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Livro revela como a mídia interferiu nas eleições 2006

O recém-lançado A Mídia nas Eleições de 2006 é enfático: a pluralidade da internet e o surgimento de novas lideranças sociais foram decisivos no resultado do último pleito presidencial. O livro foi organizado pelo pesquisador Venício A. de Lima,

Como surgiu o livro A Mídia nas Eleições de 2006? O que o senhor, como organizador, pretendeu com ele?
O livro foi uma iniciativa da editora (Fundação Perseu Abramo), que me convidou para fazer uma proposta. Eu fiz uma proposta, discuti com a editora, ela aceitou. Então nós partimos para convidar as pessoas que eu achei que poderiam contribuir.


 


A minha proposta foi de um livro que fosse, ao mesmo tempo, uma análise da relação da mídia com as eleições de 2006 e que também fosse um documento sobre as eleições. De tal forma que, se daqui a alguns anos, alguém quiser saber o resultado das eleições e os documentos da relação da mídia com o processo eleitoral, possa recorrer a ele.


 


A que perguntas o livro tenta responder?
O plano do livro foi responder a três questões básicas: como é que foi a cobertura da imprensa da campanha eleitoral, qual foi o papel da mídia nas eleições e de que forma essa relação entre mídia e eleições pode ser aperfeiçoada na democracia brasileira.


 


E além das respostas a essas três questões, tem um anexo com as três principais reportagens de capa da CartaCapital que saíram imediatamente depois do primeiro turno das eleições e tem a resposta que o diretor-executivo de Jornalismo da Rede Globo deu à primeira dessas matérias. Tem também a carta do jornalista Rodrigo Vianna, que foi demitido da Rede Globo.


 


Nós queríamos publicar a resposta do diretor de Jornalismo da Globo em São Paulo a essa carta, mas ele não autorizou. Então nós damos a indicação de onde essa carta pode ser encontrada na internet. É um comunicado à imprensa, na verdade. 


 


E tem também uma compilação feita diretamente dos dados do TSE dos resultados da eleição para os dois principais candidatos, tanto no primeiro turno quanto no segundo turno, estado por estado. Então são, na verdade, 11 capítulos, cinco anexos, além de uma grande introdução geral que eu mesmo fiz, que busca fazer uma espécie de resumo dos pontos principais dos capítulos do livro.


 


Em relação às perguntas que o livro pretende responder, vamos por tópicos. A primeira: como foi a cobertura jornalística das eleições? A que resposta foi possível chegar?
Nós solicitamos estudos a três instituições diferentes – o capítulo brasileiro do Media Watch Global, que é o Observatório Brasileiro de Mídia, o instituto Doxa que é ligado ao Iuperj, da Faculdade Cândido Mendes no Rio de Janeiro, e o Centro de Altos Estudos em Publicidade e Marketing (CAEPM) da Escola Superior de Propaganda e Marketing de São Paulo (ESPM-SP) – que fizeram um acompanhamento sistemático da cobertura da mídia durante as eleições.


 


Esse instituto da ESPM fez um estudo pioneiro dos sites de relacionamento na internet. Já o OBM e o Doxa fizeram o acompanhamento da mídia impressa. O OBM fez dos cinco principais jornais de referência nacional e das quatro revistas. O Doxa, dos principais jornais. Tem a diferença de um jornal cujos resultados não estão nesse relatório, que, salvo engano, é o Jornal do Brasil. Mas, nessa primeira parte, a conclusão dos estudos que fizeram análise da mídia é que a cobertura foi, de maneira muito clara, desequilibrada a favor de um dos candidatos.


 


A favor de quem?
A gente tem lá longos relatórios de pesquisa que não podem ser contestados do ponto de vista da sua seriedade e da validade da metodologia com a qual eles foram elaborados. Ficou muito claro que, na sua maioria, a mídia impressa cobriu de forma desequilibrada as eleições e que, com exceção da revista CartaCapital, esse desequilíbrio favoreceu o candidato do PSDB.


 


Mas esse desequilíbrio não pode ser atribuído ao calor da crise do mensalão em 2005?
Pode, mesmo porque a cobertura da crise também foi desequilibrada. Embora, em imensa parte do livro, esses relatórios não façam essa conexão. Mas, nos artigos da segunda parte, pelo menos dois textos fazem claramente essa conexão.


 


A que se deve esse desequilíbrio? A uma deliberação dos próprios veículos de comunicação?
As pesquisas constataram o desequilíbrio. A que atribuir isso? As pesquisas não estavam em busca dessa resposta. Porque a pesquisa é uma observação factual de acordo com determinados critérios metodológicos. Não tem como atribuir por que isso aconteceu.


