Venezuela: A realidade do desenvolvimento e as mentiras da mídia
No artigo “Desafios da Venezuela Saudita: anotações sobre economia, industrialização e dependência”, o economista brasileiro Luciano Wexell Severo faz uma análise – com base numa infinidade de dados e estudos recentes – sobre os desafios do gove
Publicado 12/04/2007 09:28
Desafios da Venezuela Saudita: Anotações sobre economia, industrialização e dependência
“O insolente pé do estrangeiro profanou o solo sagrado da Pátria”, afirmou o presidente e General Cipriano Castro, em 1903, quando a Venezuela foi invadida por embarcações anglo-alemãs, devido à soberana posição governamental frente aos desacatos e intransigências externas em busca de petróleo. Em 1908, foi deposto da Presidência pelo General Juan Vicente Gómez, o “Patriarca” eternizado por García Márquez, que governou em nome das companhias estrangeiras até morrer, em 1935. A seguir, habitaram o Palácio de Miraflores os Generais Eleazar López Contreras (1935-41) e Isaías Medina Angarita (1941-45), que aumentaram o poder de planificação do Estado sobre a economia, assumindo posturas democráticas, progressistas e nacionalistas em temas delicados como reforma agrária, arrecadação de impostos e controle estatal sobre o petróleo. Por este motivo, Angarita foi destituído com apoio do imperialismo estadunidense, através de um golpe promovido por setores conservadores das forças armadas, a Igreja, as companhias petroleiras e a famosa Federação de Câmaras e Associações de Comércio e Produção da Venezuela (Fedecâmaras). Instalou-se uma Junta “Revolucionária” de Governo (1945-1948).
Em 1948, o escritor Rómulo Gallegos, criador de “Doña Bárbara” e “Mr. Danger”, se tornou o primeiro presidente venezuelano eleito através do voto popular. Governou somente 280 dias: novo golpe empossou uma Junta Militar de Governo (1948-1950), presidida pelo Comandante Carlos Delgado Chalbaud e composta por Marcos Pérez Jiménez. Em 1950, Chalbaud foi assassinado a tiros e se instalou uma nova Junta de Governo (1950-1952), presidida por Germán Suárez Flamerich e novamente integrada por Pérez Jiménez. Em dezembro de 1952 o partido União Republicana Democrática (URD) venceu as eleições, mas o resultado do sufrágio não foi reconhecido e Pérez Jiménez assumiu a Presidência de forma provisória. Em 1953, foi designado presidente da Venezuela pela Assembléia Nacional Constituinte. Vieram anos de desenfreadas concessões petroleiras às transnacionais e de brutal repressão aos movimentos populares.
Evidentemente continuou a batalha, teórica e prática, pelo controle do ouro negro, nos campos petroleiros, nos nascentes latifúndios, nas universidades, nos partidos políticos clandestinos, nas novas fábricas, nos morros que começavam a povoar-se. Em 23 de janeiro de 1958 as forças populares derrubaram Pérez Jiménez, mas foram traídas e não chegaram ao poder: começou o chamado pacto de Punto Fijo, que marcou o início da IV República e seus quarenta anos de intercâmbio no poder de dois partidos – o social-democrata Ação Democrática e o social-cristão COPEI. Nestas quatro décadas passaram doze homens pela Presidência; quase todos assumiram posições submissas às petroleiras transnacionais, distanciadas do povo e demolidoras da soberania nacional. Assim se fortaleceu e instituiu na vida política venezuelana a cultura da corrupção, desperdício, improvisação, oportunismo, quer dizer, o rentismo econômico e mental – antivalores que, naturalmente, ainda continuam vivos. (Para isto foi fundamental a contribuição político-ideológica dos grandes meios de comunicação e seu permanente trabalho contra a consciência nacional, com o objetivo de quebrar a auto-estima pátria e perpetuar as distorções e privilégios). Como resposta ao acúmulo de insatisfações, já em 1989, o bravo pueblo promoveu o primeiro movimento continental de resistência ao neoliberalismo, o Caracazo. Entretanto, a grande explosão aconteceu na madrugada de 4 de fevereiro de 1992, com o levante cívico-militar liderado pelo Tenente-Coronel Hugo Chávez. Já faz 15 anos, mas ninguém se esqueceu do jovem rosto assumindo completa responsabilidade pelos seus atos em cadeia nacional de rádio e televisão, e indo para a prisão. Pouco tempo depois, em dezembro de 1998, ávida por superar a aguda crise financeira e moral do país, a maioria elegeu Chávez presidente. A partir daí a novela é conhecida por todos.
