Emir Sader na cruzada da alfabetização para organizar o povo
Para Emir Sader, “no Brasil de hoje, o povo responde pelo apoio a Lula, diante das reiteradas ofensivas da direita. Um povo contemplado pela combinação das mais amplas políticas de assistência social, de micro-crédito, de eletrificação rural, de elevação
Publicado 13/08/2007 20:43
Alfabetização para a organização do povo
Por Emir Sader
O povo foi sempre o grande ausente da história brasileira. No lugar das guerras de independência – que em outros países do continente expulsaram os exércitos dos colonizadores, chamando ao período colonial pelo que realmente foi – uma invasão exploradora -, tivemos um pacto de elite, entre pai e filho, em que o poder era passado de uma cabeça a outra como se fosse independência, “antes que algum aventureiro o faça”, em que aventureiro seria algum representante do povo, como tinha sido Tiradentes. As principais vítimas desse primeiro pacto de elites: a república, porque passamos de colônia à monarquia, e os escravos, que tiveram seu martírio prolongado por várias décadas mais.
No lugar do fim da abolição pelas lutas populares, ela foi consagrada na historiografia oficial como uma dádiva da “bondosa” princesa Isabel, depois que o pacto de elites da independência tinha adiado por décadas o fim da escravidão, fazendo do Brasil o último país do continente a terminar com ela e permitindo que nesse intervalo de tempo os latifundiários tivessem podido legalizar a posse da terra e fazer com que os ex-escravos fossem condenados à pobreza, identificando negro com pobre. A questão da escravidão se desdobrava na questão da terra monopolizada pelos latifúndios, com todas suas conseqüências até hoje presentes no Brasil.
A independência, finalmente decretada no final do século 19, viu o povo assistir “bestificado” a um desfile militar que não instaurou a república, mas um sistema oligárquico referendado pelo voto de cabresto dos coronéis. A própria Revolução de 30 – o movimento político de conseqüências mais transcendentes, até aqui, para a história do país – foi feita com o lema “Façamos a revolução, antes que o povo a faça”.
Mais recentemente, o fim da ditadura militar desembocou em um acordo entre partidos da oposição liberal e um oriundo do velho regime, terminando com o ex-presidente do partido da ditadura, José Sarney, eleito, não pelo voto popular, mas por um Colégio Eleitoral com representantes biônicos nomeados pelo regime militar, como o primeiro presidente civil em mais de 20 anos. O regime instalado sem participação popular – o povo foi derrotado porque a campanha por eleições diretas não obteve os 2/3 necessários no Congresso, abrindo campo para mais esse pacto de elite.
No Brasil de hoje, o povo responde pelo apoio a Lula, diante das reiteradas ofensivas da direita. Um povo contemplado pela combinação das mais amplas políticas de assistência social, de micro-crédito, de eletrificação rural, de elevação do salário mínimo, de controle dos preços dos produtos básicos. No entanto, não é um povo organizado, em condições de defender essas conquistas e de expressar sua força no campo político.
A organização dessas imensas massas populares, que hoje estão fora dos partidos de esquerda e dos movimentos sociais é a tarefa essencial do presente. Da capacidade desses setores de transformar sua força social em força política e ideológica depende o futuro da esquerda e do próprio país.
O melhor instrumento para isso é uma campanha nacional maciça de erradicação do analfabetismo em três anos, levado a cabo pelos movimentos sociais, pelos partidos de esquerda, por organizações sociais e culturais, por instâncias do governo. Contamos com o melhor método de alfabetização – o método Paulo Freire -, com uma militância jovem – especialmente do movimento estudantil – e com necessidades elementares de terminar com o analfabetismo no Brasil.
Este é um grande desafio que pode colocar as forças populares à altura dos desafios do presente, rompendo a passividade a que a luta política de cúpula condena a militância de base e a grande massa da população, incluindo a beneficiada pelas políticas governamentais. Conseguiríamos um avanço fundamental na luta pela elevação do nível educativo, cultural e de consciência da população pobre do país e ajudaríamos na criação de organizações de base da grande maioria do povo brasileiro.