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Escândalo: Sarkozy e o tráfico de crianças africanas

Vítimas da propaganda da mídia corporativa, vários cidadãos fanceses foram convencidos da existência de um genocídio em Darfur e da existência de crianças que precisavam ser salvas da morte certa. Para isso, financiaram a expedição da ONG “Arca de Zoé”

A mídia francesa dedicou praticamente todos os seus editoriais a ridicularizar o presidente tchadiano Idris Deby, que acusou sem titubear a associação humanitária Arca de Zoé (em francês L’Arche de Zoé. Nota do tradutor) de ter tratado de seqüestrar crianças para satisfazer pedófilos e para dedicar-se ao tráfico de órgãos. Simultâneamente, a mídia elogia o presidente francês Nicolás Sarkozy, que viajou imediatamente para o Tchade, para reduzir a tensão e obter o retorno de vários acusados.



A sombra de Cecilia



O diário Le Figaro fez eco da cólera da sobrinha de um dos trabalhadores não remunerados da Arca de Zoé, encarcerado no Tchade: seu tio, que é bombeiro, ao que parece foi enganado pelos dirigentes da associação, que o fizeram crer que a operação de salvamento de crianças tinha o apoio de Cecilia Sarkozy, ex-esposa de Nicolas.



Mas o diário não indica como foi que os dirigentes da Arca de Zoé conseguiram convencer seus ativistas não remunerados da existência desse apoio, se este era na verdade irreal.



E, se esta apoio era imaginário, por que o presidente Sarkozy se viu obrigado imediatamente a correr para a linha de fogo?



Atrás de um Sarkozy pode haver outro… Sarkozy



A razão social da associação Arca de Zoé consiste em “intervir a favor das crianças vítimas do tsunami de 26 de dezembro de 2004, em Banda Aceh (Sumatra, Indonésia), para que voltem a ter condições de vida decentes mediante programas de saúde, sociais e educativos; para desenvolver, estabelecer e coordinar programas de reabilitação do círculo familiar e social dessas crianças; desenvolver todo programa que corresponda à necessidade das crianças e seu entorno, para favorecer o restabelecimento da autonomia, de maneira mais geral; realizar todo tipo de ações que permitam ajudar as crianças que se encontram em situações difíceis, que necessitem de socorro ou que sejam vítimas de catástrofes naturais”.



Embora este enunciado de intenções humanitárias não permita imaginar, esta associação corresponde a uma iniciativa proveniente de um organismo semi-públivo, o Paris Biotech Santé. Este último foi fundade de forma conjunta pela Universidade París-V Descartes, pelo INSERM (Institut national de la Santé et de la Recherche médicale, em francês), pela Ecole Centrale de Paris e pela ESSEC (Ecole supérieure des Sciences économiques et commerciales, em francês) e dispões de todas as autorizações oficiais necessárias. Seu objetivo é prestar apoio a projetos de criação de empresas no setor farmacêutico, de instalações de saúde e de atendimento a doentes. O Paris Biotech Santé dispõe de um imóvel de 3,2 mil metros quadrados, dos quais 2,5 mil são laboratórios, no hospital Cachón.



Tais instalações foram inauguradas com muito barulho, há apenas três semanas, pelo prefeito de Paris, Bertrand Delanoe, pelo presidente da região parisiense Ile de France, Jean-Paul Huchon, e pelo presidente da Universidade París-V Descartes, Jean-Francois Dhainaut.


 


Crianças para testes



De tudo isso resulta que o objetivo final da Arca de Zoé consiste na utilização de crianças miseráveis do Terceiro Mundo para colocar em teste programas de saúde com vistas a seu desenvolvimente para fins comerciais.



Os vínculos orgânicos entra a Arca de Zoé e o Paris Biotech Santé aparecem no aviso de criação da associação, publicado no Journal officiel de la République française de 2 de julho de 2005. Esse documento precisa: “Sede social: n° 23 de la calle Hallé, 75014 París. Correio eletrônico: lefebvre.s@parisbiotech.org“.



Além disso, Stephanie Dhainaut-Lefebvre, contato legal da Arca de Zoé, é por sua vez a diretora-adjunta do Paris Biotech Santé e esposa do presidente da Universidade.



A associação Arca de Zoé é, além de tudo isso, a forma francesa da Zoe’s Ark Foundation Inc. (154 A’Becket Street, Melbourne 3000, Victoria, Austrália). Apesar do comunicado oficial, de que essa fundação não tem nada a ver com a associação francesa, a realidade é que todos os responsáveis franceses da associação são membros da organização-mãe australiana, inclusive o Paris Biotech Santé, que aparece na lista fiscal em poder do autor deste artigo.



