Um Brasil mais democrático, embora paradoxal e contraditório

Na abertura da reunião da Comissão Política Nacional, Renato Rabelo analisa o Brasil que surgiu da eleição deste ano e os desafios que o PCdoB enfrentará. O principal deles é a cláusula de barreira que viola a igualdade da representação eleitoral.

Depois de outubro, desponta um Brasil mais democrático, embora paradoxal e contraditório – esta avaliação foi feita pelo presidente nacional do Partido Comunista do Brasil, Renato Rabelo, na abertura da 9a Reunião da Comissão Política Nacional do PCdoB, realizada hoje, em São Paulo.



A pauta do encontro incluiu a análise do resultado da eleição, a participação comunista em governos (federal e estaduais), a preparação da reunião do Comitê Central, prevista para ocorrer no final de novembro, e a luta do Partido contra a draconiana cláusula de barreira que entrou em vigor nesta eleição.



A reeleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi uma vitória do povo e das forças progressistas do Brasil, disse Renato. Sua importância pode ser medida pelo número de votos que Lula teve, superior a 58 milhões, sendo a terceira maior votação na história da humanidade. Essa dimensão de votos é significativa, dando a ela um sentido estratégico e também internacional, com forte influência na vida nacional e mesmo internacional. Destaca-se entre as dez eleições ocorridas na América Latina, sendo a mais significativa, tendo papel central na configuração dos novos rumos do continente.



No segundo turno, a campanha de Lula ampliou sua base popular, conseguiu unir todo o movimento social, aglutinar amplas forças democráticas e populares, e pautar o debate pela esquerda.



O governo Lula sofreu uma campanha da direita que, comparada com as passadas – contra Getúlio Vargas ou Juscelino Kubitschek, por exemplo – foi de maior fôlego. Mas ela não teve o efeito pretendido pela direita, e Lula teve mais de 60% dos votos, contra menos de 40% dados ao tucano Geraldo Alckmin. Esse resultado foi uma derrota eleitoral, política e ideológica dos conservadores liderados pelos tucanos. Prevaleceu a idéia de que o Estado precisa ter importante protagonismo no fomento do desenvolvimento, borrado o ideário neoliberal e tornando indefensável seu programa privatista. Mesmo Alckmin não teve chance de defender seu próprio programa, pensa Renato.



Num desfecho que estava longe de se esperar, prevaleceu o programa de governo da coligação A Força do Povo, e isso significa a superação das limitações da Carta aos Brasileiros, de 2002. E também uma grande derrota das forças conservadoras. Os tucanos, os pefelistas e toda a direita achavam que a eleição seria um passeio, e chegaram mesmo a propor que Lula não se candidatasse… E mesmo à esquerda havia aqueles que consideravam Lula já derrotado. É verdade que a crise se abateu sobre o PT e o núcleo de governo, mas nada abalou o prestígio de Lula e seu governo. Ao contrário, ficou demonstrado a existência de um forte apoio em uma vasta base popular, que votou maciçamente em Lula.



Sua reeleição consolida a mudança iniciada com a eleição de 2002 e, agora, com sua dimensão atual, a nova vitória que leva ao segundo mandato de Lula será imprescindÍvel para a construção de um novo projeto nacional, pensa Renato.
A perspectiva desenvolvimentista ganhou mais força no núcleo do governo, além de consolidar a equipe que construiu a política externa. O programa que foi aprovado nas urnas e derrotou o ideário neoliberal, diz Renato, precisa ser aplicado, gerando um compromisso programático para o governo de coalizão.



Renato analisou também a correlação de forças que vai se desenhando para o segundo mandato do presidente Lula; ele destacou a derrota da aliança PSDB / PFL que, no conjunto, perdeu 24 deputados – eles tinham 155 e caíram para 131. Ao mesmo tempo, os partidos que formam o núcleo de esquerda (PT, PCdoB, PSB) mantiveram configuração semelhante à que já tem hoje. Isso, ao lado da boa performance dos partidos de centro, como o PMDB, são elementos importantes para a construção de uma base de apoio ao governo na Câmara dos Deputados. No Senado, quadro ainda é difícil, com forte presença conservadora (PFL/PSDB).



