Agora prefiro conversar a R$ 1,23 por minuto
Para o município de Ervália, na Zona da Mata mineira, o dia 11 de agosto foi marcante: a operadora Claro inaugurou a primeira torre de celular da cidade. No dia de estréia, o secretário de Governo de Aécio Neves, Danilo de Castro, foi representante do gov
Publicado 28/08/2007 13:58
Ervália possui, segundo último levantamento do IBGE, apenas cerca de 18 mil habitantes, em sua maioria moradores de zona rural. Muito antes de os celulares começarem a funcionar, grande parte desses moradores já havia comprado seu aparelho, na loja há muito instalada. Alguns, deslumbrados com a tecnologia, fingiam conversar por celular antes mesmo da torre ter sido inaugurada.
Na banca montada pela operadora, uma pequena multidão se amontoava para adquirir algum aparelho e os cartões com os créditos para as ligações. De acordo com a última tabela de tarifas da empresa, cada ligação dentro da cidade custa R$ 1,23 por minuto. Depois da instalação da torre, vários moradores só conversam entre si via celular — às vezes no mesmo quarteirão. Talvez desacostumados com a rapidez com que corre cada minuto, muitos já tiveram que comprar novos cartões várias vezes nas últimas duas semanas.
Numa cidade em que a renda mensal média da população é de 263 reais, pergunto-me até que ponto a chegada da telefonia celular foi benéfica para aquele povo, morador da antiga São Sebastião dos Aflitos — nome apropriado para um lugar pobre, com poucos recursos e por muito tempo isolado dos grandes centros. Terão dinheiro para os mantimentos básicos do mês?
Essa história já deve ter-se repetido em milhares de municípios brasileiros. E vai-se repetir com freqüência assustadora nos próximos meses, depois que Aécio Neves assinou, em 17 de agosto, um contrato de prestação de serviços com a Oi, Claro e Telemig para garantir a cobertura de 100% do estado de Minas. Segundo o site da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, até outubro do ano que vem, “as 412 cidades que atualmente não contam com esses serviços, e uma população de 2,5 milhões de pessoas serão beneficiados pelo Programa de Universalização do Acesso a Serviços de Telecomunicações de Minas Gerais (Minas Comunica).” Repito, enfaticamente: serão, mesmo, beneficiadas?
Para levar o celular a esses pequenos municípios mineiros, as três operadoras contam com financiamento do Fundo de Universalização do Acesso a Serviços de Telecomunicação em Minas Gerais (Fundomic), criado especificamente para isso, com recursos do Tesouro Estadual e do BID. O governo destinou nada menos que R$ 163,5 milhões ao Fundomic e escolheu as operadoras por meio de licitação.
Esse empurrãozinho dado pelo governo — com dinheiro público — vai incrementar ainda mais o lucro das empresas privadas de telefonia móvel. Ervália é só uma partícula dos ganhos polpudos da Claro, que teve um resultado operacional (Ebit) no último trimestre de R$ 174 milhões. Se for verdade o que afirma o presidente João Cox, que o endividamento da operadora foi “insignificante”, temos aí lucros líquidos exorbitantes.
Mas a empresa está obstinada a sair do segundo lugar na fatia do mercado: responde, atualmente, por 24,6%, segundo a Anatel, atrás somente da Vivo, que no começo do mês comprou a Telemig e a Amazônia Celular por R$ 1,213 bilhão e alcançou 32,9% do gordo segmento de telefonias móveis. No meio do caminho, temos a OI (TNL), antiga Telemar, que fechou o segundo trimestre deste ano com R$ 102,5 milhões de lucro líquido.
E daí? Daí que eu estava pensando em quem dá os maiores lucros para essas monstruosidades empresariais. As pessoas mais humildes que conheço exibem alegremente o último modelo de aparelho celular — com câmera, rádio, MP3 player e o diabo-a-quatro —, que, geralmente, tiveram que comprar, a um custo muito alto, muitas vezes dividido em dezenas de prestações.
Por terem renda mais baixa, não têm grana para investir em planos de contas fixas e ganhar um aparelho de graça. Também não têm descontos e promoções, porque são os clientes que menos interessam às operadoras. E, ainda assim, fazem questão de conversar no celular com o vizinho do outro lado da rua de Ervália, enquanto os minutos correm insistentemente a R$ 1,23 e as refeições diárias continuam se fazendo mais necessárias.
Enquanto isso, quem tem dinheiro possui benefícios, planos diferenciados, aparelhos gratuitos, mil e uma vantagens em nome da fidelização. Mais: têm dinheiro para comprar as ações das operadoras e investir num segmento tão lucrativo. Viram capitalistas. Nos bancos que negociam esses títulos, não pagam tarifas de conta-corrente, têm juros irrisórios de cheque especial, limite infinito no cartão de crédito.
Numa economia mundial de riquezas sem lastro e de absurdos da imaginação como o risco-país, o desejo dos pobres vale ouro. E o governo de Minas, parceiro das ricas empresas privadas, já aprendeu a explorar o pote no fim do arco-íris.
As informações sobre o frenesi em Ervália me foram passadas por uma amiga que tem parentes lá. Também encontrei algumas na comunidade da cidade no Orkut, com mais de 1.800 integrantes e um tópico sobre o assunto. Os dados sobre lucro líquido trimestral das operadoras, tarifas e composições, foram retirados dos sites oficiais e de algumas matérias de Economia. Outras questões mais subjetivas sobre a importância do celular, a cultura da conversação virtual e a importância econômica dos produtos supérfluos, deixarei para posts futuros.
Cristina Moreno de Castro escreve para o blog Tamos com Raiva. Artigo reproduzido da Revista Novae.