Detenhamos-nos na análise da economia que, naquele momento, estava em péssimas condições, resultado das políticas do Fundo Monetário Internacional (FMI) aplicadas em quase todo o chamado Terceiro Mundo, ampliando a pobreza, o subdesenvolvimento e a dependência. O esforço do primeiro ano do governo foi dedicado à recuperação dos preços do petróleo, através da visita pessoal de Chávez a todos os países membros da OPEP e do resgate desta organização ao cenário internacional. Além disso, se pôs em prática o compromisso eleitoral de apresentar ao país uma nova Constituição e fundar a V República, via novas leis, que permitissem realizar as profundas transformações estruturais. Como demonstramos em trabalhos anteriores, segundo dados oficiais nacionais e internacionais, se 1999 foi um ano negativo para a economia venezuelana, em 2000 e 2001 o país obteve uma das maiores medias de crescimento na região, superior ao 3,5%, com sensíveis melhoras no nível de vida da população, quedas no desemprego, na inflação e nas taxas de juros.
A investida imperial contra a Venezuela chegou justamente quando o governo bolivariano apresentou, por via de uma Lei Habilitante, um pacote de 49 normas legais vitais para a implementação do processo de mudanças: leis de terras, petróleo, imposto de renda, reforma agrária, sistema financeiro… Todos recordam os terríveis acontecimentos de abril de 2002 – golpe de Estado promovido pela CIA- e do golpe petroleiro, entre novembro de 2002 e janeiro de 2003, insuflado pela mesma Fedecâmaras, a pseudo-Confederação de Trabalhadores da Venezuela (CTV), a cúpula superior da PDVSA, os partidos opositores, os conglomerados de comunicação (imprensa escrita, rádio e televisão) e a associação civil Súmate, financiada pela Fundação Nacional para a Democracia (NED) do Departamento de Estado estadunidense. Hoje, poucos anos depois, já existe uma abundante e séria literatura a respeito das conspirações. A paralisação derrubou a produção de petróleo de três milhões de barris diários para 125 mil. As lojas e supermercados fecharam suas portas, os produtos básicos desapareceram, os preços saltaram barreiras inimagináveis. Para o povo a situação era equivalente a uma economia de guerra. Os golpistas, por sua vez, se entrincheiraram em seus bairros nobres ou casas no exterior. Os números do Banco Central da Venezuela (BCV) demonstram que no primeiro trimestre de 2003 a economia caiu um 26,7%, o desemprego tocou os 20,7%, a inflação ultrapassou os 27,5% e a taxa de investimento como proporção do Produto Interno Bruto (PIB) baixou a exíguos 14,7%. O Ministério de Finanças calcula que estas ações geraram uma perda financeira de 15 bilhões de dólares ao país. Mas a greve foi patronal, sem o povo, e o governo não só resistiu como ganhou forças.
A economia venezuelana hoje; petrodólares financiam transformações estruturais
Segundo informe do Ministério de Energia e Petróleo, em janeiro de 2007 o preço médio do barril, 159 litros, esteve próximo aos 55 dólares, tanto o tipo Brent quanto o West Texas Intermediate (WTI); chegou a superar os 74 dólares em julho de 2006. Em 2003 o preço médio havia sido de 30 dólares e em 1999, quando começou o governo de Chávez, estava abaixo dos 9 dólares. A cesta venezuelana é sempre uns 15% mais barata que as duas referências mundiais, devido ao elevado grau de espessura de seu petróleo. Apesar disso, se tomamos em conta que o petróleo representa historicamente uma elevada porcentagem das exportações da Venezuela – nos últimos dez anos, uma média de 77,8% – evidentemente a tendência é que os altos preços atuais se traduzam em forte ativação da economia. Entre o quarto trimestre de 2003 e o quarto de 2006, o país acumulou 13 trimestres de subidas, quer dizer, mais de três anos contínuos de crescimento. Melhor ainda, a uma média de 13%. Faz mais de um ano e meio que o PIB cresce acima dos 10% e, se o país mantivesse este ritmo, dentro de oito anos a economia seria mais que o dobro da atual.