 


Na segunda parte, que é mais analítica e não tem o compromisso da pesquisa, por exemplo, tem um artigo escrito pelo Bernardo Kucinski em que ele levanta hipóteses sobre o que ele chama de antilulismo, que prevaleceu entre os jornalistas, por exemplo. Ele constata que entre os jornalistas mais jovens foi desenvolvendo-se um antilulismo que tem componente, inclusive, o preconceito de classe.


 


Aí já é uma coisa mais de interpretação analítica que corre pela responsabilidade de cada um dos analistas. Mas os institutos só constataram o desequilíbrio. Eles não têm, na verdade, como avançar na explicação da razão desse desequilíbrio.


 


É possível identificar quando esse desequilíbrio se tornou mais evidente?
Depende. Por exemplo, há momentos em que a relação de colunas favoráveis a um dos candidatos chegou a quatro por um, segundo o Observatório da Mídia. O pico de cobertura negativa em relação a um candidato e positiva em relação a outro coincide com a divulgação do dinheiro que teria sido usado para comprar aquele suposto dossiê que foi revelado por um delegado da Polícia Federal.


 


As matérias negativas tiveram alguma influência no fato de a eleição ter ido para o segundo turno? É possível averiguar isso ou não?
Um dos capítulos mais interessantes do livro é um artigo do Marcos Coimbra, do Vox Populi, que tem inclusive um título provocativo que é “A mídia teve algum papel durante o processo eleitoral de 2006?”.


 


É um artigo longo que, inclusive, tem uma fundamentação teórica muito interessante, apesar da conclusão do artigo ser de que, de um modo geral, a importância da mídia nos resultados tenha sido pequena. O momento em que, segundo o artigo, não há nenhuma dúvida de que houve interferência direta da cobertura da mídia foi na semana que antecedeu à realização do primeiro turno. Ele mostra isso com base no acompanhamento feito pelo Vox Populi.


 


O senhor acredita que os sites e os blogs, de maneira em geral, tiveram um papel importante nesse processo também?
Essa pesquisa da ESPM trabalhou, sobretudo, com o Orkut. E no Orkut, que é o maior site de relacionamento que há no Brasil, a constatação da pesquisa foi de que havia mais sites favoráveis ao candidato do PSDB do que ao candidato do PT.


 


A pesquisa da ESPM, que trabalhou com os principais blogs no período eleitoral, constatou que, no caso brasileiro, eles estavam associados aos grandes grupos de mídia. Na segunda parte do livro tem um artigo muito interessante do Sérgio Amadeu, que é um professor da Cásper Líbero e que já foi do Comitê Gestor da Internet no Brasil.


 


Ele avança numa hipótese muito interessante sobre a importância da internet nessas eleições que tem a ver com a perda relativa de importância dos formadores de opinião tradicionais. O artigo é muito interessante e parte mais ou menos da constatação de que houve um claro descolamento da opinião da maioria dos articulistas da mídia impressa tradicional em relação à maioria dos eleitores, o que se mostrou inclusive no resultado das eleições.


 


E uma coisa interessante é que esses considerados formadores de opinião tradicionais foram sendo substituídos por uma liderança que emerge da organização da sociedade, numa velocidade muito maior que a própria mídia tradicional admite. E essa nova liderança é ligada diretamente aos movimentos sociais.


 


Ela, sim, tem acesso à internet e, portanto, passa a ter um acesso a uma diversidade e pluralidade de opiniões que a mídia tradicional não oferece. Um dos problemas da influência da internet nos resultados eleitorais é a questão da exclusão digital, que ainda é muito grande no Brasil.


 


Mesmo que a maioria do eleitorado não tenha acesso direto à internet, ela passa a ter um acesso indireto, que é mediado por esses novos formadores de opinião que não são aqueles da mídia tradicional. É gente que tem acesso a uma pluralidade maior de informação que a internet oferece e que a mídia tradicional, por sua vez, não. Isso está explicado, inclusive de uma forma melhor, na introdução que eu fiz.


 


De alguma forma a credibilidade da grande mídia ficou em xeque nas eleições de 2006?
Sem dúvida nenhuma. Eu acho que isso permeia vários artigos. Gosto muito de uma observação do Bernardo Kucinski: ele fala que na nossa mídia impressa a elite é a fonte, a protagonista e a leitora das notícias. Então, para essa elite, a mídia impressa continua sendo o que sempre foi.


 


Só que essa mídia impressa, que tem uma circulação reduzida, se afastou muito do conjunto da população. E eu acho, aliás, pensando no que está acontecendo até agora, a grande mídia impressa continua distante do conjunto da população.


