Resistência libanesa derrota ofensiva da direita
Ao longo da recente luta política no Líbano, as mídias bombardearam-nos com a versão fabricada pelo imperialismo. Neste artigo, John Catalinotto, do jornal operário americano Workers World, esclarece a sucessão de acontecimentos e as posições políticas da
Publicado 20/06/2008 16:52
“Soldados do Hezbolá no Líbano responderam a uma provocação lançada pelas forças presentes no governo do país (governo apoiado pelos EUA) e conseguiram uma forte derrota militar sobre as forças da direita, especialmente em Beirute. Relembre-se que o Hezbolá tornou-se popular no país em resultado da sua bem-sucedida resistência aos ataques israelitas ao longo dos anos.
A 12 de maio desencadearam-se em Beirute fortes confrontos entre a oposição liderada pelo Hezbolá e as facções políticas de direita que apoiam o governo. Segundo a Associated Press os combates prosseguiam nessa altura em Tripoli, no norte do país.
A Administração Bush está por trás do governo de Fouad Siniora. No início de maio os EUA acusaram novamente o Hezbolá de ser um “grupo terrorista”. Bush, a caminho de Israel para comemorar a 12 de maio a ocupação de 60 anos de terras palestinas por parte do Estado de Israel, condenou o que ele chamou de “esforços recentes do Hezbolá e dos seus patrocinadores em Damasco e Teerã para usar a violência e a intimidação para rebaixar o governo e o povo do Líbano aos seus interesses”. Bush expressou igualmente apoio ao exército libanês.
A maioria dos povos no Sudoeste asiático e no Norte de África — se não mesmo em todo o mundo — considera Bush como um criminoso de guerra e um inimigo dos povos árabes e muçulmanos.
Como o regime pró-americano provocou os confrontos
O Líbano viveu uma sangrenta, debilitante e violenta guerra civil entre 1975 e 1990. O governo libanês não quer hoje ser visto como provocador de uma nova guerra civil, mas ao mesmo tempo sente-se ameaçado pela crescente popularidade do Hezbolá. Deram-se, assim, dois passos para forçar o Hezbolá e os seus aliados a desarmarem ou aparecendo estes como os causadores de um novo conflito no país.
O governo tentou destituir o responsável da segurança do aeroporto de Beirute, o General Wafiq Shoucair, conhecido por ter boas relações com o Hezbolá e o seu partido aliado, o Partido Amal. Dado que o aeroporto se situa no sul da capital, portanto, junto de uma praça-forte do Hezbolá e na medida em que o aeroporto é a principal entrada para o país, a substituição de Shoucair poderia colocar o Hezbolá em risco. (semanário Al Ahram Weekly, de 8 a 14 de maio).
Por outro lado, o governo ordenou ao exército a destruição do sistema interno de comunicações do Hezbolá. Este sistema, que se encontra separado da rede telefônica libanesa, foi a base de comunicações do Hezbolá na guerra de 2006, onde conseguiram derrotar e fazer recuar a invasão de Israel sobre o Líbano.
Hassan Nasrallah, líder do Hezbolá, reagiu prontamente. Apelidou a ofensiva governamental de “declaração de guerra” e afirmou que “a rede de comunicações é um componente fundamental das armas da resistência. Até hoje, o Hezbolá nunca utilizou as suas armas internamente, mas fá-lo-á para defender as suas armas e recursos” (declarações ao jornal alemão Junge Welt de 10 de maio).
Walid Jumblatt e outras forças de direita na coligação governamental imediatamente responderam com um ataque de propaganda ao Hezbolá. Contudo, foram incapazes de montar um efetivo ataque militar. As batalhas militares têm um forte componente político que as forças pró-imperialistas muitas vezes esquecem.
O próprio exército tem soldados de todas as comunidades libanesas e os oficiais foram incapazes ou não tiveram vontade de confrontar diretamente o Hezbolá, tal como os partidos de direita e extrema-direita lhes tinham ordenado. O exército não tomou posição a favor de nenhum dos lados durante os confrontos. As forças milicianas representando o governo, defronte de uma massiva greve geral e face aos combatentes do Hezbolá, rapidamente foram derrotadas.