Todos os dados utilizados são públicos, divulgados pelo BCV, pelo Banco Mundial ou pela Comissão Econômica para América Latina e Caribe (CEPAL). Não restam dúvidas que o PIB venezuelano está crescendo bastante. Agora verifiquemos a primeira segregação possível do PIB: economia petroleira e economia não-petroleira. A participação da economia não-petroleira no PIB segue crescendo substancialmente enquanto tem caído a participação relativa da economia petroleira. Isto é bastante significativo se tomamos em conta os elevados preços do barril de petróleo. Quer dizer, a tendência natural seria o aumento da participação relativa da economia petroleira, não sua queda. Vejamos os dados: a economia petroleira, que em 1999 representava 20,1% do PIB, hoje significa 14,3%. Já a economia não-petroleira, que em 1999 significava 70,5% do PIB, hoje representa 74,7%. Ainda quando o preço do petróleo cresceu bastante, nos últimos dois anos e meio a economia não-petroleira cresceu uma média de 12,2% enquanto a economia petroleira, somente um 1,9%.
Não se pode negar que o fator mais poderoso e dinâmico da economia venezuelana é o petróleo, desde os anos vinte do século passado, mas se verifica que o país está destinando como nunca antes os recursos petroleiros aos setores produtivos: agricultura, indústria, construção, telecomunicações, assim como ao progressivo pagamento da elevada dívida social em educação, saúde e habitação. A seguir, algumas declarações do presidente do BCV, Gastón Parra Luzardo: “Não só cresce a economia devido a circunstâncias favoráveis, mas também se transforma a estrutura da sociedade ao alcançar estágios superiores de progresso. Prova das apreciações anteriores são o crescimento do PIB em cifras próximo a 10% durante treze trimestres consecutivos; a expansão mais acelerada da produção do setor não petroleiro sobre o setor petroleiro; o fortalecimento do investimento público e privado; a melhora da educação, saúde, habitação, distribuição de renda e aumento das remunerações médias reais dos trabalhadores. No âmbito nacional, continuaram as políticas e as ações dirigidas ao combate da pobreza, à melhora da saúde, da educação e da alimentação, com os quais se obtiveram êxitos significativos que deram a Venezuela o reconhecimento internacional”. Faz referência, entre outras conquistas, ao contínuo aumento em todos os componentes do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), à redução da mortalidade infantil e à declaração pela ONU (ainda serve para isto esta desmoralizada instituição) como o único país latino-americano – além da heróica Cuba – livre de analfabetismo.
Agora desagreguemos a economia não petroleira. Como é natural prever, crescem aceleradamente os setores comércio, serviços e instituições financeiras. Também se ativaram os setores de comunicações, transportes e construção civil, devido às grandes obras de infra-estrutura levadas a cabo: pontes, ferrovias, estradas, metrôs, escolas, universidades, refinarias, siderúrgicas. Acumulam mais de dois anos de crescimento elevado e permanente. Entretanto, a indústria manufatureira é um dos setores que mais se fortalece, especialmente a partir de 2003, quando iniciou o controle de câmbio. Nos últimos dois anos, a indústria cresceu uma média de 10% e já representa 16,8% do PIB. Durante o golpe petroleiro, por exemplo, a participação da indústria manufatureira no PIB foi reduzida a 14,7%. O atual incremento se verifica no aumento da geração e consumo de eletricidade e na produção de insumos como cimento, mineral de ferro, aço e alumínio.
