BC faz política de câmbio e juros desastrosa, diz Belluzzo

Por Sérgio Barroso


A favor do PAC (Programa de Aceleração do Crescimento) e contra a política do Banco Central. É assim que o economista e escritor Luiz Gonzaga Belluzzo, presidente institucional do Centro Celso Furtado e professor titular da U

Ao Vermelho, Belluzzo analisou as relações do PAC com um novo projeto de desenvolvimento para o País. Apesar das críticas raivosas que recebeu de amplos setores da mídia, o programa está em sintonia com um dos derradeiros escritos do paraibano Celso Furtado. Em Os Desafios da Nova Geração, de maio de 2004, Furtado apontava as alterações que o País deveria fazer, relativamente à sua política de industrialização e desenvolvimento.


 


Segundo o ilustre economista, o Brasil, estando num estágio bastante distinto dos anos 50, “deveria se voltar para a industrialização que lhe dê acesso às tecnologias de ponta”. Furtado concluía ali alertando aos cientistas sociais para a gravidade dos erros cometidos no passado – e conclamando que impedíssemos a adoção de “falsas políticas de desenvolvimento cujos benefícios se concentram nas mãos de poucos”.


 


Na opinião de Belluzzo, uma dessas falsas políticas vem sendo implantada pelo Banco Central (BC). O professor da Unicamp é duro crítico da gestão Henrique Meirelles. “O Banco Central executa uma política de câmbio e juros desastrosa e incompetente”, afirma Belluzzo. Confira sua entrevista.


 


Há 20 anos – ou seja, desde o Plano Cruzado -, não se fala sério sobre crescimento econômico no País. Aliás, comparar, como fazem alguns, o programa agora anunciado com o Avança Brasil, de Fernando Henrique Cardoso, parece-nos uma piada sem graça. Você não acha que a crítica antecipada ao PAC de Lula, por quase totalidade da mídia, revela uma aposta na decadência do Brasil – uma espécie de cruzada pelo autoflagemento nacional?
Já há algum tempo, formou-se no Brasil um pac-to contra o crescimento. Não há como negar que, nos últimos 25 anos, a economia brasileira foi açoitada por turbulências decorrentes de mudanças tectônicas na geografia global. Mas não há como escusar os erros crassos de política econômica cometidos no período.


 


Esses equívocos não são cometidos solitariamente por presidentes da República ou ministros da Fazenda. Decorrem de uma correlação de forças perversas, hoje comandada pelo rentismo e pela finança parasitária e incapaz de aproveitar o período de liquidez superabundante nos mercados financeiros globais. São os herdeiros do patrimonialismo agrário e do cosmopolitismo caipira.


 


A reação ao PAC mostra claramente como as forças se alinham em relação ao crescimento. Não vamos cair no conto de que a finança é necessariamente contra o crescimento rápido. Muito ao contrário: a experiência chinesa – para não falar da americana no final do século 19 – mostra que o crédito e o mercado de capitais, regulados adequadamente por um Banco Central realmente independente ou comandados por um Tesouro competente, podem promover uma forte aceleração do crescimento. (Os barões ladrões eram assustadoramente inclinados à aventura dos novos negócios sob o patrocínio de um Estado darwinista e plutocrático.)


 


Mas a forma e os métodos que ela assumiu no Brasil, sobretudo, depois da abertura da conta de capitais e da desregulamentação financeira, são um obstáculo ao crescimento. Poucos países ditos emergentes têm uma combinação câmbio-juros tão hostil ao crescimento e tão favorável às formas estéreis e socialmente perversas de arbitragem entre preços de ativos, especulação contra a moeda brasileira e outras inconveniências. Ademais, ela é desfavorável à atração de investimento direto estrangeiro – para não falar do risco cada vez mais próximo de uma regressão da estrutura industrial.