Entre os governadores estaduais, a situação é mais favorável do que a de 2002, e o governo poderá ter o apoio da maioria dos governadores.



O dirigente comunista destacou também a significativa mudança que ocorreu no Nordeste, com o deslocamento de grupos regionais, muitos oligárquicos, destacando-se a Bahia, o Ceará, Pernambuco, Sergipe. São mudanças que comprovam a verdade da tese de que um novo ciclo político havia sido aberto com a eleição de 2002, que se consolida nesta.



Na esteira da campanha eleitoral e da vitória de Lula e das forças democráticas e progressistas, vai crescendo em âmbito nacional um clamor pelo desenvolvimento com justiça social, diz Renato. Ele é acentuado pelo resultado da eleição, que estigmatizou o ideário neoliberal. O período FHC foi abominado, execrado. Este momento, de certo atordoamento da direita, desbaratada, favorece o novo governo. Não se pode esquecer, contudo, que a oposição tem força e quadros preparados no Congresso Nacional e em grandes estados, influência no Judiciário e na grande mídia, dando a ela considerável força econômica, política e ideológica e capacidade para pressionar o governo tentando impor sua agenda e seus interesses.



A tarefa dos comunistas, neste quadro em que as possibilidades de mudança são maiores, é a de fortalecer os compromissos mudancistas e desenvolvimentistas assumidos pelo Presidente e pelas forças políticas que o apoiam, contra a pressão da direita, que já vai ficando visível e será contrária à aplicação do programa assumido, expresso por Lula quando disse que o nome de seu governo é desenvolvimento.



Outro aspecto tratado por Renato Rabelo foi a draconiana e antidemocrática cláusula de barreira imposta pela lei 9096/95 e que entrou em vigor este ano. Ela é o principal fator que marca o quadro político atual pois é uma regra que limita a liberdade dos partidos, viola a igualdade do voto e cria parlamentares de duas classes. Ela é “um entulho autoritário”, enfatizou Renato, e os comunistas precisam lutar com vigor por sua revogação. Com a cláusula de barreira, entramos em uma nova fase da luta, mais complexa, em defesa da existência do PCdoB e de sua legalidade. “Estamos diante de uma grande batalha, e o Partido precisa compreender isso”, disse. A luta contra ela é emblemática desta fase da transição democrática, que se depara com o mito difundido pela mídia e pelos conservadores de que sua adoção representa um aperfeiçoamento da legislação partidária e eleitoral.



A luta contra este obstáculo à livre organização partidária começou imediatamente após o segundo turno e, desde então, a presidência do PCdoB tem se concentrado nessa questão, disse Renato. Ela passou a ser um divisor de águas pois não ocorreu aquilo que muitos comentaristas e políticos acreditavam que aconteceria. “Achavam que o PCdoB ia se fundir com PT, PSB”, afirmou. Mas para o PCdoB não existe a menor possibilidade de fusão com outros partidos. “Isso seria renunciar à nossa ideologia, à nossa história, ao nosso partido”, garantiu. “Esse é o tipo de luta da qual os comunistas gostam”. E, nesse sentido, já há uma série de providências que o PCdoB vem tomando, juntamente com outros partidos que também querem manter sua identidade própria e não aceitam nenhuma fusão (o PV, o PRB e o PSOL). A ação contra a cláusula de barreira vai desdobrar-se em três frentes – na Câmara dos Deputados, no Supremo Tribunal Federal e junto à opinião pública.
As medidas a serem tomadas na Câmara ainda estão sendo definidas. Em relação ao STF, o PCdoB e os outros três partidos já tiveram uma reunião com o ministro Marco Aurélio Mello, relator das Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADINs) que tramitam naquela corte. Os partidos entregaram a ele um memorial com argumentos que fundamentam a argüição de inconstitucionalidade, e pediram urgência no julgamento da questão, que se arrasta desde 1995.



Finalmente, entre as ações visando a esclarecer a opinião pública a respeito do caráter antidemocrático da cláusula de barreira, está marcado um ato na Câmara dos Deputados, no dia 29 de novembro, com presença de personalidades em defesa de uma reforma política democrática e que garanta pluralidade partidária.



Por José Carlos Ruy