Outra variável muito significativa que se vê fortalecida desde 2003 é a formação bruta de capital fixo – a taxa de investimento na economia – que engloba os gastos com construção, aquisição e para funcionamento de bens de capital orientados à formação de ativos fixos, novas construções, instalação de máquinas e equipamentos. Segundo a CEPAL, a taxa de investimento media na América Latina é de 20% do PIB, insuficiente para produzir crescimento econômico e melhorias nas condições de vida da população. Durante o golpe petroleiro, chegou a menos de 15% do PIB; hoje está acima dos 32%. Neste momento, muito poucos países estão investindo em infra-estrutura, indústrias e educação com a magnitude que faz a Venezuela.
Novo século, nova bonança; antigas preocupações de Alberto Adriani e Uslar Pietri
Como resultado do crescimento econômico se verifica um enérgico incremento da demanda interna: 19,7% nos últimos dois anos. Entretanto muito mais importante é o esforço para impulsionar a oferta doméstica (o PIB menos as exportações) e para diminuir a oferta externa (demanda interna satisfeita através de importações). O crescimento da oferta doméstica nos últimos dois anos acumula 14,1%, impacto direto da reativação do aparato industrial e do aumento dos investimentos em novas unidades produtivas. Sobre isto, existe uma justa e antiga preocupação frente ao seguinte fato: como se demonstra em qualquer país primário-exportador em um momento de elevação, a demanda interna tende a crescer a um ritmo muito mais intenso que a capacidade de resposta da oferta doméstica, forçando o aumento das importações e pressionando o incremento dos preços.
Em 1999 as compras do exterior constituíam 22,4% da oferta total- cresceram mais de 70% nos últimos dois anos. Hoje em dia, 33,3% da oferta total é garantida através de importações –quer dizer, 66,6% é assegurado pela produção nacional. No Brasil, por exemplo, se importa relativamente muito menos: só 13,9%, enquanto produz 86,1%. Entre janeiro e setembro de 2006, as importações venezuelanas totalizaram 22,6 bilhões de dólares, quase a metade dos recursos obtidos com as exportações petroleiras. Por outro lado, no mesmo período, as exportações não-petroleiras (mineral de ferro, alumínio, metanol, uréia, peixes, plásticos, madeiras) alcançaram somente 4,5 bilhões de dólares. Trata-se de um clássico problema das economias subdesenvolvidas e mono-exportadoras de petróleo ou outros produtos primários: é natural que um país relativamente pouco industrializado aumente suas importações em um momento de forte entrada de divisas, como o atual. Um dos grandes desafios é substituir importações de forma eficiente, ainda que exista uma permanente facilidade para obter divisas e para importar bastante.
Apesar disso, se verifica algo muito interessante: as importações venezuelanas de bens terminados (para consumo final), que em 2000 chegaram a 38% do total importado, hoje representam 23,6%. A média entre 1997 e 2002 foi de 27,4%. A compra de insumos ou produtos intermediários também vem sofrendo importantes reduções: de 64,4% do total importado em 1997 para 43,7% hoje. A média entre 1997 e 2002 foi de 55,3%. Mas o mais significativo é verificar que as importações que mais crescem são para a aquisição de máquinas e equipamento (bens de capital): representavam 11,1% do total importado em 2000 e hoje somam 32,7%. A média entre 1997 e 2002 foi de 17,3%. Utiliza-se o ano 2002 como marco divisório devido à aplicação do controle de câmbio no início de 2003. Quem tem olhos, que veja.
