Tariq Ali exalta o ''líder'' Chávez e condena Bush e ''Veja''

O escritor e ativista paquistanês Tariq Ali, de 63 anos, foi entrevistado pelo repórter Eduardo Carvalho, na semana passada, durante a Festa Literária Internacional de Parati (Flip). O Vermelho reproduz os principais trechos da entrevi

Há 35 ou 40 anos, quando seu amigo John Lennon telefonou para saber sua opinião sobre sua música Imagine, que falava de um mundo sem guerra e sem fronteiras, já havia o conflito árabe-israelense, já havia os Estados Unidos querendo fincar suas garras imperialistas na Ásia. O que mudou de lá para cá?


Para não alongar a história, a grande diferença é que os Estados Unidos são a única potência imperial do mundo, situação bem diferente da bipolaridade dos anos 60. Quando os Estados Unidos intervieram no Vietnã, nenhum país europeu mandou tropas. No entanto, quando intervieram no Iraque, muitas nações européias mandaram tropas. Isso gera uma ideologia global dominante que está cada vez mais difícil de desafiar. Esta situação que é conhecida como o consenso de Washington tem dois aspectos essenciais: o primeiro é que as únicas políticas econômicas permitidas são as neoliberais. O segundo é a constatação de que as soberanias nacionais não importam mais; se for necessário, na visão deles, os Estados Unidos passarão por cima das soberanias nacionais em nome da assim chamada intervenção humanitária. O efeito disso é tirar do mundo as bases da democracia, isolando e afastando muitas pessoas das instituições democráticas.


 


O que isso gera no cenário internacional?


Um problema em escala global. Os países estão assustados, mas não se levantam contra o poder dominante, pois os países que denunciam o imperialismo são taxados de terroristas, de populistas ou o que quer que seja. Um outro ponto é que este sistema faz com que países se tornem muito dependentes das instituições globais e muito sujeitos ao que é mostrado pelos meios de comunicação de massa, como a televisão. Esta é uma outra grande diferença em relação aos anos 70, retomando sua pergunta. Nos 70, um jornalista americano experiente filmou os fuzileiros navais americanos queimando uma casa, o que foi mostrado na mesma noite na televisão nacional americana. Se compararmos este exemplo com a cobertura que está sendo dada ao que ocorre no Líbano hoje em dia, nenhuma das emissoras de TV americanas mostrou casos de morte de civis libaneses. Quando há uma situação em que as notícias são deliberadamente escondidas do público americano, não podemos esperar que eles saibam o que está acontecendo.


 


Não há resistência, então?


É um mundo dominado, e há pequenos bolsões de resistência de pessoas tentando lutar contra isso.


 


O senhor falou em bolsões de resistência. Sabemos que o senhor participa diretamente de um deles: o Fórum Social Mundial. Como este movimento é visto pelo mundo ou, ao menos, nos lugares aonde o senhor tem ido?


O Fórum Social Mundial começou no Brasil e isso foi muito importante. Mas, agora, acontece em todos os continentes. No começo do ano, houve um Fórum Social Mundial no Paquistão, na África e na Venezuela, nos três continentes simultaneamente. Na verdade, o Fórum Social Mundial está crescendo. Tenho que ser muito sincero sobre isso. Participei de muitos destes fóruns que, de fato, estão crescendo, mas precisamos saber quais são seus limites. Porque, no momento, está virando uma festa. E o mundo precisa de mais do que uma festa! E não só de pessoas gritando que ''outro mundo é possível''. Já estamos gritando isso há muitos anos. Está ficando monótono. O importante é entender como e onde estão acontecendo mudanças e o que podemos aprender com isso.


 


E onde as mudanças estão acontecendo?


Os principais movimentos políticos que estão tendo grande impacto mundial concentram-se na América Latina. Podem ser observados em toda a América Latina. Enquanto estamos aqui reunidos, a Cidade do México é ocupada por mais de um milhão de pessoas, pois o principal partido de esquerda mexicano acredita que a eleição foi fraudada. Isso gerou uma grande ocupação, cuja demanda é muito simples de ser atendida: recontem cada um dos votos. Como alguém pode se opor a isto? É uma exigência legítima da democracia. Tivemos eleições na Bolívia, no Peru… independentemente de quem tenha ganhado em cada lugar, observamos a mesma polarização.


