Alckmin vendeu obra da cratera com “porteira fechada”

O contrato da obra da linha 4 do Metrô de São Paulo, onde se abriu uma cratera no dia 12,  foi feito no sistema de “porteira fechada”. Isso significa que o consórcio contratado recebeu o pagamento para entregar o “pacote” de obras num prazo estipu

“Eu acho que o prejuízo é muito grande. O exemplo dessa linha 4 é esse. É a primeira obra que é contratada dessa forma e é a obra que temos o maior número de acidentes”, disse Fajardo.
 
Ele lembrou que em dois anos essa obra já registrou 11 acidentes (com esse que ocorreu na última sexta-feira, dia 12), a morte de um operário, rachaduras em diversas casas.
 
Segundo Fajardo, o contrato com “porteira fechada” é ruim porque o consórcio contratado passa a ter toda a responsabilidade pela obra e não tem acompanhamento de técnicos do poder público. “Isso joga fora toda a experiência do Metrô nesse tipo de obra”, disse Fajardo.
 
Ele explicou também que, como é o responsável total pela obra, o consórcio contratado repassa se quiser para o poder público reclamações de moradores e possíveis problemas que aconteçam na obra.
 
Fajardo disse que os metroviários não puderam tentar impedir esse tipo de contrato, com “porteira fechada”, porque o governo do Estado alegou que era uma condição dos financiadores da obra. Fajardo disse também que quanto mais rápido a obra terminar é melhor para o consórcio que ganha o mesmo valor que ganharia por uma obra em um tempo maior.
 
Neste tipo de contrato, o governo do Estado contrata a obra e a responsabilidade por tudo o que acontece na obra, do início ao final, é do consórcio contratado. Fajardo disse que o consórcio só pode reajustar preços se houver mudanças no projeto.
 
O presidente da Federação Nacional dos Metroviários lembrou ainda que o contrato dessa obra prevê a exploração da linha 4 do Metrô por um consórcio de empresas privadas. Um grupo de empreiteiras, inclusive a Odebrecht, e a administradora do Metrô de Buenos Aires vão ter o direito de explorar a linha 4 do Metrô de São Paulo durante 30 anos.
 
Esse consórcio, segundo Fajardo, tem a garantia de tarifas. Ele disse que, por contrato, o consórcio tem também a garantia de um número mínimo de passageiros. Se não houver esse número de passageiros, o governo do Estado tem que fazer um complemento financeiro.
 
A privatização da linha 4 do Metrô gerou uma greve dos metroviários em agosto de 2006. Os metroviários já entregaram um relatório sobre o contrato para o governador Cláudio Lembo, que ficou de repassar o documento ao governador José Serra.
 
Leia a íntegra da entrevista com Wagner Fajardo:
 
Paulo Henrique Amorim: Senhor Wagner, a primeira pergunta que eu queria fazer é a seguinte: qual é o tipo de contrato que rege a obra fa linha 4 do Metrô de São Paulo?
 
Wagner Fajardo: A obra da linha 4 do Metrô funciona por uma contratação em que você contrata o pacote pronto, vamos dizer assim. O Metrô faz um pedido, “olha, nós queremos esta estação, queremos esta linha” e, portanto, o consórcio ganhador vai ter que entregar esta obra finalizada e pronta diferente dos períodos anteriores.
 
Paulo Henrique Amorim: Antes, vamos só definir o que é o pacote pronto. É o que os americanos chamam do turn key.
 
Wagner Fajardo: Turn key, exatamente.
 
Paulo Henrique Amorim: Turn key, ou seja, porteira fechada.
 
Wagner Fajardo: Porteira fechada. Você contrata a obra e a responsabilidade por tudo o que acontece do inicio da obra até a entrega do produto final é de responsabilidade do empreiteiro.
 
Paulo Henrique Amorim: Então, é o seguinte: ele recebe uma encomenda, ele tem que entregar aquela encomenda naquele prazo, por aquele valor.
 
Wagner Fajardo: Exatamente.
 
Paulo Henrique Amorim: Não pode reajustar preço.
 
Wagner Fajardo: Teoricamente, não. Desde que não tenha nenhum motivo que o contratante resolva mudar uma estação. Aí, qualquer alteração que tenha no processo você tem um reajuste por conta das alterações que eventualmente você teve que fazer.
 
