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EUA suprimiram partes de documento sobre aquecimento global

“Aquecimento? Não vi” é o título de uma matéria da revista britânica The Observer publicada em junho de 2005, um mês antes da reunião do G-8, em Gleneagles (Escócia), sobre a supressão de parte do documento encaminhado para discussão dos paíse

Os EUA retiraram quaisquer referências ao fato de que as mudanças climáticas são uma ameaça séria para a saúde humana e para os ecossistemas.



Apagaram sugestões de que o aquecimento global já teria sido iniciado.



Expurgaram qualquer sugestão de que a atividade humana seria a culpada pelas mudanças climáticas.



Algumas frases retiradas pela Casa Branca:



Exceto com a tomada de medidas urgentes, enfrentaremos um risco cada vez maior de efeitos adversos no de-senvolvimento econômico, na saúde humana, e no ambiente natural, e mudanças irreversíveis a longo prazo de nosso clima e oceanos.



Nosso mundo está se aquecendo. A mudança climática é uma ameaça séria que tem no potencial de afetar todas as partes do globo. E precisamos saber que as atividades humanas estão contribuindo para o aquecimento. Essa é uma questão com a qual precisamos lidar com urgência.



No mesmo período as principais academias de ciências das nações do G-8, incluindo a Academia Nacional de Ciências dos Estados Unidos, emitiram um comunicado dizendo que as provas de mudanças climáticas são sufi-cientemente claras para que os líderes mundiais agissem.



A posição do governo Bush em relação às mudanças climáticas provocou muitas situações adversas, para os cientistas que discordavam de tal orientação.



Distorcer a Ciência



O governo Bush, registra The Observer, durante os últimos quatro anos (primeiro governo) batalhou contra os principais climatologistas americanos e interferiu continuamente em pesquisas que pudessem corroborar a rela-ção entre atividades humanas e mudanças climáticas.



Nessa onda, a Casa Branca bloqueou a nomeação do principal climatologista americano, Robert Watson, para a liderança do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas. Em função disso, o vice-diretor do Escritó-rio do Programa Americano de Pesquisa sobre Mudanças Globais, Rick Piltz pediu demissão. Assim como Je-remy Symons, da Agência de Proteção Ambiental (EPA).



A situação chegou a um nível crítico, que 60 cientistas, incluindo 12 premiados com o Nobel, 11 com a National Medal of Science, três com o prestigiado Prêmio Crafoord, dois ex-assessores presidenciais de ciências e vários reitores de universidades e presidentes de institutos de pesquisa, endossaram um relatório da organização União dos Cientistas Engajados (UCS), acusando Bush de enganar o público e distorcer a ciência, de acordo com sua vontade política, assim como fez com os relatórios da CIA sobre “armas de destruição em massa” do Iraque.



O documento aponta vários fatos que foram ocultados, desde a poluição por mercúrio perto de termoelétricas, a produção de bactérias resistentes a antibióticos pela criação de porcos, a troca de peritos científicos por repre-sentantes de empresas e igrejas em órgãos consultivos do governo federal, o apagamento e revisão de trechos de relatórios científicos, entre outros.



James Hansen, diretor do Instituto de Estudos Espaciais Goddard da Nasa também recebeu censura por seus alertas a respeito do aquecimento global. Ele é especialista nas regiões polares e no desequilíbrio energético, que afeta o planeta atualmente.



Nesse contexto podemos citar ainda o caso do relatório secreto do Pentágono, tornado público pela imprensa em fevereiro de 2004. Estudo feito a pedido do conselheiro Andrew Marshall, considerado um dos inspiradores do pensamento militar nos últimos 30 anos. O trabalho foi realizado por Peter Schwartz, consultor da CIA e ex-chefe de planejamento do Grupo Royal Dutch Schell, e por Doug Randall, da Global Business Network, com sede na Califórnia.



Posição indefensável



Eles traçaram uma série de conseqüências para o mundo, entre os anos 2010 e 2020, com o agravamento das mudanças climáticas. Relatório considera um cenário catastrófico, secas, enchentes, guerras entre os povos, mas apontava para o fato da “mudança climática deveria ser elevada além do debate científico para uma preocupação de segurança nacional norte-americana.”



