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Legislação de mídia no Brasil precisa mudar, apontam jornalistas

Um diagnóstico da mída na atualidade do Brasil foi o tema debatido hoje durante o Encontro Nacional de Comunicação do PCdoB, em São Paulo, por jornalistas da mídia impressa, televisiva e de internet. Estiveram presentes à mesa de debates os jornalistas Ra

O primeiro a falar na manhã de hoje foi o jornalista Raimundo Pereira, da revista Carta Capital. Em sua exposição, falou de como a democratização da informação passou por processos históricos e sociais ao longo da História. “A democracia tem diversas etapas, da grega escravagista à atual, monopolista, passando pelas democracias populares, como as do Leste Europeu e a popular de base, da China”.



Raimundo aponta o período entre o Renascimento e a Revolução Francesa como o começo da produção de jornais, “quando os jornais burgueses têm início”. A imprensa da época da Revolução Francesa segue à de cunho industrial, inglesa, com o surgimento do Times em 1715.



Para ele, a The Economist (de 1843) é a principal e melhor publicação burguesa, enquanto o estilo de imprensa inaugurado pelos jornalistas-industriais Hearst e Pulitzer se caracterizam por publicarem notícias irrelevantes, de cunho popularesco, e é esse tipo de imprensa que inspirou a nossa mídia no século passado.



No Brasil, Raimundo aponta o jornal paulista A Província de S.Paulo como o primeiro jornal industrial do país, importante até a revolução de 1930 torpedear os modelos copiados de Hearst e Pulitzer, na ditadura Vargas, que assiste o início da Era Assis Chateaubriand.



“No segundo mandato de Vargas há a percepção do papel da imprensa pelo presidente, e o jornal Última Hora se destaca como a melhor publicação burguesa da metade do século passado”, explica. A ditadura militar que se instalou depois do golpe de 1964 “interrompe o ciclo dessa imprensa e extermina fisicamente aqueles que se opunham a ela”, conta, dando lugar à mídia que se alinha ao golpe e o venera.



Jornais que auxiliaram os militares são beneficiados, como a Folha de S.Paulo. O Estado de S.Paulo, que no início apóia o golpe, com o decorrer dos anos assume uma posição a favor da redemocratização. Vemos surgir, com o beneplácito da ditadura, a TV Globo, braço televisivo do jornal O Globo, da família Marinho. A redemocratização deixa cicatrizes profundas na mídia.


 


Raimundo afirma que o jornalismo popular deve se apoiar nos leitores e não nas organizações, já que a questão básica de um jornal popular é colocar em questão as idéias e formar o público. “Qual a idéia mais importante que se tem de vender a esse público? Explicar a mais-valia” ensina. Para Raimundo, é preciso fazer o leitor compreender que é necessário fazer uma mudança profunda, uma transformação revolucionária da sociedade. “A tarefa da imprensa popular é traduzir o significado da realidade econômica do sistema” no Brasil” aponta.


 


Sem mudança, não tem democratização


 


Já o jornalista Laurindo Leal Filho, professor da Universidade de São Paulo, “Só aprofundaremos a democracia se mudarmos o sistema de rádio e TV do país”. De acordo com ele, a TV no Brasil tem uma importância fundamental na formação da pauta dos brasileiros. Ela atinge 92% dos domicílios e faz com que a mesma questão seja debatida tanto em Rio Branco, no Acre, quanto em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul.


 


“É pela TV aberta que as pessoas se identificam como brasileiras. A TV unifica, cria identidade”, comenta. Segundo a Associação Nacional de Jornais (ANJ), a mídia impressa coloca nas bancas de todo o país cerca de 7 milhões de exemplares por dia, “o que não chega a 10% dos brasileiros”, fazendo com que a TV aberta atinja o restante da população com sua programação.


 


Para Laurindo, a TV por assinatura, que poderia ter mudado um pouco o aspecto, não passou de um apêndice para as redes que dominam o mercado brasileiro. “Ela não diversificou a oferta, corre-se o risco de o mesmo acontecer com a TV digital. Por isso, não podemos acreditar que as tecnologias mudarão o quadro atual”.


 


No Brasil, a legislação permite que um mesmo proprietário de uma mídia impressa também seja dono de rádios e emissoras de TV. “Nem nos Estados Unidos a legislação é tão permissiva assim. É preciso restringir essa caracteristica da mídia, esse cruzamento”, defende Leal.


