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Como são e o que fazem os estudantes que ocuparam reitorias

Há pouco mais de um ano, estudantes de todo o país começaram a tomar reitorias de universidades como forma de pressionar as instituições e governos a atender às suas reivindicações. O último e mais emblemático caso, concluído há dez dias, foi o da UnB, em

A ocupação reuniu alunos engajados, militantes do movimento estudantil e também alguns “turistas”, que aderiram após a grande repercussão do caso na mídia.
“Quando o escândalo estourou, a participação nas assembléias triplicou”, conta Karla Gamba, 21, coordenadora geral do DCE (Diretório Central dos Estudantes) e militante do movimento estudantil desde o início da faculdade.


 


Grávida de seis meses, Karla não pôde dormir com os colegas na universidade, mas fazia questão de chegar cedinho diariamente para as discussões. Ela está no oitavo semestre do curso de artes cênicas.


 


Enquanto boa parte dos jovens que querem uma carreira artística sonham com um papel em uma novela e com flashes de paparazzi, Karla, “mais do que ganhar dinheiro”, pretende participar de algum “projeto que traga reflexão.”


 


“Quero um trabalho que me permita contribuir para a transformação da sociedade. Os trabalhos da televisão hoje me parecem só retratar o que acontece, sem sugerir que pode ser diferente”, teoriza Karla.


 


As opções mais atraentes para ela são continuar na universidade, como professora, ou trabalhar em alguma ONG ou movimento social.


 


Crise de choro


 


Esse também é o caminho que pretende trilhar Fábio Felix, 22, que está no oitavo semestre do curso de serviço social e é colega de Karla na coordenação do DCE.


 


Um dos principais articuladores da ocupação da UnB, Felix participou ativamente das negociações com a reitoria.


 


“O pior momento foi quando eu passei o dia inteiro em negociação com a alta cúpula da universidade e do governo. Foram seis horas de reunião. Quando cheguei à UnB, tive ainda uma reunião com o ex-vice reitor, e as negociações estavam até avançando quando tivemos a notícia de que um garoto tinha caído de uma rampa na reitoria”, explica.


 


“Era o sétimo dia de ocupação, estava tudo muito tenso, havia pressão da Polícia Federal. Naquele momento, eu tive uma crise de choro. Saí da reunião e, no caminho para a reitoria, comecei a chorar, desesperado, preocupado com o que pudesse ter acontecido”, conta.


 


Segundo ele, foi apenas um susto. O estudante foi encaminhado ao hospital e ficou bem, mas o episódio foi marcante.


 


Confraternizações


 


Para conseguir lidar com o estresse das noites mal dormidas, das discussões acaloradas em assembléias e da pressão das negociações, a saída foi improvisar atividades “lúdicas”.


 


Entre um debate sobre o Reuni (Programa de Apoio a Planos de Reestruturação e Expansão das Universidades Federais do MEC) e uma assembléia sobre a paridade nos conselhos universitário, foram organizadas também algumas “confraternizações”.


 


Oficinas de ioga e de massagem, campeonatos de dominó, exibição de filmes politizados e festas com música, dança, paquera, mas sem bebida alcoólica, ajudaram os estudantes a relaxar.


 


“A gente precisava se distrair um pouco. Senão não conseguiria agüentar os 16 dias”, desabafa Felix.


 


Nas festinhas, a discotecagem era eclética. Tinha espaço para forró, rock e até para música eletrônica, além de um bom sambinha tocado ao vivo.


 


Raoni Japiassu, 23, aluno do 11º semestre de biologia, se encarregou de acordar o pessoal diariamente às 7h. Para isso, empunhava seu violão e cantarolava músicas de Gilberto Gil, do Rappa ou de Alceu Valença. “Era um jeito de manter o clima de companheirismo, sempre alegre”, diz o estudante.


 


Outra diversão era exercitar a criatividade criando paródias de músicas famosas, com letras sobre a universidade e a ocupação.


 


No ano passado, durante a ocupação da USP -que durou 51 dias-, essa estratégia também foi adotada e teve a adesão de artistas conhecidos, como Tom Zé e o grupo Teatro Mágico, que se apresentaram para os estudantes acampados.


 


Punição


 


Apesar de ter resultado na aceitação de várias das reivindicações, o movimento de invasão de reitorias também poderá ter conseqüências negativas para alguns participantes.


 


Na PUC de São Paulo, por exemplo, nove alunos estão passando por um processo de sindicância que pretende apurar os responsáveis pela invasão da reitoria em novembro passado.


 


Eles já foram ouvidos individualmente por uma comissão apuratória da instituição que pode decidir por uma advertência, suspensão ou até pela expulsão de eventuais culpados.


 


André, 22, (nome fictício) é um desses alunos. Além desse processo interno, ele conta que há um processo criminal na Justiça, que ainda não entrou na fase de inquéritos, contra os mesmos estudantes.


 


Mesmo assim, ele acha que o saldo foi positivo. “Gerou muita mobilização e debate. As pessoas tinham que se posicionar, e isso é saudável”, diz o estudante, que é veterano das ocupações, pois, além da PUC, participou também da ocupação da USP, onde também estuda.


 


“Recebi uma mensagem de um amigo pelo celular dizendo que a reitoria da USP tinha sido ocupada. Corri para lá e fiquei uns 20 dias acampado”.


 


André não é ligado a nenhum partido político, mas não tem restrições à participação de estudantes que são filiados. “É uma relação meio turbulenta mas necessária”, comenta.


 


Ciro Matsui Jr., 23, da medicina da USP, participou da ocupação e é filiado ao PSOL. Para ele, houve uma certa rejeição aos partidos políticos durante a invasão da reitoria. “Tinha muito preconceito”, diz.