Cooperativas revelam força na greve dos médicos no nordeste
A greve dos médicos em Estados do Nordeste revelou um fenômeno novo no país: governos estaduais e municipais têm que negociar com as cooperativas médicas, que funcionam como intermediárias entre as instituições e os profissionais. A avaliação é de pesq
Publicado 26/08/2007 17:16
O poder de participação nas cooperativas chegou a um tal nível que Estados como Paraíba, Pernambuco, Ceará, Rio Grande do Norte e Espírito Santo dependem delas para compor o quadro de profissionais -sobram vagas nos concursos públicos.
A equação é simples: desmotivados pelos baixos salários no SUS, os médicos preferem deixar o serviço público -ou nem ingressar nele- e se associar às cooperativas. Assim, prestam serviços tanto ao setor suplementar como ao público, chegando a triplicar seus ganhos.
''Fizemos um grande concurso, mas a gente não consegue contratar os especialistas, eles não participam'', diz Anselmo Tose, secretário da Saúde do Espírito Santo.
Em Pernambuco, das 142 vagas oferecidas em uma seleção em abril, só 86 foram preenchidas. Dos cerca de cem médicos que pediram demissão neste mês, 13 neurocirurgiões não voltaram ao trabalho e querem formar uma cooperativa, segundo a pasta da Saúde.
Na Paraíba, de 70% a 90% dos profissionais mantêm vínculos com cooperativas. No Ceará, a situação é semelhante: cerca de 52% dos profissionais dos hospitais são terceirizados ou ligados a cooperativas.
Reféns
''O Estado pode ficar refém das cooperativas'', diz João Ananias, secretário da Saúde do Ceará. Para Adelmaro Cavalcanti Júnior, secretário da Saúde do Rio Grande do Norte, em seu Estado o risco já é realidade, com a dependência das cooperativas de especialidades.
O secretário da Saúde de Alagoas, André Valente, disse que durante a greve dos médicos, que terminou na quinta-feira (23), foi cogitada a opção de contratar cooperativas, depois abandonada. ''Experiências em outros Estados mostram que não é a melhor alternativa. Elas sabem o poder que têm e podem usar isso contra o Estado.''
No Espírito Santo, por exemplo, os médicos recebiam no máximo R$ 2.000 mensais no serviço público.
Organizados em cooperativas, passaram a ganhar R$ 6.000 pelas mesmas tarefas, segundo José Augusto Ferreira, presidente da Fencom.
''A cooperativa torna o médico mais forte, dá mais segurança, como estamos vendo no Nordeste. A cooperativa suporta um movimento desse'', diz.
Defesa
Lígia Bahia, pesquisadora do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde, afirma que a disseminação das cooperativas fragiliza o sistema público de saúde. ''[Elas] Não têm a perspectiva de SUS, de saúde universal.''
O Ministério Público do Trabalho também está preocupado com essa expansão. Por um acordo com a Procuradoria Regional do Trabalho da Paraíba, o Estado e a Prefeitura de João Pessoa não poderão manter contratos com profissionais de saúde por meio de cooperativas a partir de 31 de dezembro.
''Estava havendo uma manipulação da saúde pública por essas entidades'', diz o procurador do Trabalho Eduardo Varandas. Ferreira, da Fencom, discorda. ''A cooperativa é um mecanismo de defesa do médico'', afirma.