Osvaldo Carioca: “Hoje somente a produção de etanol é econômica”

Professor do Departamento de Tecnologia de Alimentos da UFC, José Osvaldo Beserra Carioca pesquisa o desenvolvimento dos processos da “Química Verde” para o aproveitamento de recursos renováveis, como a produção de biocombustíveis, alimentos e produtos

Biomassa e biocombustível viraram palavras comuns ao vocabulário de muita gente. Como o senhor, que lida com o assunto há anos, vê essa nova onda?



A nova onda dos biocombustíveis vem assumindo uma importância significativa no contexto ambiental, devido ao aquecimento global. Por volta de 1973, houve a primeira elevação dos preços do petróleo, que se consolidou por volta de 1975. Certamente nesta época a biomassa foi lembrada como o recurso renovável que poderia ser utilizado para a produção de biocombustíveis. No Brasil, esta questão vem sendo sugerida desde 1921. No exterior, em 1912, Rudolph Diesel já advogava o uso de biomassa, especificamente no caso dos óleos vegetais, como combustíveis para o seu motor recém inventado. Disse ele à época que o motor a diesel poderia ser alimentado por óleos vegetais, e ajudaria no desenvolvimento agrário dos países que viessem a utilizá-lo.


 



A possibilidade dessa nova ´corrida do ouro´ causar danos ambientais é real?


 



Apesar dos benefícios econômicos e sociais, como a geração de emprego e renda e o desenvolvimento agrário, a questão dos biocombustíveis é preocupante por várias razões. Feitos os devidos descontos, este problema vem sendo lembrado pela imprensa e pelos críticos desde o lançamento do Pró-álcool, em 1979. Do ponto de vista técnico, no processo de produção de etanol, cerca de 49% do carbono oriundo da cana vai para a atmosfera, durante o processo de fermentação, na forma de CO2. Ainda não se tem uma resposta adequada para esta enorme perda. Grandes quantidades de efluentes (vinhaça) da produção do etanol são recicladas para o campo e também ainda não se conhece os efeitos de longo prazo desta utilização sobre o lençol freático. Muitas questões ainda permanecem abertas.


 



Como o senhor analisa o retorno ao etanol da cana como “a grande opção de biocombustível”, não apenas para o Brasil, mas para exportação?


 



A opção da exportação de etanol, vista pelo lado puramente econômico, certamente é vantajosa para o País, entretanto não se deve deixar de levar em consideração todas as questões técnicas. Uma corrida para a produção de biocombustíveis para os mercados interno e externo trará ainda um agravamento na concentração de renda. Atualmente, as destilarias de etanol estão se tornando cada vez maiores para alcançar escalas de produção econômica. Quando se iniciou o Pró-álcool, o tamanho médio das destilarias estava entre 60.000 l/dia e 120.000 l/dia. Atualmente, fala-se em 500.000 e até 1.000.000 de l/dia.


 



Qual a sua visão sobre o desenvolvimento das pesquisas em biomassa, principalmente no contexto brasileiro e nordestino?


 



Não se deve ignorar o potencial cientifico e tecnológico existente nos países desenvolvidos. Tecnologia é um produto de mercado que tem fortes implicações sobre custos de produção. Em tempo de economia globalizada e de alta competição, onde houver um resultado com expressão econômica, lá estarão os verdadeiros empresários em busca de sua utilização. No Brasil, inegavelmente, os fundos setoriais têm possibilitado um enorme avanço nas pesquisas sobre o desenvolvimento dos biocombustíveis. Infelizmente, o número de patentes brasileiras ainda é muito pequeno em comparação com as geradas nos países desenvolvidos. Em especial, o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico) tem possibilitado grande incentivo à inovação tecnológica nas indústrias.


 



Quais são, atualmente, as espécies que realmente já dão retorno para a produção de biocombustíveis no Brasil?


 



Hoje somente a produção de etanol é econômica. A questão do biodiesel está longe de uma perspectiva econômica e, acima de tudo, está muito mal colocada no Brasil. Não é possível priorizar questões sociais em uma situação cuja solução vai muito além da tecnologia e de mercado. Seria razoável se perguntar por que repentinamente o biodiesel passou a ser a solução salvadora para a agricultura do Nordeste. A verdade é que há muito se deveria ter investido em soluções duradouras para a agricultura da região. No mínimo deveríamos investir fortemente em pesquisas agronômicas, em diferentes regiões, visando perspectivas de futuro. Infelizmente não é uma questão de ter esta ou aquela oleaginosa, pois, em geral, as oleaginosas são plantas com baixo rendimento fotossintético comparativamente à cana-de-açúcar, razão pela qual apresentam baixíssima produtividade agrícola.


