Aldo Rebelo: O Brasil, a Suécia e a Copa de 58
As comemorações dos 50 anos da conquista de nossa primeira Copa do Mundo são uma oportunidade de realçarmos a importância do futebol na formação social brasileira e na confraternização dos povos. Na simbologia da competição fraterna propiciada pelo Esp
Publicado 25/06/2008 15:20
Muitos foram os fatores que contribuíram para aquela jornada que fundou o futebol-arte. Destacou-se, pela primeira vez, o planejamento impecável da delegação organizada pelo presidente da então Confederação Brasileira de Desportos, a CBD, João Havelange, ao lado, entre outros, do Marechal da Vitória Paulo Machado de Carvalho, do coordenador Carlos Nascimento, do técnico Vicente Feola, do médico Hilton Gosling, do dentista Mário Trigo, do preparador físico Paulo Amaral e do massagista Mário Américo.
Chegavam ao fim as excursões improvisadas. Seleções anteriores cruzaram o Atlântico sem sequer saberem em que hotel iriam hospedar-se. A de 54 não sabia o regulamento da Copa. Desta vez, todos os passos, dia a dia, hora a hora, dos nossos jogadores foram previamente cronometrados. Até o peso do bife que iriam comer na Suécia fora regulamentado pela Comissão Técnica.
Também foi inaugurada a fase dos exames médicos dos jogadores convocados, o regulamento rígido nas concentrações, a instituição efetiva da Comissão Técnica atuando em equipe, pois, até então, o treinador era um soberano solitário, e ainda perdido em tarefas miúdas e desgastantes. Em 1958, Vicente Feola preocupava-se apenas com o futebol.
Não menos importante foi a perda do complexo de perdedor que trazíamos desde 1930, ampliada sobremaneira na derrota de 1950 em pleno Maracanã. Um grande cronista esportivo da época, Nélson Rodrigues, recolhia a voz das ruas: “Só seríamos campeões do mundo no dia de são Nunca”, mas ele próprio se encarregava de rebatê-la e prever a vitória da Seleção.
Outra tradição importante foi inaugurada naquele ano: o orgulho estrangeiro de acolher a Seleção Brasileira. A Suécia, como seria regra depois, recebeu o Brasil com admiração e fraternidade. A cidade de Hindas entrou em estado de graça ao ser anfitriã da Seleção.
Entre as muitas homenagens que merecem os protagonistas da Copa de 58, a nós brasileiros cabe rendermos um preito especial de gratidão, respeito e fraternidade ao povo da Suécia.
Não eram tão estreitos os laços entre as duas nações. De nossa parte, o Patriarca da Independência José Bonifácio de Andrada e Silva fixou-se naquele país em 1796, durante a viagem de estudos que fez através da Europa a serviço da Academia de Ciências de Lisboa. Em 1798, o gênio brasileiro divulgou a descoberta de uma nova espécie mineral encontrada na Suécia, a petalita, um silicato de lítio e alumínio.
Em 1813, recebemos o viajante sueco Gustavo Beyer. Legou-nos um livro de ampla simpatia ao povo brasileiro, particularmente aos paulistas, que na época ainda viviam insulados e pouco eram visitados pelos naturalistas estrangeiros, que mais se dirigiam ao Rio de Janeiro e à Bahia. Beyer elogiou um dos mais fortes traços de nossa identidade nacional, a hospitalidade, “tão grande que não nos deixaram pagar coisa alguma, parecendo até que consideram isso um tributo devido ao estrangeiro que constantemente recebe as mais significativas provas de bondade e de benevolência.”
A jornada de 58 serviu para estreitar os laços de amizade entre as duas nações. A Embaixada da Suécia festeja hoje a participação daquele país na Copa e homenageia a nossa Seleção com a presença do presidente Luís Inácio Lula da Silva, alguns dos nossos craques da época e também de jogadores suecos que engrandeceram a vitória do Brasil na final de 29 de junho. A embaixadora Annika Markovic promoveu a vinda a Brasília da cantora Lisa Nilsson, que tem há tempos uma forte ligação com o Brasil e nossa música, como demonstra seu disco Hotel Vermont 609, de canções brasileiras com letras em sueco.
Lisa faz o caminho inverso ao de nossa estrela Carmen Miranda, talvez o primeiro artista do Brasil a se apresentar na Suécia, em 1953, quando foi lançar o filme Morrendo de Medo.
O Brasil já participara de cinco Copas do Mundo, e naquela de 58 já jogara duas partidas, mas foi durante os primeiros 40 segundos do jogo contra a União Soviética que o mundo viu nascer o futebol-arte como traço nacional de um país. O estreante Garrincha deixou os soviéticos perplexos e arrebatou a torcida com seus dribles humilhantes. Em três minutos, quando saiu o gol de Vavá, o futebol brasileiro imprimiu num palco de grama a coreografia que o sociólogo Gilberto Freire chamaria de dança, e o historiador inglês Eric Hobsbawm taxaria de uma nova forma de expressão artística.
Os suecos, que desde aqueles primeiros segundos de Garrincha ficaram de pé para aplaudir os brasileiros, foram os primeiros a compreender que ali se inaugurava uma nova era no esporte mais popular do mundo. Eles já conheciam o Brasil das copas de 38 e 50, clubes brasileiros excursionavam por lá e os de lá vinham ao Rio e São Paulo, mas o que agora viam e reconheciam era uma etapa superior da arte de jogar futebol.
Na final gloriosa de 29 de junho de 1958, no Estádio de Rasunda, em Estocolmo, os suecos sonhavam com a vitória, mas não disfarçavam a admiração ao adversário. “A seleção brasileira era tão boa que eu temia começar a torcer por ela”, disse o técnico George Raynor.
O desenrolar da partida mostrou que os suecos tinham dois times em campo. O de amarelo era o nacional. O de azul acabava de ser adotado. Quando o Brasil fez 5 a 2, tanto fazia para os 50 torcedores mil presentes. O goleiro Kalle Svensson diria depois que já não lamentava os gols, limitava-se a cumprimentar Pelé. A torcida o imitou e, de pé, aplaudiu os campeões do mundo.
A mostrar que o Brasil vencera mas o adversário nada perdera, Gilmar e Paulo Amaral deram a volta olímpica carregando a bandeira azul e amarela da Suécia que reunia as cores das duas seleções.
*Aldo Rebelo é deputado federal pelo PCdoB-SP. Foi presidente da Câmara dos Deputados, ministro-chefe da Secretaria de Relações Institucionais da Presidência da República e líder do Governo Lula na Câmara.