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População africana cresceu 7 vezes no século 20… e continua

Após quatro séculos com população estagnada ou declinante, devido à escravidão e ao colonialismo, a África tira o atraso. O número de africanos cresceu sete vezes no século 20, e a recuperação não acabou. É o que dizem no jornal francês Le Monde

Le Monde: A população da África Subsaariana continua a crescer muito rapidamente, enquanto tende à estabilização por todo o resto do mundo. Existe uma exceção africana?

John May: A África é um continente que ainda não realizou realmente a última parte de sua transição demográfica. A queda da fertilidade — do número de filhos por mulher — ainda não ocorreu. Daí este forte crescimento demográfico, que vai continuar no decorrer do século 21. Hoje a África Subsaariana representa 12% da população mundial. Na metade do século, vai representar 19%, ou seja, perto de 2 bilhões de habitantes, contra 760 milhões atualmente.

Jean-Pierre Guengant: A evolução demográfica africana está descompassada em relação ao resto do mundo. Historicamente, fala-se de dois grandes choques no continente africano: a escravatura e a colonização. Os dois explicam por que, entre 1500 e 1900, a população da África praticamente não aumentou. Alguns autores calculam até que ela diminuiu, enquanto a população mundial se multiplicava por 3,5, e a da China e a da Europa quintuplicavam.

Portanto, a parte da África Subsaariana na população mundial baixou, até que uma recuperação se inicia. E ela é fenomenal. Pense que, no decurso do século 20, a população do Continente Negro se multiplicou por sete. Nunca se viu algo assim! E ainda não terminou. Ela continua a crescer numa taxa da ordem de 2,5% por ano, duas vezes mais depressa que o resto do mundo em desenvolvimento. A quase totalidade das três desenas de países com uma fecundidade muito forte, mais de cinco filhos por mulher, está na África Subsaariana.

Le Monde: O impulso demográfico obedece então a um fenômeno de recuperação?

J-PG: É provável, mas as evoluções demográficas observadas no mundo nos últimos 30 anos nos convidam à prudência. Os demógrafos acreditaram por muito tempo, por exemplo, que a queda das taxas de natalidade era um fenômeno irreversível. Ora, a evolução da ex-União Soviética, e, claro, da África Subsaariana, mostrou que isso não é automático. Também não se previu que a fecundidade permaneceria duradouramente abaixo de dois filhos por mulher na maioria dos países desenvolvidos.

JM: Existe recuperação também porque a África Subsaariana viveu muito tempo num ambiente de laissez-faire, de desinteresse pelas questões demográficas. Nos anos 1960 e 1970, quando os países asiáticos começaram a empregar políticas de moderação demográfica, a África se recusava, por razões ao mesmo tempo culturais e ideológicas. Na Jamaica, havia o lema “Dois filhois é melhor que filhos demais”; em Bangladesh a palavra-de-ordem era “Família pequena é família feliz”. Nunca houve coisas assim na África, nem no Magreb (África do Norte), com exceção da Tunísia.

Hoje, enquanto 60% das mulheres da Ásia e da América Latina usam algum método moderno de contracepção, menos de 10% o fazem na África Ocidental e Central, e 20% na África Oriental.

Por todo o continente se vê campanhas de prevenção contra a aids. Mas muito pouco sobre o planejamento familiar, o espaçamento dos partos e o controle do tamanho das famílias. Daí esta situação descompassada, com uma transição de fecundidade que se prolonga. Na África Subsaariana, duas em cada três pessoas têm menos de 25 anos. Em nenhuma outra parte se encontra essa situação. Na China, os com menos de 25 anos representam 40% da população, na Europa 30%.

Le Monde:  A fraqueza política dos Estados africanos não explicaria em parte o fracasso das políticas demográficas?

J-PG: Sim, é difícil executar políticas fortes em Estados fracos. É por isso que alguns tentam achar outros meios de ação para evitar o confisco do tema do planejamento familiar por parte das elites. Há quem intervenha nas bases, nos mercados…

Le Monde: Fala-se de Estados africanos incapazes de conduzir políticas demográficas responsáveis. Um país como o Niger, por exemplo, pode assistir sua população crescer indefinidamente sem perigo?

JM: De fato, a população do Niger pode passar dos 15 milhões atuais para mais de 50 milhões em quatro décadas. Ainda se pode sonhar com um Niger convertido em centro financeiro internacional, ou grande pólo tecnológico, mas, excluindo-se esse tipo de milagre, não creio que a situação se sustente a longo prazo. O Niger é duas vezes maior que a França, mas apenas 15% das terras são cultiváveis. Já é um país superpovoado. O governo ultimamente o percebeu.

Le Monde: Há uma idéia corrente de que a África é um continente muito vasto e pouco povoado.

J-PG: Isso já foi verdade; não é mais. Em 1900, a África tinha 4 habitantes por km2. Hoje a densidade é de 32 por km2 para a África Subsaariana. É maior que a do conjunto da América Latina e Caribe (28) e quatro vezes menos que a do conjunto da Ásia (128) porque ali as condições geográficas são mais favoráveis as fortes densidades.

Se você leva em conta as densidades por superfície arável e cultivável, chega-se a resultados assombrosos: a Mauritânia passa de uma densidade de 3 para 529 habitantes por km2. O Senegal vai de 48 para 391, a Somália de 14 para 817…


 


Fonte: Le Monde