Sem categoria

Walter Sorrentino: As vivandeiras da crise

O que há no ar mais uma vez é o vetusto ardil de tentar, a qualquer preço, abrir brechas no amplo apoio popular do presidente Lula. Agora, quer se tentar a mesma manobra alcançada com o governo municipal de Marta Suplicy, em São Paulo. Busca-se incendiar

Diante do acidente trágico da TAM, de saída se vaticina a culpa do governo, como causa primeira e última. Com o fogo de barragem da imprensa, nem sequer se alcança debater o problema de conjunto, com o equilíbrio exigido diante desse tipo de circunstância. Diante das evidências de erros humanos no acidente, além de possíveis irresponsabilidades da TAM, a imprensa prefere politizar, no pior sentido da palavra, a culpa primária do governo federal e as providências adotadas diante do acidente. Um exame circunstanciado deveria alcançar inclusive  os problemas de gestão de governos, no plural, porque é um cinismo incomparável não examinar, por exemplo, a danosa experiência de autonomizar instituições próprias do Estado nacional, como se deu com as agências criadas no governo FHC, ou a incúria do governo municipal e estadual de São Paulo, convivendo décadas com a não existência de transporte público e massivo para o aeroporto de Cumbica, em Guarulhos, por exemplo, ou com a falta de fiscalização urbanística em torno de Congonhas. Por que não se cansaram disso os promotores da recente manifestação em São Paulo, após 13 anos de governos estaduais tucanos?


 
A mídia grande faz, com essa politização sectária, o jogo da despolitização própria da camada elitista de São Paulo. A ela, não faz eco o compromisso com um país de menor polarização social, melhor distribuição de renda, democrático e inclusivo das maiorias sociais. Ou ainda, o que é pior, com um compromisso de nação, que exige resgatar duas décadas perdidas em desenvolvimento, em fortalecimento do Estado para atender ao interesse público, integração do continente e muitas coisas mais cuja realização demanda tempo. Em seu auto-centramento egoísta de classe, é massa de manobra fácil para as pregações moralistas.


 
O ardil funcionará contra Lula? É duvidoso, mas merece exame deste novo momento, pois de certa forma terminou a lua de mel do início do segundo mandato Lula, e já se têm em vista as eleições de 2008, ante-sala de 2010. Se a elite alcançasse sua pregação junto aos segmentos médios, principalmente no Sul-Sudeste do país, seria mais uma derrota que estes sofrerão em seu afã de melhorar de vida, já que é perceptível que parte dessa camada não tem sido ainda bem atendida em termos econômicos, permanecendo suas dificuldades desde as chamadas duas décadas perdidas em termos de desenvolvimento.
 


Mas o governo Lula tem todas as condições de manter seu pique se não se atemorizar com as ameaças e cultivar o apoio da ampla maioria da nação, que será tanto maior quanto for sua disposição de cumprir o programa do segundo turno das eleições presidenciais. Também a base política e social de sustentação tem responsabilidades nesta hora – unir-se, consolidar um núcleo avançado no seu seio, esclarecer e mobilizar os movimentos sociais, barrar o jogo da nova direita brasileira, para não perder de vista o fundamental – abrir um novo curso de desenvolvimento para o país, aprofundando a democracia, os direitos sociais, a distribuição estrutural da renda.
 


Ao menos, o ardil fornece trabalho para os as redações da grande imprensa, contaminada por uma visão sectária e inescrupulosa na exploração política. Hoje, a famosa frase de Castelo Branco, quando se referia aos civis com pregações golpistas no país desde 1930 – e das quais ele foi um exímio expoente – vem a propósito. Foi Elio Gaspari quem mais recentemente as recordou: “Eu os identifico a todos. E são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques (acampamentos) bulir com os granadeiros e provocar extravagâncias do poder militar.”


 
Hoje, não mais os bivaques dos quartéis, mas das redações da grande mídia monopolizada. Aí residem as vivandeiras da crise, correia de transmissão da oposição e dos setores conservadores incrustados também no aparelho de Estado. Elas estão em permanente plantão nessa missão, uma usina funcionando sem parar. Pelo menos é um indicador do quanto é mortífero o ódio das elites a um presidente oriundo do povo, cumprindo um mandato de interesse de ampla maioria do povo – para quem o tivesse subestimado. Motiva ainda mais as forças avançadas a se dirigirem à grande maioria, aquela que inclusive nem lê jornais, para mobilizá-la em função de seus interesses maiores, os interesses nacionais, democráticos e populares.



Walter Sorrentino é secretário nacional de organização do PCdoB