 


Segundo o jornalista, “A TV decodifica para a grande massa o que a mídia impressa afirma para a elite brasileira. A ideologia deles é veiculada por esses meios”, afirma.  “A legislação brasileira de radiodifusão é muito antiga, de 1962, do tempo que a televisão era emitida em preto e branco e quando havia acabado de chegar ao país o vídeo-tape”, comenta, para em seguida demonstrar que os donos da mídia não desejam nenhuma mudança na legislação.


 


“Esse é um dos poucos setores sem regulação. É por isso que iniciativas como a da criação da Agência reguladora, a Anvisa, foram torpedeadas pela mídia”. No recente episódio da classificação dos programas de televisão, os donos dos meios de comunicação encetaram uma nova batalha contra a idéia. “Eles querem fazer com que os pais sejam os responsáveis pelo que os filhos assistem na televisão. “A Globo chegou a veicular uma propaganda que coloca na cabeça dos pais que são eles os responsáveis pelo que o filhos assistem, como se houvesse a possibilidade de os pais acompanharam os filhos 24 horas por dia”, comentou.


 


Para o jornalista, o grande salto seria a criação de uma rede pública de televisão, “que vá além do mercado, que mostre a produção cultural brasileira, já que os canais privados não socializam isso para os brasileiros”.


 


Em relação à TV digital, Leal criticou a decisão do Ministério das Comunicações em adotar o padrão digital japonês, “já que isso atende os interesses das grandes empresas”. Uma vantagem do sistema, a boa qualidade de imagem, é neutralizada por inúmeras desvantagens, desde o número de opções até a escolha de canais.


 



Internet e suas características democráticas.


 


A exposição de Claudio Gonzalez, jornalista do Portal Vermelho, mostrou como a Internet se transformou hoje em uma mídia com “um potencial de desenvolvimento gigantesco”. “Enquanto a indústria gráfica, a imprensa, o rádio, a TV, a fotografia e outras mídias parecem ter sobrevivido, na última década, de pequenas inovações, muitas vezes apenas cosméticas, a internet, ao contrário, deu grandes saltos de inovação neste período e tudo indica que muitas novidades chocantes ainda estão por vir, juntamente com as inovações da telefonia móvel e da esperada TV digital” explica Gonzalez.


 


Segundo o texto apresentado pelo jornalista (Acessível em http://www.vermelho.org.br/internet.html) “A Internet é um conglomerado de redes em escala mundial de milhões de computadores interligados que permite o acesso a informações e todo tipo de transferência de dados.


 


Gonzalez conta também que, ao contrário do que a maioria dos relatos informa, a internet, como a conhecemos hoje, não é uma invenção militar dos norte-americanos, mas sim o resultado da congregação de diversas tecnologias desenvolvidas em diferentes partes do mundo (sobretudo nos EUA e na Europa) por diversos profissionais e pesquisadores acadêmicos sem vínculos com estratégias militares.


 


O jornalista explica como a Internet em poucos anos se transformou em uma poderosa ferramenta de comunicação,  já que desde o começo, os desenvolvedores agiram para que as tecnologias desenvolvidas fossem de uso livre, com código aberto, sem as restrições comuns. “Ou seja, a internet foi apresentada ao mundo como um instrumento de comunicação livre e, hoje, dificilmente um governo ou uma organização de caráter privado teria força política suficiente para mudar este status quo que a rede mundial conquistou”, comenta.


 


“Você encontra pouquíssima resistência a esta interpretação, mesmo entre os movimentos libertários mais radicais há um certo entendimento de que, por mais que a Icann — órgão que gere mundialmente a internet — tenha DNA estadunidense, ela própria interfere pouco no “estatuto” da web. E ainda que em alguns países, sobretudo na China e em boa parte dos países islâmicos, haja vigilância rigorosa sobre o que os internautas lêem e escrevem, globalmente, A grande rede mundial de computadores continua sendo um território livre para se exercer o direito de receber e de produzir informação. O que não significa que as pessoas que a utilizam com fins criminosos estejam a salvo das punições legais”, explica Gonzalez.


