Entidades protestam contra multa a 'Folha', 'Veja' e Marta
As esdrúxulas multas aplicadas pela Justiça Eleitoral ao jornal Folha de S.Paulo, à revista Veja e à pré-candidata do PT à Prefeitura de São Paulo, Marta Suplicy, renderam diversos protestos de entidades da sociedade civil, especialmente
Publicado 18/06/2008 20:44
O motivo da punição — que parece não ter precedente, tampouco lógica — foi que Justiça Eleitoral acusou os textos de conterem dose de propaganda eleitoral antecipada. A decisão foi tomada pelo juiz auxiliar da 1ª. Zona Eleitoral de São Paulo, Francisco Carlos Shintake, que acolheu duas representações propostas pelo Ministério Público Eleitoral. Cabe recurso ao TRE-SP (Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo).
Segundo Shintake, os veículos publicaram matérias que “exorbitaram do mero interesse jornalístico, exercida a liberdade de informação de modo inadequado, a ponto de caracterizar propaganda eleitoral extemporânea”. A propaganda eleitoral é permitida a partir de 6 de julho do ano da eleição — mas desde quando entrevista jornalística configura propaganda?
Censura
Em nota de repúdio, a Associação Nacional de Editores de Revistas (Aner) manifestou “sua apreensão com a decisão”. Segundo a Aner, “a publicação de matérias jornalísticas com candidatos a cargos eleitorais jamais poderá ser considerada propaganda eleitoral, uma vez representar direito e dever da imprensa, consagrados pela Constituição Federal, de bem informar seus leitores para que estes possam exercer livremente a cidadania, representada pelo direito do voto”.
A nota é assinada pelo presidente da associação, Jairo Mendes Leal, que comparou as multas aos arbítrios do regime militar (1964-1985). “Depois dos anos duros de ditadura militar, que impôs a censura-prévia à manifestação do pensamento, e após a reconquista da democracia e do estado de direito, a sociedade brasileira não pode silenciar-se frente a qualquer ato que possa representar obstáculo ao exercício da liberdade de expressão ou ao direito do cidadão de ter livre acesso à informação”.
A Associação de Jornais (ANJ) e a Ordem dos Advogados do Brasil também condenaram a decisão. De acordo com nota da ANJ, a atitude da Justiça Eleitoral, além de “absurda”, é “clara violação ao direito constitucional da liberdade de expressão. Não é possível considerar como propaganda eleitoral aquilo que, obviamente, é matéria jornalística. Isto é subestimar a capacidade de discernimento dos leitores e dos cidadãos”.
Já para o presidente da OAB, Cezar Britto, é preciso agir “respeitando a igualdade e o relevante interesse de informar os projetos e planos dos candidatos. E impedir esse debate é não compreender o sentido democrático da liberdade de imprensa”.
“Recaída autoritária”
Maurício Azêdo, presidente da centenária Associação Brasileira de Imprensa (ABI), avaliou a decisão como grave afronta à liberdade de imprensa. “A ABI reitera a sua conclusão de que atualmente o maior inimigo da liberdade de imprensa no Brasil é o Poder Judiciário. É preocupante a aplicação desse entendimento da Justiça Eleitoral, porque nos vemos diante do retorno à sonegação da liberdade de imprensa que vigorou durante a ditadura militar.”
O cientista político Roberto Romano, especialista em ética pública e professor da Unicamp, foi outro crítico. “Respeito muito o trabalho do Ministério Público, mas isso é uma recaída autoritária, um atentado à liberdade de imprensa”, afirmou Romano, que continuou: “Não tem sentido essa representação judicial contra o jornal. Vi a entrevista, e ela não tem caráter eleitoral e nem de propaganda. A pessoa pode ser entrevistada a todo momento. Foi um excesso de zelo”.
Para o ex-ministro da Justiça e jurista Saulo Ramos, as representações do Ministério Público e as sentenças do juiz da 1ª Zona Eleitoral não são apenas uma ameaça à liberdade de imprensa. “É um equívoco mesmo. É falta de estudo. Eles (os juízes eleitorais) assistem a muita televisão e lêem poucos livros. É uma questão de senso comum. Até os leigos sabem disso. Entrevista não se confunde com propaganda. Pode difundir o candidato, mas não é propaganda.”
O advogado Luis Francisco Carvalho Filho, da Folha de S.Paulo, classificou igualmente a decisão de “absurda” e disse que vai recorrer ao TER-SP. Para ele, “não é papel da Justiça Eleitoral estabelecer regime de exceção e censura”. E disse, ainda: “O jornal tem o dever de informar os seus leitores”. Além de Marta Suplicy, a Folha já entrevistou o prefeito Gilberto Kassab, e os candidatos Geraldo Alckmin (PSDB) e Soninha (PPS).
O advogado Alexandre Fidalgo, que representa a Veja, disse que também vai recorrer. Fidalgo usará os argumentos do interesse da sociedade, da liberdade de imprensa e do objetivo meramente informativo da entrevista que a revista fez com a candidata na Veja São Paulo. “O destino da informação é a sociedade. Ela tem que ser informada sobre o que pensam os candidatos”, diz ele.
Marta, por sua vez, considerou a decisão “equivocada” e “sem parâmetros”. “Nós estamos recorrendo e acredito que a situação vai ser esclarecida”, afirmou a petista. “Não vamos ter que pagar uma multa que seria absolutamente improcedente de acordo com o país democrático em que vivemos — e com a democracia em que vivemos.”