque, coordenadora do Programa de Combate à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes da SEDH, explica que o filme vai ser usado para capacitar a sociedade e as pessoas que trabalham para a redução do problema: “Quando o filme sair do circuito comercial, todos os parceiros vão utilizá-lo em seus programas, projetos e ações de enfrentamento à violência sexual, para nós termos mais uma forma de comunicação, através da arte, demonstrando como é grave a violação deste direito”.


 


O filme também será utilizado pelo Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda), ligado à Presidência da República, para capacitação de conselheiros estaduais e municipais; pelo MDS, nas capacitações de técnicos do Programa Sentinela e pela Comissão Intersetorial de Enfrentamento à Violência Sexual contra Crianças e Adolescentes. Foi o que lembrou Osvaldo Russo, secretário nacional de assistência social do Ministério. Segundo ele, além de “servir para os nossos técnicos (assistentes sociais, psicólogos, educadores), como instrumento de capacitação, não só de mobilização”, a parceria vai reforçar as ações do Sistema Único de Assistência Social (SUAS).


 


Anjos do Sol conta a história de Maria, uma menina pobre que é vendida pelo pai em troca de alguns reais. A esperança da família é que ela consiga um emprego na cidade grande. Mas, a menina tem destino certo: a prostituição infantil.


 


Em seu primeiro trabalho como diretor de cinema, Rudi Lagemann revela que além de tentar abordar “de maneira respeitosa e sensível um universo tão sórdido”, seu grande desafio foi também a preparação das atrizes; crianças que teriam de “viver” um “tema tão pesado”.


 


O diretor e roteirista conta que o filme é resultado de pesquisas em jornais, revistas e publicações do governo e de organizações da sociedade civil. Em face disso, Lagemann acredita que Anjos do Sol vai “proporcionar uma energia para se tentar mudar essa realidade”:




“Esse filme é fruto de pesquisa de pessoas que se preocupam com esse tema. Pessoas que escreveram textos, que desenvolveram trabalhos com crianças que são segregadas da sociedade. Essas pessoas vêem agora no filme um instrumento de trabalho. Elas me forneceram informações e o filme é o fechamento de um ciclo, por que elas vão levar para o trabalho delas o filme. Então, a realidade virou ficção e, novamente, a ficção vira realidade”.