Sobre a inflação, em 1999, ano em que começou o governo Chávez, o Índice de Preços ao Consumidor (IPC) foi de 14,5%. Em 2000 e 2001, anos em que a economia cresceu, foi reduzido para 11% e 10%, respectivamente. Em 2002, como resultado das conspirações contra a economia nacional, disparou para 25%. Em 2003, apesar dos complôs e do golpe petroleiro, foi de 20,5%. Os meios de desinformação, quando lhes convêm, fazem um malabarismo para não relacionar os resultados sócio-econômicos com os acontecimentos políticos. Em 2004, apesar do elevado crescimento da economia, a inflação caiu para 14% e em 2005 baixou a menos de 13%, contrariando a teoria monetarista. O que gera aumento persistente dos preços não é obrigatoriamente o aumento da quantidade de dinheiro circulante, mas sim a política dos monopólios privados. As quedas dos anos 2004 e 2005 estão associadas ao aumento da produção industrial, ao apoio a pequenos e médios produtores agrícolas – através de créditos, instalações de armazenamento, transporte-, à supressão de mercadores oportunistas, ao combate a monopólios privados, ao controle de preços sobre mais de 100 produtos básicos a partir de 2003 e o estabelecimento de mais de 14 mil Mercados de Alimentos (Mercal) em todo o país. O programa, que vende a preços até 30% mais baratos, alcançou quase 15 milhões de consumidores, ganhando adeptos da classe média.
No ano passado, frente à evidência de outra vitória eleitoral de Chávez, e sua permanência no poder pelo menos durante mais seis anos, a situação política voltou a agitar-se. O governo, trabalhando para a construção paulatina de um socialismo a la venezuelana, trata de aumentar o papel do Estado na economia, adquirindo maior poder para planificar e implementar políticas, buscando intervir –com crescente participação popular- nos principais meios de produção. Há um setor privado produtivo consciente e nacionalista que se somou aos esforços de construir uma Venezuela independente e desenvolvida. Mas sem dúvida há outro setor privado, beneficiado pelas políticas inflacionárias do passado, que hoje se rebela contra as ações governamentais e o controle de preços. Em 2006 a inflação acumulada alcançou 17%; nada escandaloso para um país em acelerado crescimento. Em janeiro de 2007 o IPC acumulou 2% e segundo “analistas” internacionais terminaria o ano acima dos 25%. O governo está se preparando para enfrentar devidamente este problema, que ainda terá muitos desdobramentos. A palavra de ordem é aumentar a produção nacional, combater a especulação e o açambarcamento, e garantir a maior variedade possível de produtos básicos nacionais ou importados nas prateleiras.
Analisando o mercado de trabalho se verifica que entre junho de 1999 e junho de 2006, em sete anos, foram criados mais de 2 milhões e 100 mil empregos – 60% deles no setor de serviços, comércio e estabelecimentos financeiros, 15% em construção civil (mais de 300 mil postos de trabalho) e 5% na indústria (100 mil empregos gerados, uma média de 13 mil por ano). Em 2002, até o momento das conspirações, o número de trabalhadores desempregados estava caindo. As medidas golpistas para derrubar o governo elevaram o desemprego a 21% da População Economicamente Ativa (PEA), cerca de 2 milhões e 300 mil venezuelanos. Para se ter uma idéia do cúmulo da situação, em dezembro de 2002 e em janeiro de 2003 sequer foi medido o índice de desemprego (por isto os gráficos que tratam deste tema têm dois espaços vazios). Em dezembro de 2006 existia cerca de 1 milhão de desempregados, que somam 8,4% da PEA. Na Venezuela o salário mínimo é de 238 dólares, bastante superior à média latino-americana, e são significativamente menores os gastos com serviços de eletricidade, gás, água, combustível e transporte. Outro dado importante: nos últimos três anos o setor formal da economia cresceu de forma considerável, representando hoje 55,5% dos trabalhadores ocupados (6 milhões 257 mil 642 pessoas); ao final de 2005 era de 52%. Os números são do Instituto Nacional de Estatísticas (INE) e do Ministério de Planejamento e Desenvolvimento (MPD).