 


Embora tenha um papel valorizado na comunicação atual, a internet é um dos veículos que atingem pouquíssimas pessoas, comparada a outros meios de comunicação. Um informe da UNCTAD (Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento) mostrou que até o ano passado, havia quase um bilhão de pessoas em cerca de 800 mil localidades em todo o mundo que ainda carecem de todo tipo de comunicações. Os sem internet são quase 85% da população mundial.


 


Na América Latina, por exemplo, a penetração da rede  (número de usuários por cada 100 habitantes) é de 15,5%, próxima à média mundial, calculada em 15,6%. Mas a variação entre os países é enorme. Brasil e México são responsáveis por 60% de todos os usuários da América Latina e Caribe. Outros 25% estão na Argentina, Chile, Colômbia, Peru e Venezuela, segundo os dados da ONU.


 


Em relação ao papel da internet como um meio de comunicação popular, Gonzalez compara o meio com um militante 24 horas, disponível em qualquer lugar do mundo, com um panfleto na mão, na esperança de que alguém passe por lá, pegue o panfleto, leia e seja seduzido pela mensagem. 


 


Gonzalez explica que na internet existem todas as opções que uma pessoa no mundo real tem para distribuir um panfleto. “Você pode usar sua página na internet como se fosse um quadro de avisos, simplesmente colando nela o texto que julga ser importante divulgar; pode também mandar suas mensagens pelo correio eletrônico ou alugar espaços em páginas maiores para divulgar sua mensagem e pode ainda fazer a coisa certa e agir como o militante que não apenas entrega o panfleto, mas também conversa com o cidadão”, explica.


 


Após demonstrar as capacidades e potenciais de empresas que surgiram na rede, ligadas à pesquisa e às comunicações, Gonzalez voltou ao tema da democratização da comunicação: “se lutar pela democratização da comunicação é lutar contra os oligopólios da mídia, então é preciso desde já ficar de olho neste conglomerado de empresas chamado Google que é responsável por uma fatia enorme da audiência da internet”.


 


Até agora, o Google parece que tem agido sempre do “lado do bem”, desenvolveu o sistema de busca que todo jornalista sempre sonhou ter; no ano passado, lançou a versão em português do Google News, colocando em pé de igualdade sites de notícias como o Vermelho e a Folha Online; deixou o departamento de defesa dos EUA de cabelo em pé ao lançar o Google Earth, comprou o Youtube e continuou oferecendo o espaço gratuitamente; mesmo com enorme prejuízo e ameaçado de processos, mantém o Orkut funcionando no Brasil…mas até quando serão tão bonzinhos? O que está por trás de tanta generosidade?”, pergunta.


 


Gonzalez também comentou sobre a importância da Internet para os movimentos sociais ao redor do mundo, “façamos um exercício de imaginação: tentemos imaginar a organização das diversas edições do Fórum Social Mundial sem o uso da internet”, comenta. Para ele, há três características fundamentais na interação entre a internet e os movimentos sociais:


 


— a primeira delas é a questão da especificidade dos movimentos. Em muitos países, sobretudo na Europa, nos Estados Unidos e parte da Ásia movimentos tradicionais e consolidados como partidos políticos, sindicatos, organizações estudantis de base regional vão dando lugar a movimentos que se organizam em torno de bandeiras e projetos específicos — vamos salvar as baleias azuis; defender nosso bairro; lutar contra a discriminação dos imigrantes de origem árabe; desarmar a população, etc. — e a internet, com sua hiperpopulação de comunidades, é um espaço propício para reunir virtualmente e mobilizar pessoas que compartilham de interesses comuns, ainda que sejam interesses bastante específicos.


 


— a segunda característica que contribui para a articulação dos movimentos sociais via rede é o fato de que os movimentos cada vez mais se articulam em torno de códigos culturais e valores. O movimento feminista, o movimento GLS, o movimento negro são alguns exemplos de movimentos que para desenvolver suas bandeiras reivindicatórias necessitam sobretudo recrutar apoios e estímulos através desse chamamento  a determinados valores, princípios e idéias e a internet é fundamental porque através dela se podem lançar com grande amplitude seus manifestos, atraindo pessoas que compartilham destes valores.


 


— a terceira característica é a extraterritorialidade da internet, que permite aos movimentos dialogar com entidades e grupos com interesses comuns em qualquer canto do planeta, atraindo solidariedade e apoio internacional, ainda que seja para causas locais. Cassel chama isso de “conexão global-local', para ele, esta é a nova forma de controle e de mobilização social em nossa sociedade.