Renato Russo, dez anos depois: um tributo do ''Vermelho''

Morto há dez anos, em 11 de outubro de 2006, o cantor e compositor Renato Russo continua a ganhar fãs, elogios e homenagens. Um desses tributos partiu do poeta Adalberto Monteiro, secretário de Formação e Propaganda do PCdoB. É de autoria de Adalberto

 



 


Canção Russiana


 


Adalberto Monteiro


 


Renato,
Lá na sala,
Com aquela voz russiana
Dele,
É uma lua
Ardendo,
Intumescendo,
Tudo o que tem vida
Tudo o que habita
Ou visita
A casa,
Exceto quem teve
Os ouvidos
Arruinados por ruídos…
Os tímpanos
Roídos
Por besouros
Carnívoros,
Terríveis
Bichos antigos.


 


A voz dele
Ata-se
À voz da guitarra,
Do piano
E de mãos dadas
Vão passeando
Em cada âmago
Do corpo,
Em cada cômodo
Da casa
E vão mergulhando
No poço da alma.
E cantam e cantam
E fremem e fremem
E os meus mamilos
Ficam enrijecidos
E você não está
Aqui
Para sugá-los
Mordiscá-los.


 


Ele canta, canta,
E o inglês
Caiu bem
Na voz dele,
Mas você não está aqui
Para traduzir;
Então me ponho
A intuir
Se as histórias
Que ele canta
São alegres ou tristes;
Se dizem
De mel
Ou de fel.


 


Ele canta, canta
E tudo que tem sexo passa a marejar
E a enrijecer,
A enrijecer
E marejar,
A expandir-se,
Alargar-se,
Canta, canta,
E tudo que tem sexo
Passa a inundar,
A alagar.


 


Ele canta, canta,
E parece que é um hino.
Então em mim
Ergue-se uma clava forte
– zás-
Para atravessar-te.
Torno-me um sertanejo
De braços fortes,
Determinados
A ficar socando, socando,
O teu pilão fundo;
Mesmo que se esfole
Mesmo que se afogue,
Até que a amêndoa
Se descasque
Até que
O azeite do gozo se derrame.
Mas você não está aqui.
Fico
Uma folha seca
Girando
No redemoinho
Das canções dele,
Fico à deriva da saudade
De
Tuas carícias
E vem o sono
E um sonho
Unta-me
De mel.