Jornalista contesta fúria anti-PCdoB de Chico de Oliveira
O jornalista Raimundo Rodrigues Pereira rebateu as acusações difamatórias feitas pelo professor acadêmico e filósofo Chico de Oliveira à décima edição da revista Margem Esquerda. O último número da publicação traz uma carta-resposta de Raimundo,
Publicado 11/06/2008 20:39
Chico – que é membro do conselho editorial da Margem Esquerda, editada pela Boitempo – acusou Raimundo de destruir um célebre órgão de resistência à ditadura militar, o jornal Opinião, a mando do PCdoB. Raimundo, na carta-resposta, esclarece esta e outras insinuações. Confira abaixo a íntegra de seu texto.
Prezada Ivana Jinkings,
editora de Margem Esquerda
Na sua edição de número 10, páginas 30 e 31, Margem Esquerda dá curso a declarações do professor Chico de Oliveira que representam um ataque difamatório contra mim. Peço-lhe, portanto, que registre minha resposta:
1 – Ele diz que os editores do Opinião “eram o Fernando Gasparian, que tinha uma rede de contatos importantes, inclusive o Celso Furtado, e o Raimundo Pereira, que era muito inteligente, embora na verdade, tenha assassinado o Opinião“. (…). “O Opinião fechou por determinação do PCdoB ao Raimundo, que inventou um conflito com o Gasparian”.
a – O Gasparian e eu não éramos os dois editores do Opinião. Eu era o editor. Gasparian era o dono, a pessoa que manda, que me contratou e, depois, me demitiu.
b – Não inventei um conflito com o Gasparian, a mando de quem quer que seja. O Gasparian me demitiu do cargo no dia 25 de fevereiro de 1975, alegando incompatibilidades pessoais entre ele e eu. Toda a equipe de jornalistas e muitos dos colaboradores de Opinião se demitiram ou se afastaram do semanário, em protesto contra o ato, considerado uma decisão política e equivocada. Essa história está contada em detalhes no tablóide de oito páginas que fizemos à época para lançar o jornal que surgiu desse incidente, o Movimento. Nesse material se conta, inclusive, a história da formação do Conselho de 16 pessoas que discutiu toda a crise com o Gasparian e encaminhou a criação de Movimento. Esse conselho de 16 depois se transformou no Conselho de Redação de Movimento, com 12 pessoas.
O professor Chico de Oliveira fez parte desses dois conselhos e participou ativamente do esforço para fazer Movimento. Foi, inclusive, quem me apresentou ao empresário Sérgio Motta – uma das grandes figuras do processo de construção e administração de Movimento – a quem, em outra altura de sua entrevista, o professor Chico de Oliveira agora chama, desrespeitosamente, de “gordo sinistro”.
2 – O professor Chico de Oliveira diz: “Não é à toa que o Raimundo sacrificou um número inteiro do Movimento após a morte do Mao [Tse Tung], ele botou o retrato do líder chinês na capa do jornal. Sabia que a censura não ia deixar passar”.
É falso: a capa sobre a morte do Mao foi publicada sem problemas com a censura; é o número 63 do Movimento, de 13 de setembro de 1976.
3 – Ele diz que foi “vítima do stalinismo do Raimundo” e cita um seminário organizado por Movimento, “que já era uma ação do PCdoB”, no qual eu, Raimundo, segundo ele, “manipulava elementos que iam ao seminário para fazer profissão de fé, para dizer barbaridades”. Num desses seminários ele diz que teria dito, à saída: “Isto aqui mais parece a reunião de um partido”. Aí, diz ele, eu, Raimundo, teria instruído “o Sérgio Buarque, um dos jornalistas do Movimento“, a propor um confronto dele, Chico de Oliveira, “com os personagens de lá”.
Movimento não tinha seminários. Tinha um Conselho de Redação, que se reunia aos sábados e do qual o professor Chico de Oliveira participava assiduamente, como diz mais adiante na entrevista. O incidente a que ele se refere, com o Sérgio Buarque, faz parte de um dos inúmeros debates que foram feitos no Movimento no primeiro semestre de 1977 e dos quais resultou a divisão do jornal. O professor Chico de Oliveira participou intensamente desses debates e saiu do Movimento junto com diversas outras pessoas, para fazer o jornal Em Tempo. Depois, esse jornal se dividiu também e dele saiu o Amanhã, do qual o professor Chico de Oliveira igualmente participou.
Todas essas divisões tiveram razões políticas e foram repletas de incidentes pessoais, entre os quais um incidente entre o Sérgio Buarque e o professor Chico do Oliveira. Mas é mentira dizer que eu “manipulava elementos”, para “dizer barbaridades” num seminário que era “uma ação do PCdoB” e que eu teria instruído o Sérgio Buarque a propor um “confronto” dele, Chico de Oliveira, com “os personagens de lá”.
Não me lembro bem dos detalhes do incidente entre o professor Chico de Oliveira e o Sérgio Buarque e a pesquisa rápida que fiz para escrever esta carta não bastou para reavivá-los.
As pessoas em geral e especialmente os de certa idade – como eu, 67 anos – devem tomar cuidado para não reconstituir o passado valendo-se apenas de lembranças.
4 – Depois de dizer que todo sábado, por dois anos, participou das reuniões do Conselho de Redação de Movimento, o professor Chico de Oliveira diz que ele e Bernardo Kucinski, “aqueles que o Raimundo depois chamou de trotskistas”, “fomos expulsos numa reunião que virou a noite. Foi a fase em que o PCdoB transitava da influência maoísta para a influência albanesa.”
a – Não acho que qualificar uma pessoa de comunista, marxista, leninista, trotskista, stalinista, maoista ou coisa que o valha, nos dias de hoje, represente uma ofensa. Na época da ditadura, fazer a qualificação era como denunciar a pessoa à polícia. O professor Francisco Oliveira não diz quando eu qualifiquei a ele e ao Bernardo Kucinski como trotskistas. De qualquer forma, nunca chamei o professor Chico de Oliveira ou o Bernardo Kucinski de trotskistas. Conheço a trajetória política dos dois há muito tempo. Se tivesse de catalogá-los, hoje, os chamaria de social-democratas.
b – A reunião a que o professor Chico de Oliveira se refere ocorreu no final de maio de 1977. Foi uma das raras reuniões conjuntas do Conselho de Redação com o Conselho Editorial de Movimento, que incluía grandes personalidades da vida cultural e política brasileiras. Debatiam-se os rumos do jornal, num clima de grandes divergências internas. Foram votadas várias proposições relativas à política editorial do Movimento. Não houve nenhuma expulsão. Não se votou exclusão de ninguém. Mas diversas pessoas, entre as quais o professor Chico de Oliveira, não concordaram com as decisões e se retiraram do jornal. Para fazer outros jornais, com outras orientações político-editoriais. Basta ver, por exemplo, que o Em Tempo se tornou, por muitos anos, o jornal da corrente Democracia Socialista, do PT, de orientação trotskista até recentemente.
Para concluir, prezada Ivana, não acho que a Margem Esquerda, que se apresenta como uma publicação de “Ensaios Marxistas”, deva se contentar com as declarações do professor Chico de Oliveira. O marxismo, como dizia Lênin, é “a análise concreta da situação concreta”. A crise da imprensa popular do final dos anos 1970 é um evento relevante na nossa história e merece mais do que um destampatório de opiniões, especialmente quando elas são tiradas, como parece ser o caso, de um poço de rancor.