Argemiro Ferreira: Bush, McCain, e os cem anos no Iraque
''É verdade que o senador John McCain, hoje ansioso para exibir independência, já foi bem menos afinado com Bush e seu governo. Em 2000 os dois foram adversários ferozes nas primárias; e durante o primeiro mandato do atual presidente o senador ousou fa
Publicado 06/06/2008 15:17
O que sela a unidade Bush-McCain é a emblemática adesão do candidato à política da guerra no Iraque. Há precisamente um ano o presidente rasgou a fantasia e assumiu o que negava desde que começara a planejar a invasão: os EUA de fato vão manter tropas no Iraque “durante anos ou mesmo décadas”, disse. Ele citou os exemplos do Japão e Alemanha depois da II Guerra Mundial, mas o modelo ideal, também confessado, é o da Coréia.
McCain gostou, a julgar por seu próprio remendo – pois em seguida, mais realista do que o rei, prometeu que os EUA vão ficar 100 anos no Iraque (veja abaixo o comercial democrata que expôs sua declaração, deixando-o irritado). Na Coréia do Sul as tropas americanas já estão há mais de meio século. Os casos do Japão e da Alemanha eram entendidos no contexto, já sem sentido, da guerra fria — até por ter sido a Alemanha reunificada em 1989. A Coréia vive ainda o clima da guerra fria, com a divisão norte-sul do armistício. A reunificação ali até já motivou reunião das partes, sem resultados concretos.
Como nasceu o “modelo Coréia”
Para os EUA, há fórmulas menos ou mais ostensivas para perpetuar a ocupação do Iraque — ainda que disfarçada. Isso porque o objetivo óbvio, como já se sabe desde o primeiro momento, é manter sob seu controle o fluxo de petróleo do país. Poderia ser com uma ditadura tipo Reza Pahlevi do Irã, cuja SAVAK, treinada pela CIA, torturava e matava. Ou então com a presença de tropas americanas.
Coube ao New York Times dedicar ao tema, no ano passado, a relevância que merecia, com uma análise do jornalista David E. Sanger, publicada numa edição de domingo. Ele lembrou que o governo Bush já falava há muito (de forma discreta) na necessidade de manter uma presença militar na região, sem dizer exatamente onde. E afinal tinha vindo a história, sintomática, do “modelo da Coréia”.
Quem na época falou no exemplo (e tais coisas nunca acontecem por acaso) foi o então porta-voz da Casa Branca, Tony Snow. Ele disse que a Coréia era uma maneira de pensar sobre como a missão dos EUA pode evoluir para “um papel de apoio (ao Iraque) no horizonte”, quando as tropas americanas não estiverem mais patrulhando as ruas de Bagdá.
No dia seguinte, fingindo ser por acaso, o secretário da Defesa Robert Gates também citou a Coréia. Afirmou que o estabelecimento de uma guarnição americana a longo prazo seria bem mais inteligente do que a maneira como se conduziu a saída do Vietnã. “A idéia é mais um modelo de arranjo acertado pelas partes para presença continuada e duradoura, com apoio bipartidário e sob certas condições”.
Buscando apoio na oposição
Ficou claro, pela escolha cuidadosa das palavras, que o governo Bush tinha consciência de que seria obrigado a negociar isso menos com o Iraque, parte fraca, do que com a oposição democrata nos EUA, que ao menos teoricamente tinha o controle das duas casas do Congresso (Joe Lieberman, no Senado, contava para dar maioria à oposição, mas já fechava sempre com Bush, pois representa mais Israel do que seu próprio estado de Connecticut).
A citação da Coréia, como Sanger fez questão de destacar, tem boas razões. A Coréia do Sul neste momento oferece a imagem de democracia consolidada, com uma economia entre as maiores do mundo – em contraste com os problemas da Coréia do Norte, comunista. Mas tal modelo, conforme a análise do Times, sugere também uma “presença quase permanente” no Iraque.
O que o governo Bush deixou de lado, por razões óbvias, é a interpretação a ser dada pelo setor mais firme e conseqüente da oposição democrata. Ali existe consciência de que havia desde o primeiro momento o projeto oculto de gente como Bush, Dick Cheney e Condoleezza Rice, egressos do setor petrolífero, de usar artifícios para apropriar-se do petróleo iraquiano.
O exemplo de Pahlevi no Irã
Opositores naturais aos planos do governo Bush não têm dúvida de que o Iraque tende a continuar pólo de atração para combatentes islâmicos de toda parte. Afinal, a própria transformação do saudita Osama Bin Laden, treinado pela CIA para combater os russos no Afeganistão, em grande líder mundial da luta anti-EUA, deveu-se à decisão americana de estacionar tropas na Arábia Saudita.
Como ele, largos setores islâmicos repudiam a presença das tropas “infiéis” em países onde existem cidades santas para eles – como Arábia Saudita e Iraque. O envio de soldados para território saudita, iniciativa do governo do primeiro Bush, a pretexto de proteger o país contra Saddam Hussein, é fonte permanente de preocupação, por alimentar a pregação extremista.
A reação islâmica a decisão semelhante no Iraque corre o risco de exigir mais repressão – e talvez um regime implacável em Bagdá, como o de Riad. Como o governo Bush, ao contrário do que apregoa, sonha mais com o controle do petróleo do que com democracia naquele país, insistirá na idéia. Foi mais ou menos o que os EUA fizeram no Irã do xá Pahlevi – onde a insanidade levou à explosão dos aiatolás. No debate eleitoral McCain tenta distanciar-se de Bush mas inevitavelmente será cobrado pela promessa dos 100 anos, que nem Bush fez.
Reproduzido a partir do blog do autor: http://argemiroferreira.wordpress.com/