Hoje tem circo, sim senhor!
Hoje tem circo no Centro, sim senhor. A Praça José de Alencar faz-se picadeiro para o I Encontro Lona de Retalhos, que reúne artistas circenses de diversas áreas.
Publicado 15/03/2008 12:08 | Editado 04/03/2020 16:36
De tão tímido, nem parece circo. Mas é exatamente assim, de pouquinho em pouquinho, que o I Encontro Lona de Retalho pretende aglomerar gente para brincar de fazer picadeiro. Acrobatas, malabaristas e palhaços chegam hoje de repente ao centro de Fortaleza para tomarem as ruas e jogarem confete em comemoração ao mês do circo. Em um cortejo, logo mais à tarde, eles convidam o respeitável público para ocupar a Praça José de Alencar. Enquanto o público vive um facho de mágica e fantasia justo onde a correria impera, os artistas se encontram e trocam experiências.
“Temos cada vez mais grupos trabalhando com a linguagem do circo. O encontro é exatamente para aproximar. Nossa grande vontade é trazer o máximo de pessoas para se conhecerem. Por mais que muitos trabalhem com o circo, ainda trabalham muito isoladamente e quanto mais as pessoas estiverem juntas, mais a arte tem o poder de transformar”, afirma Emanuel Breno, integrante do Grupo Fuzuê, que organiza o evento. O nome Lona de Retalho é exatamente uma provocação para essa mistura e para o encontro: a partir da reunião de vários grupos, cria-se uma só lona forte onde todos podem criar e se apresentar. No caso, a lona é imaginária e o picadeiro é o pano-de-roda, o mesmo dos artistas de rua (ou seja, no chão da praça, no melhor estilo “tomara que não chova”).
Por conta disso, a programação não inclui somente apresentações, mas oficinas e debates entre os integrantes de circos da cidade. Também não fica restrita ao que é facilmente associado a esse universo. A dança e a performance se inserem de mansinho por ali já que o próprio organizador do evento trabalha exatamente a partir da mistura de linguagens. O Grupo Fuzuê surgiu em 2001 exatamente reunindo artistas de áreas que não o circo. Daí que, na hora de adotar esse novo vocabulário, eles já estavam contaminados pelas suas vivências anteriores, o que interferiu diretamente no trabalho e deu a eles a vontade de experimentar o que surgiria a partir dessa confusão de movimentos.
Assim como eles buscam o circo por meio de suas origens em outras linguagens, o circo também procura cada vez mais outras linguagens e novos números para incorporar. Dialogar com essas outras artes é abrir espaço para fazer frutificar a criação. “O tradicional precisa se renovar. Ou você muda, ou fica ultrapassado”, diz o ator e clown Cláudio Ivo, que media, na segunda-feira, um debate sobre a trajetória e a perspectiva do circo em Fortaleza. Atualmente ele desenvolve uma pesquisa, financiada por edital público, sobre os palhaços do Ceará. “Devagarinho, vamos conversando com os circos tradicionais e vendo o que eles estão fazendo. Tem quem queira se manter como está, mas essas mudanças existem sempre para a gente poder continuar a existir”, conclui.
Tem quem diga que o dia oficial de celebração é hoje, 15 de março. No entanto, há quem defenda o dia 27 de março como essa data, já que esse seria o marco de aniversário do Piolin, um dos maiores palhaços do circo brasileiro, nascido em 1897.
Fortaleza tem pelo menos 15 circos fixos cadastrados, instalados em bairros na periferia da cidade. Em 2006 e 2007 eles foram integrados por meio do projeto Circo de Todas as Artes, da Fundação de Cultura, Esporte e Turismo da Prefeitura de Fortaleza (Funcet). Sempre no último domingo de cada mês, artistas de diversas linguagens dividiam o picadeiro com os circenses, favorecendo a troca de idéias entre eles.
Os governos estaduais e municipais começam a perceber a importância de incluir o circo como linguagem artística em seus editais. O Edital de Incentivo às Artes, da Secretaria de Cultura, tem categorias de montagem, estruturação e pesquisa. O 2º Edital das Artes da Prefeitura de Fortaleza critou também uma categoria própria para o circo.
PROGRAMAÇÃO
HOJE (15/03)
Local: Praça José de Alencar
15h – Cortejo na praça
16h – Aulão com artistas cênicos
17h – Picadeiro, espetáculo do Grupo Fuzuê
AMANHÃ (16/03)
Local: Espaço Cultural Artelaria (Av. da Universidade, 2642 – Benfica)
9h – Oficina de Acrobacia
11h – Oficina de Acrobacia Aérea e oficina de Confecção de Malabares
12h30 – Performance com o Centro de Experimentações do Movimento
SEGUNDA-FEIRA (17/03)
Local: Theatro José de Alencar
15h – Performances circenses
17h – Troca de experiências: Debate sobre a trajetória e perspectiva do Circo em Fortaleza, com mediação de Cláudio Ivo.
