Hoje na Presidência, PCdoB ficou décadas na ilegalidade

Ao ocupar a presidência da República por 24 horas, o presidente da Câmara, deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP), apenas cumpre uma exigência burocrática e, como político responsável que é, o fará de forma discreta. Mas, ainda que o conceito de ''democracia bur

por Cláudio Gonzalez


 


O presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), assumiu, às 17h30 deste domingo (12), o cargo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva. A transmissão ocorreu no Aeroporto de Congonhas, na Zona Sul de São Paulo. É a primeira vez que um comunista assume o posto.


 


''Esse fato é uma expressão do amadurecimento da vida democrática no Brasil'', disse Rebelo. ''Mesmo que seja só uma formalidade constitucional, mostra ao mundo o dinamismo e a mobilidade exemplares que nossa democracia proporciona.''


 


Ele disse que Lula, ao transmitir o cargo, apenas o desejou ''boa sorte''. ''Eu sei que a responsabilidade tem uma dimensão muito importante, resultado da vida democrática madura que o nosso país vai alcançando, do ambiente de respeito e de tolerância'', complementou.


 


Agenda normal


 


No próximo dia 30, Aldo ocupará outra vez o Planalto já que Lula viajará para a África e a licença de Alencar se estenderá até dia 7 de dezembro.


 


Aldo faz questão que suas horas presidenciais sejam marcadas pela discrição. Não ocupará a cadeira de Lula e vai despachar na sala ao lado do gabinete presidencial. Ele manteve a agenda de presidente da Câmara, marcada para hoje: faz uma palestra na Fundação Mário Covas, em São Paulo.


 



Depois disso, às 15 horas, segue para Brasília e vai direto para o Planalto. O único compromisso oficial é a entrega da medalha do mérito desportivo para o maratonista brasileiro Marilson Gomes dos Santos, que ganhou a maratona de Nova York no último domingo. Mas Rebelo estará aberto a visita de colegas.


 


Representação


 



No gabinete pessoal, Rebelo tem retratos dos comunistas Vladimir Lenin, Josef Stalin, Ho-Chi-Min e Mao Tse-tung. Para a sala de presidente da Câmara, levou bustos de outros ídolos políticos: Simon Bolívar e Abraham Lincoln.


 


Ao assumir o comando do país, Aldo Rebelo leva consigo, simbolicamente, milhares de militantes comunistas que durante mais de oito décadas lutaram pelo direito de participar ativa e livremente da vida vida institucional do país.


 


Trajetória


 


O PCdoB passou a maior parte de seus 84 anos de existência na ilegalidade. Atualmente, vive seu maior período de vida institucional ininterrupta. O Partido, fundado em 1922 sob a sigla PCB e reorganizado em 1962, quando adotou a atual sigla PCdoB, foi finalmente legalizado em 23 de maio de 1985, durante o processo de redemocratização conduzido pelo governo José Sarney. Já em 1986, elegeu seis deputados constituintes, sendo que três deles ainda sob a legenda do PMDB, que acolheu os candidatos comunistas quando o Partido ainda sofria as restrições da ditadura.


 


Quem quiser contar a história do povo brasileiro e de seus heróis tem que falar do Partido Comunista do Brasil – esta opinião registra o papel que desempenhou na luta pela soberania e da independência nacional, pelo socialismo, pela democracia e direitos do povo desde sua fundação.


 


Neste período de pouco mais de 20 anos de legalização, o PCdoB teve condições de organizar os setores avançados do povo, aumentar sua influência no movimento social e de trabalhadores, distinguindo-se nas frentes sindical e operária, estudantil, de mulheres, negros, nas organizações de moradores e intelectuais. Seu papel cresceu nestes anos em que o partido passou da clandestinidade e hoje ocupa novos espaços e enfrentando novos desafios.