É necessário relacionar as melhoras dos indicadores com a decisão de instituir o controle de câmbio no início de 2003. As reservas internacionais já somam 36 bilhões de dólares -com o golpe de Estado e o golpe petroleiro, a fuga de capitais derrubou as reservas internacionais para 14,9 bilhões, 47% abaixo do nível atual. Ignorando a teoria neoliberal – que apregoa o estancamento das reservas no Banco Central sob risco de gerar inflação e desequilíbrios no sistema, em julho de 2005 se aprovou uma reforma da Lei do BCV, determinando o estabelecimento anual de um teto para as reservas internacionais; tudo que esteja acima de determinado valor passa ao Fundo de Desenvolvimento da Nação (Fonden), que já acumula 18 bilhões de dólares. Através do Fonden, as receitas petroleiras têm servido para dar início a um novo processo de industrialização, especialmente nas áreas de agricultura, petroquímica, indústrias básicas e indústrias de transformação. Permanentemente os grandes meios de comunicação, estreitamente associados com os monopólios industriais e financeiros, tentam tachar as políticas independentes e soberanas como irresponsáveis ou populistas. Logo dirão que a inflação é fruto das “incertezas e preocupações do mercado” frente à proposta de construir um país justo, livre e soberano. Sobre isto, o Ministério de Comunicação e Informação (Minci) notificou oficialmente que um dos canais envolvidos com o golpe de 2002 – que recebe dinheiro dos Estados Unidos e permanece desde aquele momento agredindo a democracia na Venezuela em nome da liberdade de expressão- não terá sua concessão renovada no próximo mês de maio. Certamente não faltarão aqueles que afirmem se tratar de outra “ação autoritária do regime chavista”.
Ao contrário do que sugerem alguns murmuradores a serviço de Washington, o governo Chávez conta com um projeto nacional com linhas gerais definidas. A idéia de uma economia artificial e miseravelmente assistencialista – tão propagada pelos grandes meios de desinformação com o objetivo de esconder a realidade e de ridicularizar a política econômica soberana – se trata de uma quimera. Existe uma visão de desenvolvimento de médio e longo prazo, até agora plasmada no Plano de Desenvolvimento Econômico e Social da Nação 2001-2007. Com base nestas orientações foram impulsionados os setores produtivos da economia, sobretudo com o dinheiro obtido das exportações de petróleo, sem necessidade de se endividar ou se submeter a pacotes de organismos financeiros internacionais – de fato, há algumas semanas o FMI fechou as portas do seu escritório em Caracas. Vale dizer que as dívidas externa e interna têm sido reduzidas: representam 17,5% e 9,6% do PIB, respectivamente. A dívida total significa 27,1% do PIB, o nível mais baixo dos últimos 30 anos e atualmente um dos menores da região.
A Venezuela tem a audácia de buscar romper a dependência externa – econômica, tecnológica e cultural – através do desenvolvimento integral das potencialidades do país e de seu povo. Mas é bastante complicado sair do labirinto neoliberal, desprender-se das ataduras das transnacionais e destravar os infernais mecanismos de endividamento – elaborados durante séculos para perpetuar a subordinação e o roubo dos países periféricos em benefício do centro capitalista. A isto se soma todo o peso de ser um país petroleiro, a Venezuela Saudita, mono-exportadora, importadora de alimentos e produtos terminados, com todas suas contradições estruturais, econômicas, sociais, políticas e culturais. Para o período 2007-2013, o governo já está trabalhando com as linhas estratégicas do Projeto Nacional Simón Bolívar. Que país possui um projeto de desenvolvimento bem definido para os próximos seis anos? Destes países, quantos contam com suficientes recursos financeiros para executar plenamente seus planos? O mais importante é cumprir efetivamente com estes projetos: melhorar os resultados dos gastos, romper as amarras do Estado ainda retrógrado – transformá-lo radicalmente- e neutralizar os inimigos internos. Apesar dos imensos investimentos realizados para impulsionar os setores industrial e agrícola, as duas pernas da nova Venezuela, as empresas básicas não terminam de nascer e a produção no campo desmoronou 7% em 2006.