18h30 – Encerramento com a performance Circus de Fogo
Hoje tem circo, sim senhor!
O circo vive hoje, no Ceará e no Brasil, um momento interessante. A maior parte dos novos artistas não é mais formada por famílias de tradição na área, mas por escolas e ONGs que intermediam sua atuação social com esta linguagem. Por conta dessa nova inserção do circo na cidade, ele adquire um caráter cada vez mais urbano e menos itinerante, o que favorece a reunião dos artistas na hora de brigar por políticas públicas para o setor e na oxigenação de seus trabalhos a partir de pontes de conexão com outras áreas do conhecimento. Além disso, há um movimento crescente de artistas de outras áreas buscando associação com o circo. Por conta disso, o circo se pensa cada vez mais. Quem percebe esse zum-zum-zum é Rodrigo Matheus, diretor da Central do Circo de São Paulo e do Circo Mínimo, e também Ermínia Silva, doutora em História pela Unicamp e quarta geração de uma família circense.
Rodrigo rechaça a idéia de que essa “urbanização” do circo tenha provocado uma dicotomia, criando um circo mais erudito e outro mais popular. “Acho que existem tendências, vertentes. Mas o circo é, essencialmente, é uma atividade popular. Agora, ele sofre influências. Diria que existem circos mais contectados com o mundo contemporâneo e outros menos, tentando reproduzir fórmulas antigas”, aponta Matheus. Ele também nega associação do circo com a figura infantil. “Tem-se uma visão preconceituosa sobre o entretenimento. O teatro e o circo, em geral, sempre buscaram o entretenimento, mas mesmo assim, foram respeitados”. Leia abaixo mais algumas reflexões sobre o circo em uma entrevista com a professora Ermínia Silva, que recentemente lançou o livro Circo-Teatro: Benjamim de Oliveira e a teatralidade circense no Brasil.
Existe preconceito quanto ao circo no Brasil?
Hoje você tem o circo fixado na cidade, o que favorece uma militância política em torno dele. Por outro lado, os itinerantes têm dificuldades. As prefeituras continuam a negar entrada, a cobrar taxas altíssimas para que eles se instalem. Isso é uma forma de preconceito. Ele não é apenas moral. Claro que, na medida em que o circo se reinventa o tempo inteiro, ele vai se reinventar na cidade ao ocupar espaços de forma mais presente. Também há tensões de mercado de trabalho, de gente dizendo que circo não é arte, como os próprios críticos que não mencionam o circo no jornal dizendo que não têm ferramentas para falar sobre ele. Quem entende sobre um espetáculo teatral com linguagem circense tem, sim, o que falar sobre o circo.
Qual o futuro do circo tradicional?
Ser tradicional, no circo, é se reinventar o tempo inteiro. É um equívoco chamar de tradição algo que repete sempre o mesmo. A tradição pressupõe movimento, senão ela está fadada a virar folclore, a morrer. O Circo do Palhaço Fuxiquinho, ali na fronteira do Rio Grande do Norte com o Ceará, está se reinventando o tempo inteiro. Ele traz para o espetáculo o cantor da moda, ele incorpora questões sociais da cidade na comédia, ele leva o show, a dança, o bingo e lota de segunda a segunda. O ingresso custa só R$ 1, mas no interior do Nordeste, isso é caro. Há grupos circenses que se posicionam num papel muito complicado de excluídos, que se apegam a um discurso de que, por não ter condições financeiras, não pode ter espetáculo de qualidade. Isso não é verdade, porque qualquer artista, principalmente o circense, pode ter qualidade até mesmo na rua. Muitos, aliás, fazem isso muito bem.
O que falta para a classe se unir mais e o circo ser mais estudado na Academia?
Existem várias formas de ser circense. Há que se considerar que todo grupo nômade tem dificuldade de fazer militância de coletivo, mas, de uns dez anos para cá, foram sendo criadas associações que estão conseguindo fazer isso. São fixas, mas representam também os itinerantes. Acho que esses novos processos de formação e divulgação da linguagem possibilitaram um avanço muito grande no número de pessoas pesquisando o circo. Por mais que a Academia ainda não queira olhar para ele, os alunos estão forçando, de baixo para cima, essa questão. Quando comecei minha graduação, mestrado e doutorado, na década de 80, não havia praticamente ninguém estudando. Hoje tem pesquisa sobre o circo no Jornalismo, na História, nas Ciências Sociais, na Educação Física… Tem até arquiteto e geógrafo estudando o circo! São muitas coisas, muitas possibilidades para se investigar.
Fonte: O Povo