 



Existiria, então, alguma outra alternativa?


 



No campo tecnológico, outras soluções existem, mas que se situam num horizonte de médio e longo prazo, e que inclusive não farão sequer uso de óleos vegetais. É o caso das tecnologias do GTL e do BTL que serão, num futuro próximo, responsáveis pela substituição definitiva do diesel oriundo do petróleo. Na nossa visão, seria mais lógico e oportuno investir fortemente no uso de biomassa para finalidades químicas e farmacêuticas pelo simples fato de que estes setores possibilitam um retorno social e econômico mais promissor para a região.


 



E no caso específico do Ceará?


 



O etanol ainda é a opção mais promissora em termos de biocombustíveis. Mas, infelizmente, no caso do Ceará, existem poucas áreas onde esta alternativa pode ser aplicada. Certamente temos que investir em outras fontes alternativas de energias como a eólica, onde decididamente nosso Estado possui um invejável potencial.


 



A universidade vem participando ativamente das ações em desenvolvimento, não apenas na implantação, mas no acompanhamento das experiências?


 



A participação das universidades ainda é muito modesta no que se refere aos empreendimentos industriais. Poucos são os professores que se envolvem no debate e no desenvolvimento de projetos. Normalmente, eles estão mais voltados para as questões de natureza científica. É muito rara a participação dos pesquisadores na área tecnológica e, em especial, nas inovações que ocorrem dentro das industrias. O grande referencial dos pesquisadores envolvidos com pesquisa nas nossas universidades ainda é ser bolsista do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o que considero uma distorção, em se falando de inovação e desenvolvimento tecnológico para empresas.


 



Qual é o futuro de médio e longo prazos do Brasil em relação à produção / consumo de combustíveis?


 



Com relação ao etanol, o futuro é promissor. No caso dos combustíveis derivados de óleos vegetais, o uso da tecnologia do H-Bio, isto é, da produção de diesel vegetal a partir de oleaginosas, se coloca como uma alternativa promissora, uma vez que esta não gera subprodutos, como a glicerina, além de trazer grande benefício ambiental, pois reduz o teor de enxofre presente no óleo diesel mineral para níveis aceitáveis pela atual legislação ambiental.


 



Esses investimentos em biomassa têm gerado algum efeito educativo em relação à responsabilidade do consumidor final?


 



O uso de biocombustíveis como alternativa para redução dos impactos ambientais tem despertado enorme interesse da sociedade pela redução da poluição nos grandes centros urbanos, trazendo benefícios para a saúde da população. Tenha-se como exemplo o caso das grandes cidades brasileiras, onde decididamente houve uma redução sensível nos efeitos nocivos à saúde da população pelo uso do etanol. A baixada santista é um exemplo notável pelos benefícios ambientais conseguidos. A tecnologia ´flex´ nos carros de passeio também tem despertado na população um efeito econômico extremamente positivo, que motiva uma satisfação geral. Em síntese, todas estas ações atuam no sentido de conscientizar e educar a população para uma nova época, em que os biocombustíveis serão preferidos em detrimento aos combustíveis fósseis.


 



GLOSSÁRIO



Biocombustível – Pode ser derivado da matéria orgânica seca ou de óleo combustível produzido pelas plantas


Biodiesel -Pode ser produzido a partir de diversas espécies vegetais: mamona, dendê, abacate, babaçu, mandioca, girassol, soja e outras


Biomassa – Material de origem biológica, viva ou morta, vegetal ou animal. Resultante da combinação de hidratos de carbono, sol e água, podendo ser usada como biocombustível


BTL (Biomass to Liquid) – Biomassa transformada em gás, que é liqüidificada


GTL (Gas to Liquid) – Conversão do gás natural em combustível líquido e limpo


H-Bio – Mistura óleo vegetal ao óleo mineral, obtendo diesel de maior qualidade. Inclui adição de hidrogênio, que reduz o teor de enxofre emitido no ar



Fonte: DN