Crítica: Simplicidade é a marca do novo show de Chico Buarque

Clarice Lispector dizia escrever com simplicidade, sem complicações. Tostão volta e meia lembra que, na maioria das partidas, Pelé se limitava a ser simples e objetivo. Chico Buarque de Hollanda, em seu novo show “Carioca”, também faz uso da simplicidade

A simplicidade de Chico, no entanto, não faz com que seu show (ou mesmo seu disco mais recente) seja de fácil assimilação – talvez como a obra da já citada Clarice. Ao longo de duas horas e cerca de 30 músicas, há poucos hits que toda a platéia domine de cor e salteado (como João e Maria, Futuros amantes e As vitrines), assim como poucos sambas são apresentados – opção que deixa o público quase em silêncio na maior parte do espetáculo, sussurrando os belos de versos de canções como Já passou, Mil perdões e Sempre.


 


O cenário do show reforça a idéia de simplicidade. Elaborado pelo cenógrafo Hélio Eichbauer, uma escultura suspensa por um eixo reproduz o mesmo contorno de alguns morros do Rio de Janeiro, intercalado ora por um sol e por uma lua estilizados e ora pela projeção de um desenho da autoria de Villa-Lobos. Com poucas luzes, cria-se um clima intimista, como se Chico estivesse tocando num simples boteco carioca para meia dúzia de pessoas.


 


Por outro lado, os músicos que acompanham Chico causam uma falsa (porém eficaz) sensação de simplicidade. Seguindo a linha do disco Carioca, o show apresenta diversos arranjos belíssimos (responsabilidade do músico Luiz Cláudio Ramos) e ao mesmo tempo discretos, que por vezes fazem com que a platéia os esqueça, concentrando toda a atenção na figura e na voz de Chico.


 


Impossível não dar algum destaque à heterogeneidade da platéia. Uma rápida passada de olhos nota senhoras suspirando, garotas empolgadas, moças de meia idade um tanto quanto saidinhas, senhores tentando disfarçar a emoção em algumas músicas e rapazes descobrindo que também pode ser interessante ouvir “o tal do Chico Buarque”.


 


Ao final, toda essa mistura é envolvida por uma espécie de catarse, envolta nos quatro retornos de Chico ao palco, sob aplausos intermináveis. Depois de quase duas horas de músicas nem tão conhecidas, a platéia deixa suas apertadas cadeiras e se aproxima do palco, ao som de Quem te viu, quem te vê.


 


Encerrado o espetáculo, há quem reclame da ausência das clássicas canções políticas de Chico, como Vai passar ou Apesar de você. Na interminável fila para deixar o Tom Brasil, um senhor grisalho sugere uma resposta que talvez traduza a nova fase política do cantor: “O cara faz um show e um disco chamados Carioca, contrasta toda a beleza do Rio com os problemas que a cidade tem, dá várias estocadas na situação social existente… O que mais você quer?”.


 


De São Paulo,
Fernando Damasceno