Le Monde: Os difíceis primeiros passos de Ban Ki-moon na ONU
Ao longo de apenas dois dias no exercício da sua função, o novo secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, provocou uma controvérsia mundial em torno da questão da pena de morte; teve de enfrentar acusações de estupros de crianças envolvendo soldados das força
Publicado 05/01/2007 10:13
Além do mais, Ban Ki-moon, encarregado de uma função que foi descrita por um dos seus predecessores como “a mais impossível do mundo”, também fez questão de informar aos jornalistas que o seu nome, Ki-moon, se pronuncia “Gui-mun”.
O primeiro “tropeço” do diplomata sul-coreano, segundo avaliam vários observadores, foi de não ter lembrado a oposição tradicional da ONU à pena de morte quando um jornalista lhe pediu, na terça-feira, 2 de janeiro, para fazer uma análise da execução do antigo presidente iraquiano Saddam Hussein. Na ocasião, Ban Ki-moon, que atuou por muitos anos como ministro das relações exteriores da Coréia do Sul, onde a pena de morte é legal, antes de suceder a Kofi Annan, limitou-se a dizer que cabia “a cada um dos Estados pronunciar-se a respeito da pena capital”.
A organização de defesa dos direitos humanos Anistia Internacional denunciou imediatamente um “retrocesso” em relação à oposição clara de Kofi Annan à pena de morte, enquanto o chefe da diplomacia norueguesa, Jonas Gahr, declarou que o seu país considera “importante que a ONU estabeleça normas”. A Itália, apoiada pela França, comprometeu-se a promover na Assembléia Geral da ONU a adoção de uma lei universal destinada a proibir a pena capital.
“A opinião de Ban Ki-moon é de que nós teremos de trabalhar para instituir a abolição da pena de morte, mas que isso deve ser um processo demorado”, corrigiu, na quarta-feira (4), a nova porta-voz da ONU, Michèle Montas. Em suas declarações iniciais, o novo secretário-geral simplesmente tomou nota, explicou a porta-voz, da ausência de um consenso internacional sobre a questão (68 países conservam a pena de morte).
“Tolerância zero”
Contudo, Ban Ki-moon enfatizou o seu “firme” apreço pelo artigo 3 da Declaração universal dos direitos humanos, que proclama o direito à vida. Ele também “apoiou plenamente” a alta-comissária da ONU para os direitos humanos, Louise Arbour, que fez um apelo, na quarta-feira, às autoridades iraquianas para que estas não executem os dois co-acusados de Saddam Hussein, Barzan Al-Tikriti e Awad Al-Bandar, condenados no final de um processo do qual ela questionou a plena equidade.
Por sua vez, o relator especial da ONU sobre os assuntos envolvendo as execuções extrajudiciárias, sumárias ou arbitrárias, Philip Alston, estimou na quarta-feira que o caráter “humilhante” da execução de Saddam Hussein, que foi filmado e insultado pelos seus carrascos, constituiu uma “flagrante violação dos direitos humanos” e do “direito de todo indivíduo a não ser submetido a um tratamento cruel, desumano ou degradante”.
Ban Ki-moon, que está buscando convencer o governo sudanês a aceitar uma intervenção de “capacetes azuis” (soldados das forças de paz) no Darfur – uma das suas prioridades -, também foi obrigado a reagir, na quarta-feira, a uma reportagem publicada pelo diário britânico “Daily Telegraph”, segundo a qual funcionários que atuam a serviço das Nações Unidas vêm abusando sexualmente de crianças no sul do Sudão, para onde eles foram enviados em missões.
A ONU prometeu realizar um inquérito “aprofundado” para determinar se esses fatos são antigos, e se eles já são objetos de uma investigação, ou se eles são novidade. A central interna de investigações da ONU dispõe de um escritório no Sudão onde, no decorrer do ano passado, ela obteve a demissão de quatro “capacetes azuis”. O novo secretário-geral da ONU afirmou que ele daria continuidade a uma política de “tolerância zero” neste campo, assim como fez o seu predecessor.
Além do mais, segundo admitiu um dos seus assessores imediatos, o novo secretário-geral da ONU vem sendo “alvo de muitas pressões” por parte das grandes potências, que estão se dedicando a um “jogo das cadeiras musicais” para conservar os postos-chave da ONU. Ban Ki-moon anunciou, na quarta-feira, a nomeação para dirigir a comissão para assuntos humanitários do embaixador do Reino Unidos na França, John Holmes, que era inicialmente cotado para a direção dos assuntos políticos.
Este último cargo poderia, segundo fontes diplomáticas, ser atribuído aos Estados Unidos, que perderam a direção do departamento da gestão, o qual passou a ser dirigido pela mexicana Alicia Barcena, uma antiga chefa de gabinete de Kofi Annan. Por sua vez, a diplomacia francesa afirma que Jean-Marie Guéhenno deveria conservar a direção do departamento das operações de manutenção da paz, mas aguarda a decisão final de Ban Ki-moon.