 


Pela primeira vez na história, no governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva o PCdoB está no centro do núcleo principal de direção do país, com a participação de importantes dirigentes, como o próprio deputado Aldo Rebelo e o ministro do Esporte, Orlando Silva. Isso além de inúmeros outros dirigentes comunistas ocupando funções de destaque em outros ministérios, como por exemplo nas pastas da Cultura, da Ciência e Tecnologia, das Cidades, etc. Tem também um vice-governador, no estado do Piauí; um senador exercendo a função e outro que assumirá o posto a partir de 2007; doze prefeitos, destacando-se entre eles a prefeitura da cidade pernambucana de Olinda, dirigida por Luciana Santos desde 2001. Isso além da expressiva bancada federal do Partido, atualmente com 12 deputados, de cerca de duas dezenas de deputados estaduais e de quase trezentos vereadores.


 


Hoje, o Partido está organizado em quase 1.400 municípios e nos 27 Estados da federação; em seu último Congresso, realizado em 2005, reuniu cerca de 70 mil militantes nas conferências preparatórias realizadas pelo país afora.


 


Cláusula de barreira


 


Nas últimas eleições de outubro, disputou também o governo do estado do Tocantins e teve candidaturas a vice-governador em estados como o Rio Grande do Sul e São Paulo. Alcançou um conjunto de votos expressivo, que indica a influência do Partido na sociedade e a adesão a seu programa e suas propostas.


 



Foram 1,98 milhões de votos para a Câmara dos Deputados (2,13% do total nacional), elegendo 13 deputados; para o Senado, teve 6,4 milhões de votos (7,5% do total), elegendo um senador. São milhões de eleitores ameaçados de ter uma representação truncada e de segunda categoria se o Partido não tiver seu funcionamento parlamentar normal, afastado dele pela exigência anticonstitucional e anti-democrática da legislação em vigor.


 


''A idéia generosa da busca de justiça e igualdade de direitos é universal e não desapareceu'', disse Aldo à Reuters, explicando a sobrevivência de um partido que se considera herdeiro do pensamento revolucionário de Karl Marx.


 



Para Renato Rabelo, presidente nacional do PCdoB, a chamada “cláusula de barreira” é uma invenção dos adversários da democracia. “Eles querem excluir do Congresso justamente o partido que deu heróis e mártires na luta pela democracia e que contribui com seus melhores quadros para conquistá-la e consolidá-la. Entre eles o deputado Aldo Rebelo, presidente da Câmara dos Deputados neste momento de grandes exigências para os rumos democráticos do país”, afirma Rebelo.


 



Contra esse ataque, o PCdoB está mobilizando seus dirigentes e militantes, e buscando sensibilizar lideranças políticas de outros partidos, além de ingressar nas instâncias jurídicas para barrar as restrições impostas pela legislação.


 


“Ao longo de sua longa história o PCdoB jamais baixou sua bandeira e jamais deixou de enfrentar os problemas principais colocados por cada época. O desafio da época atual é, para os comunistas brasileiros, despertar as forças avançadas do país para a consciência da necessidade da retomada de um ciclo de forte desenvolvimento, voltado principalmente para a produção e a valorização do trabalho em consonância com os novos rumos de resistência ao neoliberalismo e ao imperialismo que a América Latina vem tomando nos últimos tempos. E o PCdoB não vai recuar perante ele”, afirmou Rabelo em um dos seus recentes artigos.


 


Na última reunião da Comissão Política nacional do PCdob, Rabelo aprofundou a necessidade de se lutar contra a cláusula de barreira. Segundo ele, entramos em uma nova fase da luta, mais complexa, em defesa da existência do PCdoB e de sua legalidade. ''Estamos diante de uma grande batalha, e o Partido precisa compreender isso'', disse.


 



Veja abaixo uma breve cronologia histórica do PCdoB:




1922 – março: fundação do PCdoB (dia 25).
 1923 – junho – a polícia carioca confisca a imprensa e os arquivos do partido
 1924 – janeiro – organização da Juventude Comunista
 1925 – maio – II Congresso do partido
 1º de maio – lançamento do jornal A Classe Operária
 1926 – abril – Sob o pseudônimo de Fritz Mayer, Otávio Brandão publica o livro Agrarismo e industrialismo, que teve grande influência na política do PCdoB
 1927 – Coluna Prestes chega à Bolívia com 620 sobreviventes; outros 65 revolucionários seguem com Siqueira Campos para o Paraguai. Termina ali a marcha revolucionária tenentista iniciada em 1925.
 Azevedo Lima é eleito deputado federal pelo Bloco Operário, com apoio do Partido.
 1928 – O bloco Operário passa a ser o Bloco Operário e Camponês; elege Otávio Brandão e Minervino de Oliveira para a Câmara dos Vereadores do Rio de Janeiro
 1929 – dezembro – III Congresso do partido
 julho – primeiras tentativas de atrair Luís Carlos Prestes e outros líderes tenentistas para o Partido Comunista do Brasil.
 1930 – março – Júlio Prestes vence Getúlio Vargas na eleição presidencial; o BOC havia lançado a candidatura de Minervino de Oliveira para a presidência da República
 1931 – março – Em “Carta Aberta”, Prestes se declara comunista
 1934 – I Conferência Nacional do Partido Comunista do Brasil.
 1935 – março – fundação da ANL; em julho, ela é posta na ilegalidade; em novembro, ocorre o levante da ANL.
 1936 – março – Prestes é condenado à prisão
 1937 – dezembro – as ditadura do Estado Novo extingue os partidos políticos.
 1943 – agosto – II Conferência Nacional do Partido Comunista do Brasil, a Conferência da Mantiqueira
 1945 – abril – anistia aos presos políticos; Prestes é solto.
 novembro – o Partido Comunista do Brasil é registrado oficialmente no TSE
 dezembro – eleição presidencial e legislativa; o candidato comunista à presidência, Yedo Fiúza, obtém 10% dos votos; o Partido elege um senador (Luiz Carlos Prestes) e 14 deputados para a Assembléia Constituinte, entre eles João Amazonas, Maurício Grabois e Carlos Marighela.
 1946 – julho – III Conferência Nacional.
 1947 – janeiro – eleições estaduais e suplementares para o Congresso. O partido fica em quarto lugar; elege mais 2 deputados federais (por outra legenda), 46 deputados estaduais e 18 vereadores no Rio de Janeiro, tornando-se a maior bancada na Câmara do Distrito Federal
 maio – O TSE cassa o registro do Partido Comunista do Brasil.
 1948 – janeiro – cassação do mandato dos parlamentares comunistas
 1954 – novembro – IV Congresso do partido
 1956 – fevereiro – XX Congresso do PCUS; Nikita Kruschev faz graves a Stálin; tem início uma inflexão revisionista no movimento comunista influenciado pela União Soviética; na direção do Partido Comunista do Brasil definem-se duas linhas, uma influenciada pelo PCUS e outra, revolucionária, liderada por João Amazonas, Pedro Pomar, Maurício Grabois e outros.
 1958 – março – O Comitê Central publica a Declaração de Março, que prega a coexistência pacífica; aos poucos, os dirigentes que não concordam com a nova política vão sendo afastados de seus cargos na cúpula partidária.
 1960 – agosto – V Congresso ratifica as teses da declaração de março de 1958.
 1961 – setembro – Conferência Nacional aprova um novo programa e adota novo nome, Partido Comunista Brasileiro (PCB); muitos militantes e dirigentes enviam à direção uma carta protestando contra a mudança, assinada por 100 comunistas, conhecida como Carta dos 100.
 1962 – janeiro – A direção do PCB não aceita o protesto e expulsa os dirigentes que haviam discordado das mudanças feitas em 1961 (Amazonas, Grabois, Pomar e outros).
 1962 – fevereiro – Conferência Extraordinária, convocada pelos revolucionários expulsos em janeiro, reorganiza o Partido e relança o jornal A Classe Operária (dia 18).
 1967 – Início da implantação da Guerrilha do Araguaia.
 1972 – Ataques do exército ao núcleo guerrilheiro do Araguaia
 1973 – incorporação da organização revolucionária Ação Popular Marxista Leninista ao PCdoB.