Ao ser contatado por telefone, o Paris Biotech Santé indica que seu diretor, o professor Olivier Amedée-Manesme, é a única pessoa autorizada para responder à mídia e que não é possível entrar em contato com ele. É uma pena, porque ele poderia nos informar sobre a opinião que o Comitê de Avaliação do Paris Biotech Santé fez sobre o programa Arca de Zoé. Um dos membros desse comitê de avaliação é o doutor François Sarkozy, médico pediatra. Ao tentar contatá-lo por telefone, o pessoal do seu consultório nos assegurou que nossa pergunta seria transmitida e que ele retornaria a chamada.


 


Um dos cem



François Sarkozy é politicamente muito próximo de seu irmão mais velho, o presidente Nicolás Sarkozy. Tão próximo que, enquanto era prefeito de Neuilly e ministro do Interior, nomeou o irmão mais novo para mediar um conflito social que houve no hospital americano de Neuilly.



Pouco depois da eleição presidencial, o diário Le Figaro apresentava François Sarkozy como uma das 100 personalidades que teriam importância no “núcleo da futura equipe ada França”. O diário sarkozysta (perdoem a redundância) precisava: “Este pediatra de 48 anos, vice-presidente do Conselho de Supervisão de uma sociedade de biofarmacêutica, se aprosimou muito de seu irmão mais velho Nicolás durante a campanha, sobretudo durante breves estadias dedicadas a estudo na casa de François, em Provenza”. Por sua vez, o semanário Le Nouvel Observateur indica: “Se as relações com o irmãos mais velho Guillaume são tempestuosas, Nicolas Sarkozy se siente, em troca, muito próximo de François, um pediatra convertido em quadro empresarial. Foi na sua casa onde Sarkozy recebeu seus amigos, na noite do discurso 'fundador' de 14 de janiero, e foi na casa do sul da França onde buscou refúgio várias vezes durante a campanha”. O diário Le Monde assinala: “O irmão mais novo do senhor Sarkozy esteve muito à vista durante a campanha”.



Foi na casa de Les Alpilles onde o ex-ministro passou numerosos fins de semana durante os últimos meses. Na ausência da senhora Sarkozy — que só esteve presente oficialmente ao lado de seu marido em 14 de janeiro e 22 de abril, e finalmente no domingo, 6 de maio, na tribuna levantada na praça da Concórida, em Paris, na noite da vitória — foi ele quem simbolizou uma representação familiar em torno da figura do candidato. Perguntado um dia sobre o sentido dessa presença, François Sarkozy, desejando evitar qualquer ambigüidade, afirmou: “Eu não o apóio, eu o acompanho”.



François Sarkozy é também uma personalidade influente nos meios de comunicação. O diário Libération atribui a ele papel principal na expulsão de Robert Namias da direção da emissora pública de televisão TF1, pouco depois da eleição presidencial.



Quem é quem



No verbete do Who's Who in France, sobre “François SARKÖZY de NAGY-BOCSA”, pode-se ler: Médico pediátrico residente do Les Hôpitaux de Paris (1983-85 e 1987-89); Assistente no laboratório de fisiologia respiratória do hospital Trousseau em Paris (1989-90); Chefe de projeto internacional para antibióticos dos laboratórios Roussel-Uclaf (1990-93), Diretor de Desenvolvimento Clínico Internacional (1994-95), responsável pelo Desenvolvimento Internacional (1995); Vice-presidente, Diretor da Administração da Pasta e dos Projetos para o Desenvolvimento Internacional em Bridgewater (Estados Unidos) no grupo Hoechst Marion Roussel (1996-98), Diretor Médico e Farmacêutico para a França (1998-99); Presidente-Diretor Geral do Centro Internacional de Toxicologia (1998-99); Diretor Médico da França em Aventis (1999-2000), Sócio do Gabinete de COnsultoria em Estratégia e Organização que se transformou na AEC Partners (a partir de 2001), Presidente de AEC Partners Inc. (desde 2006); Vice-presidente, Membro do Conselho de Supervisão da BioAlliance Pharma (desde 2005)”.



O Bio Alliance Pharma termina suas experiências com vistas ao lançamento dos medicamentos contra enfermidades oportunistas do câncer e do HIV, Loramyc, Lauriad y Transdrug.



Como o mundo é tão pequeno, em 2006, o principal cliente de François Sarkozy na AEC Partners é o sindicato francês da indústria farmacêutica (LEEM), que também tem como empregada Stephanie Lefebvre, do Paris Biotech Santé e da Arca de Zoé, por intermédio do LEEM-Recherche.



O presidente Idris Deby não se expressou precisamente na primeira vez. No retorno à França dos jornalistas e comissárias de bordo implicados nesta operação foi seguramente objeto de uma dura negociação. Em todo caso, ao processar judicialmente os responsáveis da Arca de Zoé, o Tchade conserva um meio de pressão nada desconsiderável sobre o presidente francês.



Thierry Meyssan é jornalista e escritor, presidente da Rede Voltaire, com sede em Paris, França. É o autor dos livros “A Grande Impostura” e “Pentagate”.