 


Problematizando a efetividade do investimento privado a partir do PAC, você usou aquela inteligente conversa do Garrincha com Feola sobre combinar antes com os russos. O fato é que a experiência histórica dos nossos ciclos de crescimento apresenta taxas muito elevadas de investimento público, seja no Plano de Metas (1956-61), na época do “milagre econômico” (1967-73) ou no II PND (1974-76). Além de induzir o privado, é ele quem “segura o tranco” na hora da desaceleração. Os recursos públicos para investimento no PAC – cerca de R$ 384 bilhões dos R$ 503,9 – são suficientes para garantir o crescimento de 5%, de 2008 a 2010?
No mundo inteiro, inclusive na maior nação capitalista do mundo, ninguém tem a desfaçatez de desarticular as relações entre investimento público e privado. Assim é nos Estados Unidos, sobretudo através do gasto militar – uma versão deformada da constituição das economias na segunda metade do século 20. Assim é na União Européia. A fiscalidade (as receitas e os gastos do Estado) e os mercados são um casal de briguentos. Estão sempre em desavença, mas inseparáveis.


 


No Brasil, o casamento conflituoso deu frutos no período desenvolvimentista, sobretudo mediante a atuação das empresas estatais. A recuperação de 1967/68 começou realmente depois das reformas fiscal, das finanças públicas, financeira e das tarifas das empresas estatais comandadas pela dupla Campos-Bulhões. Poucos se dão conta da importância das reformas relacionadas com a gestão da dívida pública para o avanço das reformas financeiras. O gasto público liderou a recuperação. Depois, o salto na demanda de duráveis escorado no crédito ao consumo – que funcionou como uma inovação financeira – ajudou a ocupar a capacidade ociosa criada pela estabilização do período 64-67. Só então recuperou-se, com vigor, o investimento privado


 


A estrutura geral do PAC sustenta sua estratégia em três grandes pilares: a) logística (infra-estrutura de transportes rodoviário, ferroviário, portuário e aeroportuário); b) sistema energético não-renovável e renovável (petróleo, hidrelétrica, biomassa e outras), compreendendo geração, transmissão e transporte; e c) infra-estrutura urbana e social (Programa Luz para Todos, saneamento, habitação e recursos hídricos). Não lhe parece um caminho acertado, especialmente por repor funções ativas do Estado na economia?
Não há dúvida. Os setores foram escolhidos com critério. As medidas não só buscam romper os gargalos criados ao longo das últimas décadas na infra-estrutura, como procuram alentar os setores com maior capacidade de gerar renda e emprego. O Brasil tem um superávit primário cuja contrapartida é um déficit na infra-estrutura. Essa é uma conta que os economistas não costumam fazer.


 


Façamos um balanço do primeiro mandato de Lula. De um lado, superávits nas transações correntes, recorde nas exportações, redução significativa do endividamento externo total, reservas internacionais superiores a US$ 85 bilhões; o desemprego caiu algo e a renda deixou de cair. De outra parte, até agora a anunciada política industrial de Lula (ênfase em semicondutores, fármacos, software e bens de capital) é algo próximo a zero. Quase nada foi feito para interrupção do processo de desindustrialização – questão que se agravou nos últimos três anos com a política de valorização cambial. Com a última decisão do Copom (Comitê de Política Monetária-BC), não se vislumbram alterações nas políticas monetária e cambial. Afinal, onde está mesmo o projeto de desenvolvimento?
Não estou dizendo que o governo deva mandar às favas o superávit primário. Mas não faz o menor sentido no mundo de hoje manter a política monetária tão apertada, com efeitos nocivos sobre a dinâmica da dívida pública. O Banco Central executa uma política de câmbio e juros desastrosa e incompetente. É uma exceção grotesca, se nos comparamos a outros países que apresentam condições externas, déficit fiscal e dívida pública menos favoráveis do que as nossas.


 


Já disse e repito: com a atual política de câmbio e juros, aliados a um regime tributário pesado e hostil ao crescimento, dentro de poucos anos o Brasil será um exportador de commodities e perderá substância na indústria manufatureira. Nenhuma economia emergente urbano-industrial, do porte da brasileira, vai suportar, sem danos graves para o emprego, a formação da renda e a sustentação das políticas sociais – o amesquinhamento da indústria e dos serviços conexos.


 


Neste caso, realmente, não há alternativa. Aqui, o problema é a porta giratória entre a finança privada e o Banco Central.