 


O senhor aponta alguma liderança neste sentido?


Sei que não é uma coisa muito popular de se dizer no Brasil, mas, em escala global, o principal político claramente posicionado à esquerda, é o Hugo Chávez. O discurso que ele fez na ONU, até mesmo os jornais americanos tiveram que admitir, foi o mais interessante de todos. Quando a Al-Jazeera entrevista o Chávez, ela obtém audiências maiores do que em entrevistas com qualquer outro líder internacional. É uma situação muito interessante na América Latina e uma tragédia que o Brasil não possa fazer parte dela, pois, cada vez mais, as alianças regionais tornam-se cada vez mais importantes para desviar o eixo político de dominação. Até o Kirchner na Argentina está se mostrando mais corajoso do que o Lula. Ele é muito inteligente. Quando Bush disse que ele deveria pagar todas as dívidas que seu país fizera com o Banco Mundial, ele respondeu que não era possível. Mas ele disse: ''vamos te dar alguma coisa, para cada dólar que devemos, vamos pagar um centavo''. Foi uma operação inteligente, pois ele não disse simplesmente que não pagaria nada, e o governo norte-americano, no final das contas, teve que aceitar. Isso mostra que não é o caso de que nada pode ser feito, como é corrente na visão política dominante no Brasil. As ligações entre dinheiro e poder podem ser rompidas por organizações política s que tenham coragem e visão. Isso me remete novamente à pergunta sobre a música Imagine, que é uma canção utópica que ele queria que se tornasse verdadeira. Há versos muito interessantes nela, um deles fala de ''um mundo sem religião'', que é muito interessante de se observar se aplicado ao Oriente Médio e aos Estados Unidos.


 


Nos Estados Unidos, o apoio ao George Bush caiu sensivelmente. Mesmo as pessoas que não são politicamente sofisticadas parecem ter se conscientizado neste sentido. Como o senhor encara isso?


A principal razão para isso é o desastre da intervenção, da invasão, do Iraque. O governo garantiu que entraria, tiraria um homem mau do poder, colocaria outro bom em seu lugar e depois sairia. Eles não previram que haveria tanta resistência no Iraque, o que causou um número cada vez maior de baixas americanas, incluindo pessoas mortas e muitos milhares de soldados americanos gravemente feridos. Esta informação está se disseminando, infiltrando-se por baixo das notícias, pois, em todo pequeno lugarejo americano, há alguém que morreu ou foi gravemente ferido. Além disso, o público sabe, agora, que o governo mentiu para eles. Mentiram sobre as armas de destruição em massa, o que já foi publicamente admitido. Isso teve um forte impacto na popularidade de Bush e de Blair também. A aprovação do Blair na Grã-Bretanha agora está muito baixa. Muitas pessoas dizem abertamente que querem que ele vá embora.


 


Como o senhor encara as acusações da revista Veja, que o qualificou como um ''paquistanês perfeitamente idiota''?


Eu não li, mas se explicarem o que estava escrito, poderei comentar este insulto. Em que base eles afirmam isso?


 


Falam de seu posicionamento radical em relação ao Irã e a todo o Oriente Médio…


Ah, é isso? É uma crítica que também recebo em larga escala nos Estados Unidos e que me é muito familiar. São críticas feitas por jornalistas que nunca falaram comigo, mas que têm uma agenda muito bem definida. Quem lê meus livros de não-ficção têm uma coisa muito clara a meu respeito: eu sou ateu. Não acredito em religião ou em políticas religiosas. Vivemos num mundo em que há grandes vácuos… quando me perguntam se estou feliz por haver resistência no Iraque, eu respondo que sim, pois se não houvesse, Bush e Blair teriam uma vitória muito triunfante. Quando Israel invade o Líbano, destrói a infra-estrutura e a vida social do país, mata milhares de civis… eu digo que estou muito feliz que haja uma resistência a este crime de guerra. A atual mídia global não se vê mais como um grupo independente de jornalistas e sim como um meio para defender a ordem estabelecida e a posição política da Veja eu conheço muito bem; é equivalente à da Time e à da Newsweek, mas, na verdade, estas duas americanas são, ao menos, mais críticas do que a Veja.