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Mudanças no Paraguai dependerão das mobilizações sociais

O editorialista do jornal mexicano La Jornada, Guillermo Almeyra, entende que qualquer mudança que venha a ocorrer no governo do novo presidente do Paraguai, Fernando Lugo, dependerá do papel a ser exercido no país pelas forças ligadas aos movime

Em artigo publicado nesta segunda-feira (28), o jornalista se mostra preocupado com o cenário político paraguaio e com a ampla aliança feita por Lugo, reforçada em grande parte pelo Partido Liberal. Seu pouco otimismo recai no papel que pode ser desempenhado por camponeses, operários e os setores realmente compromissados com a mudança no país.



Leia abaixo o texto:



Tudo dependerá das mobilizações sociais



Os fatores que levaram à vitória de Fernando Lugo foram a crise interna do Partido Colorado, que se apresentou muito dividido nas eleições; a crise econômica que levou dois terços do paraguaios à linha abaixo da pobreza; os desastres econômicos, culturais e sociais advindos do cultivo da soja, que está nas mãos de capitalistas brasileiros; o começo de organização de uma esquerda social composta por sindicatos e movimentos urbanos e campesinos; a radicalização de uma parte das classes médias urbanas, que resultou no apoio de uma ala do Partido Liberal ao bispo condenado pelo Vaticano, mas que representa um setor radical da Igreja Católica que está em crise vertical e horizontalmente, como antes já esteve – e em parte ainda está – a brasileira; mais o amplo repúdio à opressão e à exploração do Paraguai por interesses estrangeiros (desde militares norte-americanos até os latifundiários argentinos e brasileiros) e, por último, o exemplo que vem de outro país indígena, a Bolívia, cuja influência chegou a setores de base das forças armadas.



Agora, graças à essa combinação de crise inter-burguesa, crise nos aparelhos de dominação (Estado, forças armadas, igreja), crise social e crise política, Lugo se agrega à lista cada vez maior daqueles que, ao chegar ao governo, não o fazem como agentes diretos do imperialismo e das classes dominantes locais. Por isso ele representa hoje um grave problema ao Vaticano (que tratará de controlá-lo), ao aparato estatal (formado na violência, na corrupção, no roubo, na fraude, nos assassinatos de camponeses durante mais de 60 anos ditatoriais, que acabaram com toda política progressista e defenderá até a morte seus interesses), mas também ao mesmo Partido Liberal, que ganhou em teoria as eleições, mas está unido como o enforcado à corda aos movimentos sociais que lutam por uma reforma agrária e pela organização dos trabalhadores, colocando em risco sua própria existência como partido de burgueses, latifundiários e profissionais com ideologia neoliberal.



Lugo não tem maioria nas câmaras e sua minoria está dividida em dois grandes blocos (o liberal e o dos movimentos sociais), os quais, por sua vez, têm em seus seio todo um leque de posições. Sua proposta para desarmar o aparato estatal herdado é débil e a formação política e organizativa de sua ampla base de massas é apenas incipiente, já que não há sequer quadros políticos suficientes na sociedade ou em sua partido. Além disso, tem que enfrentar a oposição férrea do governo brasileiro, que, ao mesmo tempo busca defender da reforma agrária os grandes interesses ligados à soja dos dois lados da fronteira e se nega a pagar de modo eqüitativo ao Paraguai a energia hidrelétrica da usina de Itaipu, que alimenta todo o sul industrial brasileiro, e que, se duplicasse ou triplicasse seu preço, como pede Lugo, criaria a Lula um grave problema político com os consumidores (sobretudo industriais, mas também com a população). Por outro lado, uma reforma agrária no Paraguai reforçaria a reforma agrária que Evo Morales quer e não o deixam fazer em Santa Cruz, assim como a luta do Movimento dos Sem Terra brasileiros, aliados de Lula, mas em litígio com ele.



Lugo conhece a magnitude dos problemas econômicos e políticos que deverá enfrentar e que eles se apresentarão todos juntos antes de assumir o governo: como formar e dividir o gabinete para que represente a todos os que o apoiaram, sendo eficaz; como reduzir o poder do Exército e da burocracia estatal (ambos do Partido Colorado); como organizar sua base difusa, muito golpeada pela imigração à Argentina, onde trabalha a maioria dos operários paraguaios; como reforçar seu papel na Igreja Católica apoiando-se nos pobres contra a hierarquia acostumada a negociar com a ditadura de Stroessner e com seus seguidos.



Porque Lugo conhece esses problemas, faz declarações contemporizadoras, para ganhar tempo, dizendo, por exemplo, que não tocará nos plantadores de soja ou que seu modelo é o uruguaio Tabaré Vásquez, o mais que moderado presidente partidário de qualquer tipo de investimento estrangeiro e de um TLC com os EUA, ainda que o mesmo sabote o Mercosul. O ex-bispo está aparentemente disposto a ceder terreno no aspecto internacional (ocupação estadunidense em parte do território, pressão brasileira e do Vaticano, pouca participação no Mercosul e na Alba, por exemplo), com o intuito de ganhar tempo para organizar seu apoio nacional. Porque, como se pode ver na Bolívia, ele não tem outra garantia de estabilidade (para não falar de triunfo) que a mobilização e organização popular independente frente à igreja, ao Estado e aos partidos burgueses, sejam estes aliados ou não. A sorte do governo de Lugo, ainda não decidida, e sua orientação, depende exclusivamente dos camponeses indígenas e dos setores explorados e oprimidos no Paraguai, e também nas obras em construção e nas fábricas argentinas onde os paraguaios começam a tecer uma esperança.