Paulo Henrique Amorim: Na sua opinião, quais são as vantagens e as desvantagens desse sistema da porteira fechada?
 
Wagner Fajardo: Eu acho que do ponto de vista técnico, a única vantagem que você teria é a econômica porque você não teria custos adicionais no decorrer da obra, agora, do ponto de vista técnico, o prejuízo é muito grande.
 
Paulo Henrique Amorim: Por quê?
 
Wagner Fajardo: O exemplo dessa linha 4 infelizmente é esse: é a primeira obra do metro que é contratada dessa forma e é a obra que temos o maior número de acidentes, embora a gente não tenha um dado comparativo com as obras anteriores de pronto, mas é assustador o fato de agente já ter a morte de um operário registrado, de várias casas que foram… então, são 11 acidentes que a gente tem aqui, acidentes graves que ocorreram…
 
Paulo Henrique Amorim: Em dois anos
 
Wagner Fajardo: Em torno de dois anos que ela começou
  
Paulo Henrique Amorim: E foi assinada pelo governo Alckmin?
 
Wagner Fajardo: Foi assinada pelo governo Alckmin
 
Paulo Henrique Amorim: Os metroviários tentaram impedir que fosse feito esse tipo de contrato?
 
Wagner Fajardo: Nós não tentamos impedir porque esse era um contrato que tinha a ver inclusive com o modelo de financiamento, mas parece que tinha inclusive a ver com o processo…
 
Paulo Henrique Amorim: Quem financiou a obra?
 
Wagner Fajardo: Foi o JBic, que é aquele consórcio de banco japonês que fez o financiamento dessa obra.
 
Paulo Henrique Amorim: E os banqueiros exigiram que assim fosse…
 
Wagner Fajardo: Exato. Parece que tanto o Banco Mundial como o JBic, na obra do Metrô pelo Brasil a fora ele têm colocado esse condicionante. Não sei se chega a ser um condicionante ou se é uma opção, mas objetivamente aqui no caso do Metrô de São Paulo foi utilizado esse argumento para fazer esse tipo de contratação. Na nossa opinião..
 
Paulo Henrique Amorim: Só uma outra perguntinha antes de a gente seguir. Quando há, por exemplo, uma reclamação, um morador chega, como houve ali na rua Capri, o morador chega e diz assim: “Olha, a minha casa está cheia de rachadura” e manda uma carta para o consórcio. Se o consórcio quiser, manda essa carta para o Metrô. Se não quiser, não manda, né?
 
Wagner Fajardo: Na realidade ele não teria que mandar para o Metrô porque a responsabilidade da rachadura da casa é dele.
 
Paulo Henrique Amorim: Então ele não tem que avisar nada a autoridade pública…
 
Wagner Fajardo: Teoricamente não porque a autoridade pública deu a concessão para ele fazer aquela obra e assumir todos os riscos. Mas sabemos que na prática isso não acontece. A responsabilidade de quem está pagando o preço não só político, mas técnico e inclusive do ponto de vista até da comunidade… a comunidade, se tiver que processar alguém ela pode processar o Consórcio Linha Amarela, mas ela vai processar também o governo do Estado e a companhia do Metrô porque são os contratantes, eles são responsáveis solidários nesse processo porque foram eles que colocaram o Consórcio Linha Amarela para fazer a obra. Então, na realidade, desse ponto de vista, nós achamos o seguinte: a necessidade de um acompanhamento técnico, de uma fiscalização mais profunda do metrô, como sempre ocorreu nas obras do Metrô, uma das obras mais seguras que tinha no Brasil porque as regras internas que o Metrô estipulava eram muito maiores, do ponto de vista da segurança, do que as exigidas pela legislação. Além da legislação nós tínhamos notas técnicas e normas técnicas que as empreiteiras tinham que cumprir e que hoje não tem mais.
 
Paulo Henrique Amorim: Outra pergunta: dentro desse sistema da porteira fechada, quanto mais rápida for a obra, mais negócio para o empreiteiro, né?
 
Wagner Fajardo: Com certeza. Porque com o consórcio fechado, quanto menos tempo ele levar para entregar a obra e quanto menos ele gastar na obra, mais lucro ele tem porque ele vai receber o dinheiro dele, que está garantir.
 
