Organizações pró-Chávez debatem criação de um partido único

As organizações populares venezuelanas que apoiaram o presidente Hugo Chávez em sua reeleição de 3 de dezembro passado mostram suas concordâncias e discrepâncias com o projeto do partido único e o modelo de socialismo do século 21 proposto pelo líder boli

O bairro 23 de Janeiro de Caracas é tido como o maior bastão popular do governo. Dada sua proximidade com o Palácio de Miraflores, alguns vizinhos o definem como “verdadeira guarda presidencial” desde abril de 2002. Foi o mês em que uma multidão se mobilizou para restituir Chávez em seu cargo – do qual havia sido tomado por um fracassado golpe.


 


Depois de trabalhar na campanha eleitoral, vários líderes locais começaram a debater sobre o Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV) proposto pelo presidente. “O partido único é o que nos faz falta para fazer uma contra-revolução”, diz Victor Parra, suboficial do exército e coordenador da reserva armada do bairro. “Não podemos defender o que foi feito se estamos a todo o momento envolvidos em discussões.”


 


Para o dia 23 de janeiro próximo, Parra está organizando uma parada militar “com muita música”. De acordo com o militar, “vamos recordar quando este bairro se levantou contra o ditador (Marcos) Perez Jiménez, em 23 de janeiro de 1958. Nós sempre colocamos os mortos”.


 


Ele citou os mil manifestantes que tombaram no Carachazo – revolta contra o governo do presidente Carlos Andrés Perez, 27 de fevereiro de 1989. “Agorinha estamos bem preparados e bem armados para defender nosso presidente com a vida”, acrescentou Parra. “Apóio Chávez até nos defeitos, porque o homem pode cometer erros. Porém, é necessário dar estímulos estar sempre com ele”.


 


O povo na vanguarda
Diego Santana tem algumas diferenças com seu vizinho Parra sobre a lealdade ao presidente. “Nós estamos com o presidente – ele é o verdadeiro condutor da revolução”, anuncia. “Más, se por alguma razão mudarem suas idéias, nós vamos dizer que se equivocou. Para nós o comandante é o povo, e Chávez seria do subcomandante”.


 


Em entrevista na praça vizinha La Piedrita, dentro do mesmo 23 de Janeiro, Santana, conta que é “quem mais murais fez nesta comunidade”. Assinala também uma pintura em que, junto ao rosto de Che Guevara e um fuzil russo, Kalashnikov, lê-se a inscrição “Combateremos, pátria ou morte”.


 


Os moradores de La Piedrita se concentram em um grupo que, com alguma freqüência, debate os temas cotidianos – e “de organização política com os companheiros de outras paróquias do 23 (de janeiro)“.


 


“A nós, parece que discutir em um mesmo momento a criação de um partido único e o socialismo é algo perigoso”, declara Diego Santana. “Melhor seria que o socialismo que queremos fosse discutido sem que todos estivessem dentro do mesmo saco desse partido que o presidente propôs.”


 


O muralista comentou que a existência de muitos “aproveitadores da revolução” pertencem ao mesmo “poço” do Partido V República – a agrupação majoritária do movimento de Chávez. Assim, para ele, “existem muitos desses que não querem o socialismo, querem ficar ricos”.


 


Simpatia ao bolivarianismo
Na medida em se percorre pelo bairro 23 de Janeiro, as ruas ficam mais estreitas. Ou até mesmo se transformam em corredores de menos de dois metros, junto aos quais  se levantam milhares de moradias precárias.


 


As pessoas consultadas concordam que existem muitos problemas a serem solucinados, como a coleta de resíduos. Mas, como diz a senhora Eva Santana, de 78 anos, não ocultam suas simpatias pelo governo e “a ajuda que nos trouxe”.


 


Eva vivia “em um rancho que nem cozinha tinha, e as pessoas da região vieram e nos construíram esta casinha”, de três quartos compartilhados entre cinco familiares. “Nosso presidente é um escolhido de Deus. Ele me deu essas lentes e os remédios que eu nem poderia comprar.”


 


Juan Contreras, diretor da rádio comunitária Elo Son del 23 (na tradução literal, O Som do 23) entende que a comunidade recebeu “muita ajuda do governo”. E agrega: “Esta etapa que se abre é a que devemos dizer ao presidente que queremos o socialismo claro. Um socialismo sem chamá-lo do século 21. O que faz falta agora é enfrentar o capital financeiro e as oligarquias que ainda não foram tocadas.”