EUA: Fed mantém a linha ante o alvoroço dos mercados
Editorial publicado nesta quinta-feira (9) pelo jornal Valor Econômico analisa o posicionamento do Banco Central dos Estados Unidos, o Federal Reserve, diante do atual cenário financeiro mundial.
Publicado 09/08/2007 17:21
Confira abaixo o texto:
As apostas imediatas dos mercados se concentraram na possibilidade de o Federal Reserve, o banco central americano, acenar com a redução da taxa de juros ainda este ano para acomodar prejuízos das enormes apostas especulativas. O Fed manteve os juros ontem e provavelmente não vai se mexer até que a bagunça na ala “criativa” do jogo financeiro chegue até o salão principal e derrube as atividades econômicas ou a ameacem – no caso de quebras no sistema financeiro. Após um período de menor custo do dinheiro no mundo em mais de meio século, reduzir os juros agora para amortecer o estouro de uma bolha – que os juros extremamente baixos incentivaram – seria um contra-senso. Ou uma sandice, por trazer um socorro de última instância a especuladores destemidos, estimulando ainda mais a jogatina.
Apesar da sinalização do Fed de que nada muda, os mercados comemoraram, quando no dia anterior apostavam exatamente no oposto. Essa é uma lógica peculiar que não deve ser levada muito a sério pelas empresas que não fazem parte do cassino financeiro. Os indicadores da saúde da economia real até agora não se deterioraram e há boas chances de que continuem assim. A bagunça nos mercados especulativos pode gerar muitos efeitos, dois deles principais: um aperto forte no crédito em todas as modalidades e a erosão da credibilidade do sistema financeiro, com a elevação do risco de bancarrota de instituições de porte e/ou com grande alavancagem. Até agora, as conseqüências não são preocupantes nessas duas áreas, embora seja impossível prever o futuro.
O aperto do crédito atingiu marginalmente companhias com grau de investimento ou com ratings um pouco inferiores, da mesma forma que não trouxe aperto generalizado para o endividado consumidor americano. O peso maior da fuga do risco continua sendo carregado pelo mercado imobiliário e por seus financiadores, que pulverizaram papéis quase sem valor para o resto do sistema financeiro por meio de instrumentos financeiros que prometiam o paraíso terrestre até mesmo para quem não tem uma ficha de crédito minimamente decente. Para que o contágio atingisse pelo lado do crédito a economia real, seria necessário que o aperto sufocasse o custo do dinheiro para investimentos e capital de giro. Mas empresas americanas estão capitalizadas após vários anos de bons resultados e têm hoje fluxo de caixa suficiente para bancar suas despesas de capital. A situação das empresas nos demais mercados desenvolvidos é igualmente confortável, apesar da sinalização de juros maiores já feitas pelos bancos centrais japonês e europeu.
À parte a banda podre especulativa, os defaults no mundo real não estão crescendo. Como aponta o Deutsche Bank, a taxa de default global está em 1,38%, perto de seu menor nível histórico (The Economist, 7 de agosto). Mesmo as taxas de risco, que subiram de forma geral, especialmente para os títulos de países emergentes, são hoje não mais de um terço das praticadas no período anterior de turbulência, após a falência da Enron e Worldcom, em 2002.
Os riscos maiores provêm da erosão do crédito para hedge funds e seus financiadores, os grandes bancos. Uma quebra de grandes proporções poderia lançar ondas de choque no mercado que trariam um abalo global. A época de juro barato e farta liquidez desmontou a prudência bancária e acelerou a busca por rentabilidade em detrimento do risco. A montanha de títulos “podres” espalhada pelos bancos nos mercados de derivativos pode cobrar um preço em breve, embora esteja tão pulverizada e seja de tão difícil precificação que é impossível saber onde estão os elos mais fracos da cadeia e o tamanho dos rombos potenciais. De qualquer forma, a saúde dos bancos continua boa, com lucros em alta. Há suspeitas de que as perdas dos bancos estão sendo acobertadas por provisões subestimadas. Essas provisões subirão para evitar a realização imediata de prejuízos com títulos em carteira que nada valem hoje, mas poderão valer algo no futuro. Não há indícios de prejuízos fantásticos recaindo sob poucas e conhecidas instituições tradicionais do mercado, o que soaria o alarme de uma crise de maiores proporções. Até que isso se torne iminente, o Fed provavelmente não se moverá.
Fonte: Valor Econômico