Depois de três dias de combates, houve notícias de que o Hezbolá, em 10 de maio, controlava grande parte de Beirute e do Monte Líbano, uma praça-forte de Jumblatt. Em 11 de maio, o Hezbolá recuou e admitiu que o exército passasse a controlar estas áreas. O governo em resposta recolocou o general Shoucair no seu posto na segurança do aeroporto e deixou as comunicações do Hezbolá intactas.
A luta é política, não sectária
Os governos dos países imperialistas e as mídias dominantes passaram uma imagem completamente distorcida dos eventos no Líbano. Os mídias afirmam incessantemente que as lutas ocorridas são entre duas correntes religiosas — os xiitas e os sunitas — em vez de mostrarem as coligações de diferentes partidos políticos que representam diferentes setores da sociedade libanesa.
Compreender quem é quem no Líbano contradiz esta distorção e ajuda a perceber os eventos que levam aos conflitos naquele contexto social e político.
A débil posição de Washington no Líbano a seguir à derrota de Israel em 2006, fornece-lhe um interesse em fomentar a guerra interna entre os libaneses, tal como faz no Iraque e na Palestina. Bush apoiou e ajudou a planejar no passado a invasão de Israel em 2006, com o propósito de esmagar o Hezbolá e continua a fazê-lo no presente.
A coligação governamental libanesa, que inclui o partido liderado por Jumblatt e outros partidos de direita do poder dominante cristão, tem igualmente o apoio dos países da Otan e dos países árabes clientes do imperialismo, como a Arábia Saudita e do Egito.
Opondo-se a esta coligação pró-imperialista, está a oposição liderada pelo Hezbolá. Hezbolá, que significa “Partido de Deus”, tornou-se na maior força da resistência depois da ocupação israelense de 1982. Finalmente derrotou e expulsou os ocupantes israelitas em 2000. O partido tornou-se o principal organizador dos mais pobres das comunidades xiitas que se encontram na zona entre o sul de Beirute e a fronteira com Israel. O Hezbolá chegou a todas essas comunidades com ajuda e assistência.
Em julho e agosto de 2006, o Hezbolá liderou a resistência guerrilheira que lançou uma nova tremenda derrota sobre Israel. Esta vitória ganhou a simpatia das comunidades sunitas do sul do país e o respeito das massas árabes e muçulmanas dentro e fora do Líbano. A sua vitória inspirou medo entre os governos árabes que colaboram com o imperialismo.
O exército libanês não participou na luta contra Israel em 2006. O Partido Amal, implantado nas comunidades sunitas, bem como o Partido Comunista Libanês e o Movimento Patriótico Livre liderado por Michel Aoun e vindo da comunidade cristã, foram todos aliados do Hezbolá durante os combates de 2006, e continuam a sê-lo. O carácter não-sectário desta coligação, para além do seu forte apoio popular, refuta a distorção nas mídias imperialistas.
Os ataques israelenses de 2006 mataram 1.100 libaneses, na sua maioria civis, e destruiu muita da infra-estrutura e habitações do sul do Líbano. Apesar destes horrores, o Hezbolá e os seus aliados saíram fortalecidos politicamente do rescaldo da guerra de 2006. Contudo, a liderança do Hezbolá reafirmou que não tem intenções de tentar tomar de assalto o aparelho de Estado libanês.
Inversamente, ao longo dos últimos 17 meses a coligação progressista tem lutado para ter um terço da representação parlamentar na Legislatura Libanesa. Insiste igualmente na necessidade de manter a sua força militar para reprimir uma nova agressão de Israel.
A luta política continua. O objectivo da coligação liderada pelo Hezbolá é manter uma força de combate numa base anti-imperialista e prevenir lutas que levem a divisões internas em bases sectárias, algo que só ajudaria Israel e os EUA.”
John Catalonotto é editor do jornal americano Workers World.