Os conservadores tratam de denominar “populistas” aos governos populares, mas o que aconteceu com as receitas petroleiras dos anos setenta, quando a enxurrada era igual ou superior a de hoje e a população era de somente 12 milhões, menos da metade da atual? Os governos anteriores desapareceram com centenas de bilhões de dólares obtidos com os dois choques petroleiros de 1973 e 1979. Atualmente, apesar de todos os erros e dificuldades, que são muitos, os petrodólares têm sido depositados na transformação da realidade social e da economia venezuelana – de rentista e importadora à produtiva e geradora de mercado interno. Também têm servido para ajudar aos países da América Latina. Segundo Chávez, a Venezuela inclusive “estaria disposta a depositar no futuro Banco do Sul pelo menos 10% de suas reservas internacionais, para iniciar assim um dos projetos que formam parte da integração latino-americana”. A idéia é criar uma alternativa, própria e solidária, para o financiamento de projetos de desenvolvimento produtivo e infra-estrutura nos países da região, sobretudo nos mais necessitados. Igualmente avançam as discussões e os acordos em torno à ALBA, à Comunidade Sul-americana de Nações e ao Mercosul.
Desesperados os senhores imperialistas
A energia gerada pela eleição de Chávez até 2013 impôs um novo ritmo à agitada dinâmica política da Venezuela. O líder bolivariano ganhou o pleito presidencial defendendo publicamente o avanço rumo ao socialismo; a maioria dos eleitores decidiu que o país deve avançar por este caminho. Agora, “tudo que é sólido desmancha no ar”. A radicalização propõe acelerar ainda mais a correção da distorcida estrutura econômica: estatizar empresas estratégicas que foram privatizadas e concentradas nas mãos de grupos estrangeiros; nacionalizar efetivamente as principais riquezas do país; criar unidades produtivas sob controle estatal e comunal; aprofundar a reforma agrária e aumentar a produção agrícola; concluir o novo processo de industrialização pesada; aumentar a participação popular na elaboração, controle e implementação de políticas públicas; exorcizar as corruptas e ineficientes estruturas do Estado.
Neste sentido, recentemente os deputados da Assembléia Nacional aprovaram em ato público, na Praça Bolívar de Caracas, uma Lei Habilitante, que autoriza o presidente da República a ditar, por um lapso de 18 meses, Decretos com valor e força de Lei em diversos âmbitos: econômico, social, financeiro, tributário, ciência e tecnologia, ordenação territorial, segurança e defesa, infra-estrutura, energético. Segundo o artigo 203 da Constituição da Venezuela, “São leis habilitantes as sancionadas pela Assembléia Nacional por três quintas partes de seus integrantes, a fim de estabelecer as diretrizes, os propósitos e o âmbito das matérias que se delegam ao Presidente ou Presidenta da República, com condição e valor de lei”. Esta é a sétima vez na história do país que se outorga este mecanismo a um presidente; a segunda vez para Chávez. Como toda mudança estrutural que afeta interesses dos setores historicamente privilegiados, tende a gerar uma correspondente reação. O porta-voz do Departamento de Estado dos Estados Unidos, Sean McCormack, afirmou em tom de espantalho: “Veremos como exerce esses poderes o senhor Chávez”. A Assembléia venezuelana emitiu um comunicado declarando que “muito estranha é a fonte de legitimidade democrática na que se baseiam os Estados Unidos para intervir nos assuntos internos da Venezuela, para decidir invadir países, para impor políticas econômicas destrutivas às nações do Sul e para crer-se com o direito de submeter o mundo a sua estranha ditadura”.
Apesar de tudo, parece distante uma intervenção direta dos estadunidenses. São bastante agudas as atuais conjunturas latino-americana e mundial. No Novo Mundo se fortalece a ascensão de líderes nacionalistas, respaldados por históricos movimentos populares e setores progressistas. A onda de ditaduras sangrentas e reacionárias dos anos sessenta e setenta, sucedida pelas não menos criminosas aberturas neoliberais dos anos oitenta e noventa, cedeu espaço a estalidos sociais emancipadores. Aqueles que previram o “fim da História” se equivocaram tremendamente. O século XXI começou bastante mal para os senhores imperialistas. Na Venezuela, a proposta de avançar rumo ao socialismo ganha crescente apoio popular e conta com respaldo financeiro. Unem-se a idéia e a possibilidade, o dinheiro e a ideologia – mesmo que aquele gere muitos danos e esta ainda deva aperfeiçoar-se muito. Mesmo assim, é difícil que as tropas yankees aventurem-se por aqui. Possivelmente depositarão suas arremetidas em destruir a Revolução por dentro, no médio prazo, através da contribuição da oligarquia venezuelana e dos “neo-chavistas” e “neo-bolivarianos” infiltrados ou sem consistência ideológica. Exemplos disso são: o desabastecimento de alguns produtos básicos, o aumento da inflação e a ineficiência na aplicação das políticas governamentais. Estes problemas, se não fossem atacados imediatamente, poderiam gerar insatisfação popular.
