Luiz Gonzaga Belluzzo: Indagações impertinentes
Nos últimos dez anos – entre o primeiro trimestre de 1998 e o mesmo período deste ano – o PIB dos Estados Unidos cresceu 31%, ou seja, 2,7% ao ano. O consumo das famílias avançou 3,4% ao ano e elevou sua participação no PIB de 67,1% para 71,6%. Não é p
Publicado 02/06/2008 10:02
Os gastos das famílias norte-americanas cresceram bem acima da renda disponível, “alavancados” pela expansão acelerada do endividamento. Na última década, contrariando a experiência dos anos 50 e 60, o crescimento do consumo das famílias “descolou” da evolução da renda. Tornou-se cada vez mais dependente do efeito-riqueza.
Já escrevi que a forma especificamente capitalista do consumo começa a se definir entre o final do século 19 e a primeira metade do século 20, com a suburbanização das cidades e a difusão dos bens duráveis impulsionada pelo desenvolvimento do crédito e pelas técnicas de propaganda inerentes à concorrência monopolista. A constituição de um sistema de proteção social nos anos 30 e as políticas de sustentação da renda e do emprego contribuíram decisivamente para o avanço do “consumo capitalista”.
Esse componente da demanda deve ser assim qualificado por conta da forma de financiamento do gasto.
As novas modalidades de crédito (cartões de crédito, por exemplo) e a valorização do estoque de riqueza ao longo dos ciclos de expansão desvincularam o consumo da renda corrente. Nos últimos dez anos, as famílias norte-americanas usufruíram os benefícios dos ganhos de produtividade dos trabalhadores asiáticos, a despeito do modesto crescimento da renda e do emprego. Não bastassem os ganhos reais que proporcionaram, os emergentes “exportadores” passaram a destinar as reservas acumuladas para o financiamento do déficit em conta corrente dos parceiros consumistas, garantindo taxas de juros módicas para “bancar” a corrente da felicidade.
O modelo norte-americano – se preferir o leitor, sino-americano – suscitou o surgimento de neoconsumidores nos países emergentes de crescimento rápido. A incorporação dos novos contingentes pressionou os preços da energia, dos alimentos e das matérias-primas. O choque de oferta elevou os índices de inflação, neutralizando os efeitos “deflacionários” das escaladas industriais asiática e chinesa.
Muitos indagam se a inflação de commodities – “puxada” pela demanda chinesa e associada à desvalorização do dólar – pode se transformar num descontrole inflacionário global. Nessa quadra de contração do crédito e de desaceleração da economia global, não é trivial avaliar tendências. Há quem relembre os anos 70, invocando a estagflação.
Outros, mais preocupados com o longo prazo, indagam se é possível manter o estilo de crescimento global apoiado nos padrões de consumo em voga, ou seja, na utilização predatória e irracional dos recursos naturais.
* Economista, professor titular da Unicamp
Artigo publicado na edição de 01/06 da Folha de S.Paulo