Aberração: Vídeos de lutas de rua viram moda nos EUA

Leia a matéria de Warren Saint John para o jornal The New York Times, com tradução de Danilo Fonseca. O texto fala sobre o fetiche da moda entre os americanos – ver filmes sobre lutas de rua.

Em novembro passado, William Graham estava sentado tranqüilamente em um bar perto da sua casa em Miami, em uma noite de karaokê, quando subitamente se meteu em uma confusão. Ele se lembra de que, no outro lado do bar, um casal bêbado discutia em voz alta. A mulher olhou para Graham, algo que aparentemente desagradou o namorado dela. O cara se aproximou de Graham, 44, jogou um cigarro contra ele e o chamou para brigar.


 


Infelizmente para o agressor, Graham é um estudante aplicado da arte, ou do ato, de lutar nas ruas. Ele tem aproximadamente 20 DVDs e livros sobre lutas de rua, vários deles do belicoso guru Paul Vunak. Um deles é perfeito para aquelas noites de karaokê nas quais as coisas ficam descontroladas: A Anatomia de uma Briga de Rua.


 


Graham se lembrou do seu treinamento, e aquilo que aconteceu a seguir no bar não foi uma cena bonita. Primeiro ele golpeou os olhos do agressor com os polegares, antes de aplicar uma “explosão direta”, uma seqüência de socos enérgicos na barriga (“O golpe favorito de Bruce Lee”, explica Graham). O agressor caiu no chão, e aí Graham imobilizou-o com um estrangulamento até que os seguranças separaram os dois e os expulsaram do bar — através de portas diferentes. Segundo Graham, o episódio inteiro durou menos de 20 segundos. Ao final, o agressor foi dominado, e a masculinidade de Graham saiu intacta, exatamente como os vídeos lhe haviam prometido.


 


Graham conta que o seu oponente estava em um estado de incredulidade após a luta. “Ele achou que íamos passar por toda aquela cena de luta de boxe. Ele não estava pronto para um ataque contra os olhos e uma seqüência de socos no abdômen.”


 


Até cursos!
Se Graham decidir aperfeiçoar a sua técnica com a compra de mais vídeos com instruções sobre brigas de rua, não lhe faltarão opções. Antigamente tidos como uma área apropriada para alguns paranóicos e entusiastas de técnicas de sobrevivência, os cursos de brigas de rua se proliferaram por meio dos vendedores online, em uma tendência estimulada em grande parte pela popularidade do Ultimate Fighting Championship e o Pride Fighting Championship, dois campeonatos televisados de lutas envolvendo a mistura de diversas artes marciais.


 


Don Wasser, o presidente da PFS Video, uma companhia de Pensilvânia que produz vídeos de lutas de rua desde 1991 — incluindo o clássico de Vunak Mordida Bárbara: como sair Instantaneamente debaixo de um homem de 110 Quilos — afirma que as vendas dos vídeos de briga de rua da sua companhia aumentaram 50% nos últimos quatro anos. Ele atribui esse crescimento aos fãs do Ultimate Fighting, que atrai uma grande audiência por meio de programas por assinatura, e mais recentemente à série de TV, The Ultimate Fighters, que acompanha os treinamentos e as competições dos lutadores.


 


“No início as coisas andavam devagar”, diz Wasser, referindo-se ao seu negócio. “Mas nos últimos cinco ou seis anos houve uma explosão das vendas.” Segundo Wasser a maior parte dos seus clientes não está interessada em investir muito tempo aprendendo artes marciais tradicionais em um dojô, ou em lutar em academias. Em vez disso, eles gostam da idéia de sentarem-se em um sofá e aprenderem uns dois golpes sujos e violentos, para o caso de se depararem com agressores no mundo real.


 


Wasser diz que está no ramo da “construção da autoconfiança”, e por meio de pesquisas feitas junto à clientela, ele afirma que passou a conhecer bem a psicologia dos seus fregueses. “Os caras que estão jogando futebol americano não estão de autoconfiança — eles já a conquistaram”, explica Wasser. “É o pessoal do clube de xadrez que busca este tipo de sensação.”


 


Má idéia
Os especialistas em segurança pessoal são em geral unânimes em afirmar que se meter em uma briga é uma idéia extraordinariamente ruim. Perca, e você pode acabar no hospital; vença, e poderá ir para a cadeia ou enfrentar processos na justiça. E, segundo eles, a grande quantidade atual de armas nas ruas torna a situação ainda mais perigosa.