Paulo Henrique Amorim: Ele ganha mais dinheiro se andar mais rápido?
 
Wagner Fajardo: Ele ganha mais dinheiro se andar mais rápido. Na minha opinião, sim.
 
Paulo Henrique Amorim: Como era feito antes?                
 
Wagner Fajardo: Antes era o seguinte: nós fazíamos a contratação. Nós tínhamos um projeto que era todo desenhado e todo feito dentro do Metrô…
 
Paulo Henrique Amorim: O senhor trabalha no Metrô de São Paulo?
 
Wagner Fajardo: Trabalho. Nós fazíamos esse projeto todo dentro do Metrô. Todas as especificações técnicas dentro do Metrô. Até o azulejo que ia na parede era especificado dentro do Metrô. Esta especificação era entregue: “Olha, aqui nós estamos contratando uma obra para você fazer isto e deste jeito”. Aí a empreiteira tinha que ir lá e fazer o que nós queríamos que fizesse, da forma como nós queríamos que fizesse. E qualquer alteração, qualquer problema que a empreiteira tivesse ela teria que, antes de fazer alguma coisa, comunicar o Metrô. A responsabilidade pela obra era do corpo técnico do Metrô, que tinha uma equipe grande de profissionais, técnicos, engenheiros, arquitetos etc que acompanhavam pari passo tudo o que acontecia na obra. Se o funcionário da obra não estava usando equipamento de proteção individual o técnico do Metrô fazia um relatório e obrigava a empresa a cumprir essa regra que tinha no contrato senão ela seria multada caso não cumprisse a norma.
 
Paulo Henrique Amorim: Qual foi a experiência das outras linhas construídas com esse sistema: as obras atrasaram? Houve reajuste?
 
Wagner Fajardo: Eu acho que teve. Mas atrasos você sempre tem porque tem um problema de financiamento público. E nessa também você poderia ter. Por exemplo, o Metrõ de Fortaleza e de Salvador foram contratados pelo modelo turn key. Agora, as obras lá estão atrasadas há  mais de três anos e tudo indica que elas terão um atraso de quase 10 anos.
 
Paulo Henrique Amorim: Por quê?
 
Wagner Fajardo: Porque o governo federal e os governos estaduais que têm que liberar os recursos para as obras não libera. E aí, a empreiteira não pode continuar a trabalhar porque não tem dinheiro, não está cumprindo os prazos de pagamento. E lá no caso do Metrô de Fortaleza e Salvador, esses dois Metrôs, inclusive nós temos um problema porque a contratação que foi feita lá foi absurda, o turn key foi feito sem ter projeto básico, então foi mudado tudo depois. Então, ali tem mais problemas. Aqui em São Paulo pelo menos, quando foi feito o turn key, você teve o modelo, é isso aqui que o cara vai construir.
 
Paulo Henrique Amorim: Agora deixa eu perguntar outra coisa. O governador José Serra disse que vai rever todos os contratos da administração Alckmin. Você acha que ele tem condição de rever esse contrato?
 
Wagner Fajardo: Nós esperamos que sim, se depender de nós, vai ter o nosso apoio de rever esse contato porque nós achamos que isso jogou fora, está jogando fora – se não for revisto – joga fora a experiência técnica acumulada pelos profissionais no Metrô ao longo desses últimos 30 anos.  Nós achamos que o modelo que foi utilizado acaba fazendo com que os técnicos do metro… as áreas estão sendo desmontadas, as áreas de projeto como as áreas de construção civil e montagem. Eram áreas que eram robustas no Metrô porque acompanhavam a obra pari passo e hoje são muito fragilizadas. E inclusive uma delas já foi extinta, que é a área de montagem, que cuida da montagem dos equipamentos. Alem disso, nós esperamos que o governo Serra também reveja o contrato de concessão que já foi assinado, porque nós estamos questionando judicialmente, que é o contrato que, além de você ter o problema de responsabilização da obra, também o governo Alckmin assinou um contrato que entrega a estação do Metrô depois para a iniciativa privada. Então,
 
Paulo Henrique Amorim: O que significa isso, o que o Alckmin fez? Ele entrega a administração da estação como?
 
