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Agora prefiro conversar a R$ 1,23 por minuto

Para o município de Ervália, na Zona da Mata mineira, o dia 11 de agosto foi marcante: a operadora Claro inaugurou a primeira torre de celular da cidade. No dia de estréia, o secretário de Governo de Aécio Neves, Danilo de Castro, foi representante do gov

Ervália possui, segundo último levantamento do IBGE, apenas cerca de 18 mil habitantes, em sua maioria moradores de zona rural. Muito antes de os celulares começarem a funcionar, grande parte desses moradores já havia comprado seu aparelho, na loja há muito instalada. Alguns, deslumbrados com a tecnologia, fingiam conversar por celular antes mesmo da torre ter sido inaugurada.



Na banca montada pela operadora, uma pequena multidão se amontoava para adquirir algum aparelho e os cartões com os créditos para as ligações. De acordo com a última tabela de tarifas da empresa, cada ligação dentro da cidade custa R$ 1,23 por minuto. Depois da instalação da torre, vários moradores só conversam entre si via celular — às vezes no mesmo quarteirão. Talvez desacostumados com a rapidez com que corre cada minuto, muitos já tiveram que comprar novos cartões várias vezes nas últimas duas semanas.



Numa cidade em que a renda mensal média da população é de 263 reais, pergunto-me até que ponto a chegada da telefonia celular foi benéfica para aquele povo, morador da antiga São Sebastião dos Aflitos — nome apropriado para um lugar pobre, com poucos recursos e por muito tempo isolado dos grandes centros. Terão dinheiro para os mantimentos básicos do mês?



Essa história já deve ter-se repetido em milhares de municípios brasileiros. E vai-se repetir com freqüência assustadora nos próximos meses, depois que Aécio Neves assinou, em 17 de agosto, um contrato de prestação de serviços com a Oi, Claro e Telemig para garantir a cobertura de 100% do estado de Minas. Segundo o site da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, até outubro do ano que vem, “as 412 cidades que atualmente não contam com esses serviços, e uma população de 2,5 milhões de pessoas serão beneficiados pelo Programa de Universalização do Acesso a Serviços de Telecomunicações de Minas Gerais (Minas Comunica).” Repito, enfaticamente: serão, mesmo, beneficiadas?



Para levar o celular a esses pequenos municípios mineiros, as três operadoras contam com financiamento do Fundo de Universalização do Acesso a Serviços de Telecomunicação em Minas Gerais (Fundomic), criado especificamente para isso, com recursos do Tesouro Estadual e do BID. O governo destinou nada menos que R$ 163,5 milhões ao Fundomic e escolheu as operadoras por meio de licitação.



Esse empurrãozinho dado pelo governo — com dinheiro público — vai incrementar ainda mais o lucro das empresas privadas de telefonia móvel. Ervália é só uma partícula dos ganhos polpudos da Claro, que teve um resultado operacional (Ebit) no último trimestre de R$ 174 milhões. Se for verdade o que afirma o presidente João Cox, que o endividamento da operadora foi “insignificante”, temos aí lucros líquidos exorbitantes.


 


Mas a empresa está obstinada a sair do segundo lugar na fatia do mercado: responde, atualmente, por 24,6%, segundo a Anatel, atrás somente da Vivo, que no começo do mês comprou a Telemig e a Amazônia Celular por R$ 1,213 bilhão e alcançou 32,9% do gordo segmento de telefonias móveis. No meio do caminho, temos a OI (TNL), antiga Telemar, que fechou o segundo trimestre deste ano com R$ 102,5 milhões de lucro líquido.



E daí? Daí que eu estava pensando em quem dá os maiores lucros para essas monstruosidades empresariais. As pessoas mais humildes que conheço exibem alegremente o último modelo de aparelho celular — com câmera, rádio, MP3 player e o diabo-a-quatro —, que, geralmente, tiveram que comprar, a um custo muito alto, muitas vezes dividido em dezenas de prestações.



Por terem renda mais baixa, não têm grana para investir em planos de contas fixas e ganhar um aparelho de graça. Também não têm descontos e promoções, porque são os clientes que menos interessam às operadoras. E, ainda assim, fazem questão de conversar no celular com o vizinho do outro lado da rua de Ervália, enquanto os minutos correm insistentemente a R$ 1,23 e as refeições diárias continuam se fazendo mais necessárias.



Enquanto isso, quem tem dinheiro possui benefícios, planos diferenciados, aparelhos gratuitos, mil e uma vantagens em nome da fidelização. Mais: têm dinheiro para comprar as ações das operadoras e investir num segmento tão lucrativo. Viram capitalistas. Nos bancos que negociam esses títulos, não pagam tarifas de conta-corrente, têm juros irrisórios de cheque especial, limite infinito no cartão de crédito.



Numa economia mundial de riquezas sem lastro e de absurdos da imaginação como o risco-país, o desejo dos pobres vale ouro. E o governo de Minas, parceiro das ricas empresas privadas, já aprendeu a explorar o pote no fim do arco-íris.



As informações sobre o frenesi em Ervália me foram passadas por uma amiga que tem parentes lá. Também encontrei algumas na comunidade da cidade no Orkut, com mais de 1.800 integrantes e um tópico sobre o assunto. Os dados sobre lucro líquido trimestral das operadoras, tarifas e composições, foram retirados dos sites oficiais e de algumas matérias de Economia. Outras questões mais subjetivas sobre a importância do celular, a cultura da conversação virtual e a importância econômica dos produtos supérfluos, deixarei para posts futuros.



Cristina Moreno de Castro escreve para o blog Tamos com Raiva. Artigo reproduzido da Revista Novae.