 


Como assim? Seria o “exagero”, apontado pelo presidente Lula, no noticiário negativo em relação ao país?
Não acho que é só por causa disso, não. É uma posição de certo elitismo, de distanciamento, de não reconhecimento da massa da população como capaz de fazer algum julgamento racional inteligente. Essa posição que eu acabei de expressar aqui esteve muito presente na campanha eleitoral, na interpretação dos resultados das pesquisas.


 


Ela acompanha grande parte das análises que continuam atribuindo índices favoráveis ao governo, ao presidente Lula, o que é uma desqualificação da capacidade da maioria da população. Isso é absolutamente freqüente. É mais por aí, um distanciamento mesmo desse elitismo da nossa mídia impressa, num país de extremas desigualdades sociais, econômicas e educacionais. Essa mídia impressa fala para muito pouca gente.


 


Nesse caso, aproveitando até a última pergunta respondida pelo livro: o que é necessário para aprimorar o funcionamento da mídia na democracia brasileira?
Tem um artigo, talvez o mais acadêmico do livro, escrito por um colega nossa aqui da UnB, o Luis Felipe Miguel. Ele faz uma análise comparada muito interessante dos modelos de organização da mídia que já existiam historicamente e uma série de recomendações com relação a mecanismos legais de controle.


 


Por exemplo, de concentração da propriedade no sentido de garantir os princípios que a doutrina da democracia liberal defende para mídia nas democracias, como a pluralidade e a diversidade. Só que ele faz uma análise um pouco mais teórica e histórica desses diferentes modelos e vai por esse caminho.


 


Mas, a médio prazo, é possível falar em um modelo em que seja possível avançar nessa relação entre mídia e processo eleitoral para que haja um equilíbrio?
O livro não tem uma solução mágica para isso. Uma preocupação minha desde o princípio foi de que o livro não ficasse apenas numa crítica. Que o livro tivesse também um lado propositivo. O livro não faz proposta de legislação, nem uma análise dos desequilíbrios históricos que são característicos do sistema brasileiro de radiodifusão.


 


O que o livro faz é avaliar as alternativas de organização dos sistemas de mídia, em como um sistema de mídia numa democracia rigorosa deve funcionar. E aí recomenda medidas no sentido de garantir esses princípios da pluralidade, da diversidade e do localismo.


 


A mídia, de alguma forma, foi derrotada nesse processo eleitoral?
Vários autores disseram que sim. Tem um artigo muito interessante do Luis Nassif que fala isso, tem um artigo do Renato Rovai que fala isso. Com toda certeza, a gente pode afirmar, pela avaliação desse desequilíbrio da cobertura, que o candidato que ganhou não era o candidato preferido pela grande mídia. Então nesse sentido ela foi derrotada sim.


 


O senhor, como pesquisador, percebeu alguma mudança neste primeiro semestre na relação da grande imprensa com o presidente Lula?
Não. Absolutamente, não. Não percebo nenhuma mudança. Aliás, não tenho nenhuma expectativa pessoal, aqui eu falo como uma pessoa que observa a mídia há muitos anos, não como organizador do livro. Eu acho meio complicada essa relação que se estabeleceu entre a grande mídia e o governo Lula. Creio que ela vai continuar até o fim. Eu não vejo muita saída.


 


Eu deposito uma esperança muito grande, espero não me frustrar, com o início de funcionamento da TV pública. Além de cumprir um preceito constitucional, a TV pública vai oferecer – espero que ofereça – uma alternativa, sobretudo ao jornalismo, na cobertura política com mais equilíbrio e com credibilidade. Que possa servir de referência como um novo momento da cobertura política no Brasil da relação da mídia com a política. Eu tenho muita esperança nesse sentido.


 


Agora, eu tenho a impressão de que, desde o início da crise de maio de 2005 para cá, as relações ficaram muito contaminadas. E há uma má vontade mesmo, que está instalada. A gente vê isso na escolha dos editorias, na escolha edição de fotos. Infelizmente, eu vejo isso com certo pessimismo.


 


O senhor chega a identificar preconceito também, como disse o presidente Lula?
Eu acho que, em certos casos, essa talvez seja a palavra mais indicada. Eu não queria, eu não sei qual é a sua intenção, mas eu não queria associar o livro às minhas opiniões pessoais. São 16 autores e há dois, inclusive, que prestam serviços ao PSDB. Eu tive uma preocupação muito grande em tentar fazer um livro sério, que não pudesse ser acusado de ser um livro partidário.


 


Você está pedindo de mim opiniões que acabam indo por esse rumo. Mas acho que o preconceito não é só da imprensa, é da nossa cultura política. Até na convivência pessoal dá para perceber que, para muitas pessoas, é difícil aceitar que uma pessoa sem escolaridade, que tem a origem do presidente Lula, seja presidente da República. Isso é uma característica da cultura política brasileira, não há como negar.