Um cenário de mudanças climáticas catastróficas e iminentes é plausível e desafiaria a segurança nacional nor-te-americana de maneira que deveriam ser imediatamente consideradas, disseram os autores.



Justamente nessa época, um grupo de cientistas britânicos visitou a Casa Branca para manifestar sua preocupa-ção com a posição do governo. Entre os cientistas estava o professor Johen Schellnhuber, ex-conselheiro chefe sobre meio ambiente do governo alemão e líder do principal grupo de cientistas climáticos do Reino Unido no Tyndall Centre for Climate Research.



A preocupação americana se voltava contra as declarações do principal assessor científico do governo britânico, Sir David King, que considera a posição da Casa Branca “indefensável”. Tanto King como Sir John Hougton, antigo diretor do Metereological Office, classificam a mudança climática um evento pior do que o terrorismo.



Bob Watson, cientista-chefe do Banco Mundial, na época, comentou que os avisos do Pentágono não poderiam ser ignorados: “É difícil ignorar esse tipo de documento que é profundamente vergonhoso. Afinal, a principal prioridade de Bush é a defesa nacional. O Pentágono não é um grupo liberal ou maluco, em geral é conservador. Se a mudança climática for uma ameaça à segurança nacional e a economia, ele tem que agir”.



Randall, um dos autores do estudo, comentou em entrevista ao The Observer: “É uma ameaça a segurança nacional que é única, porque não existe um inimigo para apontar nossas armas e não temos controle sobre a ameaça. É óbvio o ponto de vista bélico do Pentágono, além de considerar a população da Terra maior do que pode sustentar, mas de qualquer forma, os Estados Unidos venceriam os problemas sem grandes perdas”.



A situação também provocaria uma corrida de imigrantes famintos da Ásia, África e América. Por mera coincidência, as verbas para a construção do muro na fronteira do México já estão garantidas.



Força Tarefa



É interessante notar que esses fatos aconteceram há dois, três anos. Depois ocorreu o furacão Katrina, a temporada de furacões de 2005 – 26 no total, acima dos 21 previstos — foi a pior dos últimos tempos. Em 2005, o ex-premier Tony Blair ainda convocou uma força tarefa com objetivo de estudar os efeitos das mudanças climáticas e ela apontou:


 


“Com dois graus acima na temperatura média do planeta, em relação a 1750 é o ponto de risco do aquecimento global, aumento na temperatura acima do qual o mundo estará irrevogavelmente condenado a mudanças desastrosas”.



Para contabilizar os prejuízos o governo britânico encomendou no ano seguinte, um estudo realizado pelo ex-economista chefe do Banco Mundial, Nicholas Stern – Relatório Stern. Divulgado no início de 2007, considera uma queda de até 30% no PIB mundial, em decorrência das mudanças climáticas”.



Paulo Artaxo, físico da USP, integrante do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), escreveu em um dos seus trabalhos recentes: “Observamos nos últimos 20 anos, que na verdade o ecossistema terrestre está sofrendo pressões ambientais que estão alterando seus modos básicos de funcionamento, em particular o balanço da radiação atmosférica, além de outros mecanismos. As conseqüências disso serão significativas, embora a ciência ainda não possa prever com exatidão quando, onde e quais serão as conseqüências. O consenso científico global é que não devemos esperar para que o pior aconteça. Pode ser tarde demais”.


 


O clima é um sistema caótico e volátil, afetado por muitos fatores, como diz o jornalista Antônio Luiz Monteiro da Costa, especialista da revista Carta Capital nesta questão, “é difícil demonstrar cabalmente, por meios estatísticos, que o fenômeno se deve à atividade humana e não a mera flutuação estatística ou a ciclos naturais. Podem ser necessários 50 anos para que o número de observações crie suficiente certeza estatística para obrigar os mais céticos a dar o braço a torcer.”



O professor Vittorio Canuto, também físico, ligado ao Instituto de Estudos Espaciais Goddard da Nasa, diz que “esse é o assunto mais interdisciplinar que já vi em toda a minha carreira”.