 


“Ninguém deveria entrar em luta corporal com outro indivíduo, porque nunca se sabe o que se vai enfrentar”, explica Donald R. Henne, ex-tenente da polícia de Nova York, e atualmente um diretor da firma de segurança Kroll.


 


Ele diz que acha os vídeos de brigas de rua risíveis. “Esses indivíduos que lutam nos campeonatos de vale-tudo são atletas altamente treinados que se exercitam constantemente”, diz ele. “É como se alguém assistisse a um vídeo sobre como pilotar uma aeronave e, depois, sentasse em frente aos controles de um Jumbo e dissesse que é capaz de fazer o avião voar”.


 


Efeito da cultura do medo
Bruce Corrigan, um ex-fuzileiro naval que dá aulas de luta e que aparece em uma das séries de vídeo de Wasser, afirma que os clientes que compram o seu vídeo seguem uma filosofia diferente: “É melhor prevenir do que remediar”.


 


Um vídeo, produzido por uma companhia chamada TRS Direct, promove os conhecimentos de um instrutor que “treinou agentes da KGB, guarda-costas do Kremlin, pára-quedistas de elite e equipes russas do tipo Swat que atuam em grandes cidades”. Uma outra produção faz propaganda de uma técnica de luta israelense que “empolga até soldados norte-americanos com experiência de combate”.


 


Apesar da promessa de métodos exóticos de luta de todo o mundo, a maior parte dos vídeos sobre brigas de rua se reduz àquele mesmo punhado de técnicas: pisadas nos pés, socos na laringe, golpes de dedos contra os olhos, cotoveladas violentas, chutes na canela e cabeçadas, que são aplicados sem piedade em figurantes de cara feia que interpretam os agressores prestes a serem derrotados.


 


Mais fetiche que apoio
Acontece que muita gente que compra vídeos de lutas de rua não se mete realmente em muitas brigas. Michael Rigg, diretor de vendas e marketing da Paladin Press, uma companhia de Boulder, no Colorado, que publica vários produtos que ensinam técnicas de brigas de rua, diz que faz geralmente treinamentos em artes marciais variadas, embora nunca tenha brigado.


 


“Sou um bom democrata liberal”, afirma Rigg. “Mas se alguém me atacar, sou capaz de arrancar um pedaço do agressor e devolver esse pedaço a ele.” Marc Gould, um técnico da área de saúde da Califórnia, de 50 anos, e fã dos vídeos do Ultimate Fighting Championship e de brigas de rua, diz que, embora conheça bastante sobre lutas, só brigou na infância.


 


Mas ele frisa que se uma confusão se apresentar, ele estará pronto para enfrentá-la. “A cotovelada é o meu golpe favorito”, afirma Gould. “Para sairmos de uma briga de rua, é necessário machucar o oponente com muita rapidez.”


 


Tal como a indústria pornográfica
De certa forma, a indústria de vídeos de lutas está estruturada como a indústria da pornografia. Os lutadores individuais trabalham para as distribuidoras por um preço que varia de US$ 500 a US$ 1.000 por vídeo. E o preço de cada vídeo fica entre US$ 19 e US$ 79. Alguns usam pseudônimos. Jim Grover, que aparece na série da Paladin Press, Situational Self-Offense (Auto-Ataque Situacional), é na verdade um especialista em segurança chamado Kelly McCann.


 


Como os vídeos rendem muito pouco dinheiro, os instrutores precisam fazer vários deles para sobreviver. Jim Arvanitis, que se apresenta como especialista no estilo de luta dos gladiadores, fez 21 vídeos. Ele diz que o trabalho lhe permitiu aperfeiçoar certos golpes que em outra situação poderiam fazer com que fosse parar na cadeia. “Não dá para sair por aí provocando os outros, ou ir a bares para fazer cara feia para os outros”, diz Arvanitis. “Sendo assim, é melhor fazer os vídeos.”


 


Wasser afirma que a sua companhia pretende lançar dez novos vídeos de lutas de rua neste ano. Apesar disso, ele diz que se considera um pacifista. “A minha mulher sabe que sou um homem bastante masculino”, diz ele. “Prefiro não parar em um hospital ou em uma delegacia de polícia à noite. E, hoje em dia, todo mundo tem um advogado.”