 1976 – dezembro – Chacina da Lapa. O 2º Exército fuzila dentro de casa Pedro Pomar e Ângelo Arroio, e mata na prisão Batista Drumond, dirigentes do PCdoB (dia 12).
 1978 – VII Conferência Nacional do PCdoB reorganiza a direção nacional do Parrtido e debate a conjuntura nacional
 1979 – É aprovada a Lei de Anistia; os dirigentes que estavam exilados voltam ao Brasil, entre eles João Amazonas
 outubro – Lançamento do jornal Tribuna da Luta Operária (dia 18).
 1982 – 1983 – 6º Congresso do PCdoB, o último realizado na clandestinidade.
 1984 – Nasce a UJS (União da Juventude Socialista), política e ideologicamente identificada com o PCdoB. Aldo Rebelo foi seu 1º dirigente.
 1985 – Conquista da Legalidade. Oito meses após a Campanha das Diretas, a eleição de Tancredo põe fim à ditadura. O PCdoB é um dos artífices da candidatura Tancredo. Como fruto da democratização, volta à legalidade após 38 anos, ao obter seu registro no TSE. Na eleição de 1986, elege 5 constituintes.
 1988 – Criação da União Brasileira de Mulheres (UBM) e da União dos Negros pela Igualdade
 1989 – Eleição para presidente. Lula, com apoio decisivo do PCdoB, passa para o 2º turno (contra Collor) e obtém 47% dos votos válidos. A esquerda afirma-se como alternativa no Brasil. A aliança PT-PCdoB se repetirá nas eleições presidenciais de 1994-98, e, em vários casos, nos âmbitos estadual e municipal.
 1992 – “O Socialismo Vive!” Este é o lema do 8º Congresso do Partido, logo após o colapso final da experiência socialista soviética.
 “Fora Collor!” – PCdoB é o primeiro partido a defender o afastamento de Fernando Collor da Presidência e a convocar o povo para ir às ruas
 1995 – O Programa Socialista é aprovado na 8ª conferência do PCdoB, em Brasília
 1999 – Marcha dos 100 mil pelo Brasil, liderada por partidos de esquerda, entre eles o PCdoB, e entidades populares.
 2000 – outubro – Luciana Santos é eleita a primeira prefeita comunista em Olinda (PE)
 2002 – março – inauguração do portal de notícias do PCdoB: o Vermelho (dia 25).
 outubro – com uma aliança ampla, mais uma vez com a participação do PCdoB, Luiz Inácio Lula da Silva é eleito o primeiro presidente da República de esquerda no Brasil, com mais de 60% dos votos
 2003 – janeiro: O então deputado federal Agnelo Queiroz (PCdoB/DF) é nomeado ministro do Esporte. É a primeira vez que um comunista assume um ministério no governo federal.
 2004 – janeiro: Aldo Rebelo (PCdoB/SP) é nomeado ministro da Coordenação Política
 outubro: PCdoB tem um de seus melhores desempenhos nas eleições e hoje conta com 12 prefeitos e 291 vereadores; Luciana Santos é reeleita prefeita de Olinda
 2005 – setembro: Aldo Rebelo é eleito o novo presidente da Câmara dos Deputados
 outubro: o PCdoB realiza o 11º Congresso, o maior de sua história. Ao longo do processo, foram envolvidos 70 mil militantes e a sessão final do Congresso em Brasília teve 1067 delegados, além da presença de 45 delegações estrangeiras, com 56 delegados. O Congresso aprovou um novo Estatuto para o Partido.
 – O senador Leomar Quintanilha, de Tocantins, filia-se ao PCdoB; é o primeiro do partido no período recente de nossa história
2006 – O PCdoB, junto com o PRB, formaliza pela quarta-vez consecutiva aliança formal com o PT para eleição presidencial tendo o metalúrgico Luiz Inácio Lula da Silva como candidato à presidência, desta vez disputando a reeleição.


– Nas eleições de outubro, o PCdoB consegue eleger 13 deputados federais e um senador (Inácio Arruda). Foi a primeira vez que o partido elegeu um senador desde a eleição de Prestes em 1947. Apear do bom desempenho, o partido não supera a draconiana cláusula de barreira e inicia uma ampla campanha contra as restrições antidemocráticas desta norma da legislação eleitoral que, na avaliação do Partido, é inconstitucional.


– O deputado federal e presidente da Câmara dos Deputados, Aldo Rebelo (PCdoB-SP), assume interinamente a presidência da República por um período de 24 horas.