“Não há no mundo quem possa resolver a partir exclusivamente de sua área o tema. Físicos, biólogos, geólogos, matemáticos, engenheiros, políticos, todos, enfim, temos que ajudar com o pouco que podemos para obter uma visão de conjunto… houve um incremento na magnitude do efeito estufa produzido pela ação antrópica (humana), que é chamado de aquecimento global. Portanto, não é uma opinião, uma teoria, mas uma realidade sobre a qual baseamos nossos cálculos”.



Recrutamento



A controvérsia existe no meio científico porque alguns não concordam com a influência humana, antrópica, como dizem, no clima. Eminentes cientistas, com extensos currículos para comprovar seu conhecimento. Há pouco tempo, os jornais britânicos The Guardian e The Independent publicaram a história do lobista do Competitive Enterprise Institute (CEI), de Washington (co-fundado pela Exxon Mobil), Chris Horner, advogado representante da Cooler Heads Coalition, com o objetivo de “dissipar o mito do aquecimento global”.



Principalmente, convencer os governos europeus a ficar fora da próxima etapa do Protocolo de Quioto, que começará em 2012. Nos Estados Unidos a Global Climate Coalition, fundada pelas empresas de petróleo na década de 1990 fez a mesma coisa. Os custos de Quioto seriam insuportáveis para a Europa.



O programa divulgado para empresas interessadas, visa cooptar acadêmicos, institutos de pesquisas, comentaristas , jornalistas e lobistas para a Coalizão Européia para uma Política Climática Sólida, a ser criada em Bruxelas, e financiada por seis empresas, entre elas a Exxon.



A proposta inclui preparo de relatórios de posicionamento, recrutamento de peritos prontos a atuar como conselheiros e porta-vozes e formação de redes de apoio, instantaneamente disponíveis a qualquer empresa ou político interessado em questionar a adesão ao Protocolo.



Prejuízos das Seguradoras



Quem está realmente preocupado com as conseqüências do efeito estufa são os dirigentes das seguradoras internacionais. Em 1992, elas perderam US$22 bilhões com o furacão Andrew. Cerca de 50% das perdas seguradas devidas a catástrofes naturais dos últimos 40 anos ocorreram desde 1990.



Uma preocupação que aumentou quando um a reunião da associação americana de corretores de seguros para discutir a questão teve de ser cancelada. Estava marcada para 8 de setembro de 2005, em Nova Orleans.



As seguradoras britânicas publicaram no ano passado um estudo segundo o qual as perdas com grandes tempes-tades devidas ao aquecimento global aumentarão em dois terços até 2080 e as seguradoras terão de aumentar em 90% o capital de cobertura dos furacões nos EUA e em 80% para os tufões japoneses.



Estudos da classificadora de seguros AM Best indicam que o aquecimento global pode causar catástrofes, que custarão US$100 bilhões aos seguradores, valor equivalente à soma dos patrimônios líquidos das 25 maiores resseguradoras do mundo.



“Sempre se pode achar um cientista que diz o oposto do que os outros estão dizendo”, comentou o diretor de riscos emergentes e de sustentabilidade da resseguradora Swiss Reinsurance, Ivo Menzinger, ao jornal Washington Post, “mas a maioria dos cientistas hoje reconhece que o aquecimento global existe”; A empresa trabalha com a idéia do aquecimento global desde 1994.



Chegamos a 2007. Saíram os relatórios do Painel Intergovernamental de Mudanças Climáticas(IPCC), alertando os governos e a população mundial para os perigos que podem ocorrer com as mudanças climáticas em curso, se nada for feito. Bush esteve no Brasil e agora fala em combustíveis alternativos e redução no uso de derivados de petróleo. Quer convocar os países em desenvolvimento – China, Índia, Brasil, México e África do Sul — e discutir soluções. Nada de fixar metas, compromissos. Apenas tratar de negócios, de tecnologias. Mesmo assim, algo mudou nestes três anos decorridos.



*Najar Tubino é jornalista, autor do livro “O Equilíbrio”. Nos últimos anos tem se especializado nas questões do funcionamento do Planeta, e atualmente divulga o seu trabalho na palestra “Uma visão holística e atual sobre a integração do Planeta”.


 


Artigo publicado no site Via Política