Entretanto, por outro lado, os imperialistas sabem que quanto mais demorem, mais difícil será a tarefa de demover Chávez: os números demonstram a progressiva conversão do crescimento econômico em desenvolvimento social. Segundo o INE, a pobreza continua sendo reduzida na Venezuela. Se em 1999 a pobreza geral era de 44% da população, hoje é de 32%. A pobreza extrema, no mesmo período, caiu de 16,6% para 10,6%. Além disso, o gasto público em educação durante o governo Chávez é 35% mais alto que a média dos anos noventa. Em 2005, por exemplo, foi 91% maior que em 1996, sem contabilizar os massivos investimentos nos programas sociais da área educacional: Misión Robinson (1,4 milhão de alfabetizados através de método cubano Yo sí puedo), Misión Ribas (760 mil concluindo o segundo grau), Misión Sucre (240 mil novos universitários). Outro exemplo: o gasto público em saúde igualmente foi 13% mais elevado que a média da década neoliberal e 115% superior ao de 1996, também sem contar os projetos sociais na área (Barrio Adentro e Misión Milagro, também com desprendido apoio de Cuba), que acumulam milhões de beneficiados na Venezuela e milhares em outros países da América Latina.
As noticias que chegam do outro lado do mundo são ao mesmo tempo terríveis e animadoras. Ameaças de “guerra preventiva” contra o Irã, Síria, Coréia Popular; o diabo está solto, buscando petróleo. Ninguém esquecerá das mentiras sobre armas químicas e do tribunal-farsa contra Saddam Hussein. Bombardearam e invadiram o país, seqüestraram seu presidente, ministros, deputados, prefeitos, vereadores, militares. Atropelaram ao povo, sua vontade, sua Constituição. Mais que antes, inspirados pelo grosseiro assassinato de seu presidente Saddam, os patriotas seguirão sacrificando-se aos borbotões até expulsar o exército imperial. Para as corporações petroleiras –sobretudo Texaco e Exxon- e a antiga elite iraquiana, a revolução dirigida pelo partido Baath Árabe Socialista do Iraque – democrática, nacionalista e laica – cometeu o “pecado imperdoável” de nacionalizar o petróleo, promover a unidade povo-Forças Armadas, diversificar a economia – agricultura e petroquímica, distribuir a riqueza e o poder, universalizar a educação em todos os níveis e alcançar, nos anos oitenta, o reconhecimento como o país de melhor qualidade de vida no Oriente Médio. Enquanto alguns governantes se ajoelham, o máximo líder do Iraque morreu de pé, sereno e comandando a vitoriosa resistência. Acreditamos que mais cedo do que tarde a Humanidade se verá definitivamente livre da casta que hoje controla as riquezas da Terra. Quando este dia chegar, alguém poderá sugerir que se ergam gigantescos monumentos em memória dos povos que depositaram todas suas energias para superar a dominação imperialista. Ao longo dos tempos haverá muitos povos valentes e dignos; mas os homens, mulheres e crianças iraquianos – por sua incomensurável contribuição neste momento tão determinante da História – terão seu lugar garantido. Faz 1425 dias, com suas noites, que expõem ao mundo toda a podridão, a impotência e a degeneração dos chacais estadunidenses. Mais que isto, explicitam que o império começou a desmoronar.
Luciano Wexell Severo é economista formado pela PUC-SP e atualmente é assessor do Ministério de Indústrias Básicas e Mineração da Venezuela.