Wagner Fajardo: Ele entrega a administração ou concessão da linha 4, que é aquela inclusive que motivou a nossa greve de agosto, é a concessão que você entrega para a iniciativa privada, para um consórcio que contribuiu com 20 e poucos por cento no valor total da obra e ele vai explorar o Metrô por 30 anos, vai gerir todo o Metrô, vai ter tarifa garantida.
 
Paulo Henrique Amorim: E quem são esses concessionários?
 
Wagner Fajardo: É um consórcio que, da linha 4, que tem várias empreiteiras brasileiras. Tem uma empresa argentina, que é a que administra o Metrô de Buenos Aires, Então, as empreiteiras Andrade Gutierrez, CBPO, OAS
 
Paulo Henrique Amorim: E a Odebrecht…
 
Wagner Fajardo: E a Odebrecht. São parte do consórcio e que precisavam também de também de ter alguém com operação de Metrô, então também o Metrô de Buenos Aires acabou emprestando, a Metrovías acabou emprestando o nome também para esse consórcio que vai administrar por 30 anos. E está garantido tarifa, está garantido usuário, se não tiver usuários ele vai receber o número de usuário que o contrato garantiu. Então, estão previsto lá 900 mil usuários; se não tiver 900 mil usuários ele vai receber por 900 mil usuários. É uma coisa draconiana, nós já mandamos um relatório, entregamos para o governador Cláudio Lembo, que ficou de entregar ao governador José Serra e nós esperamos que realmente seja feita a revisão, no caso do Metrô, especificamente, que a gente tem mais conhecimento, que seja revisto tanto o contrato da obra como o da concessão da linha 4 porque isso vai trazer um prejuízo muito grande. O da obra já está trazendo um prejuízo inclusive com vidas. Acho que pela primeira vez nós tivemos tantas pessoas que não estavam envolvidas na obra que foram vitimadas com a vida e isso pra nós é muito triste. Nós lamentamos profundamente e não queremos que isso se repita.
 
Paulo Henrique Amorim: O cálculo hoje que se faz é que essa tragédia provoque um atraso de quanto tempo?
 
Wagner Fajardo: Ah, não temos ainda esta previsão O governador falou em coisa de seis meses, mas achamos que é pouco provável porque você vai ter que rever todo o método construtivo ali porque ele pode ser, ele está em dúvida. E mesmo a empreiteira dizendo…
 
Paulo Henrique Amorim: Que é a culpa da chuva!
 
Wagner Fajardo:… que é culpa da chuva
 
Paulo Henrique Amorim: Você já ouviu dizer alguma vez que a culpa é da chuva?
 
Wagner Fajardo: Paulo, até queria dizer para vocês que hoje de manhã nós recebemos um e-mail do geólogo Álvaro Rodrigues dos Santos…
 
Paulo Henrique Amorim: Qual o nome dele?
 
Wagner Fajardo: Álvaro Rodrigues dos Santos. Ele é ex-diretor de planejamento e gestão do IPT e ex-diretor da divisão de geologia, tem um currículo bastante notável aqui. Ele mandou um artigo para a gente, que eu posso até depois reproduzir pra você, que diz o seguinte: “Acidentes: deveria ser crime culpar a natureza”.
 
Paulo Henrique Amorim: Claro! Senão, nenhuma obra poderia ser feita no Trópico. No Trópico chove. Muito!
 
Wagner Fajardo: Não tem jeito! Uma cidade como São Paulo você tem que prever a chuva.
 
Paulo Henrique Amorim: A cidade de São Paulo é cortada pelo Trópico de Capricórnio. Como é que você vai impedir a chuva?
 
Wagner Fajardo: Então, é um artigo muito interessante.
 
Paulo Henrique Amorim: Eu vou querer publicar esse artigo.
 
Wagner Fajardo: Eu vou mandar pra você.
 
Paulo Henrique Amorim: Nós vamos entrar em contato com você já
 
Wagner Fajardo: Ta bom.
 
Paulo Henrique Amorim: Muito obrigado
 
Wagner Fajardo: Não por isso, Paulo. Abraço.  



* Tomado do site do Sindicato dos Metroviários de SP  (http://www.metroviarios-sp.org.br/); a entrevista esta em (http://conversa-afiada.ig.com.br/)