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'Che', um filme de 4 horas que está à altura de Guevara

Continuam rendendo boas histórias a vida e a luta do guerrilheiro argentino Ernesto Guevara, o Che. O filme da vez leva seu nome e tem uma grande produção internacional por trás, além da excelente atuação o ator porto-riquenho Benicio Del Toro como o pers

O primeiro, Che — O Argentino, mostra a formação de Guevara. Já o segundo, Che — A Guerrilha, aborda a experiência dele na Bolívia, onde foi morto em 1967. As filmagens foram feitas em cinco países — Estados Unidos, Espanha, Porto Rico, México e Bolívia. Os dois filmes estão em cartaz nesta quinta-feira (30), em São Paulo, no encerramento da Mostra Internacional de Cinema.


 


Os longas — que, juntos, somam quase quatro horas e meia de duração — são dirigidos por Steven Soderbergh (de Traffic, Erin Brockovich e Onze Homens e um Segredo, entre outros). E o brasileiro Rodrigo Santoro, em mais um de seus trabalhos internacionais, também está lá, interpretando um dos líderes da Revolução Cubana (1959) e atual presidente de Cuba, Raúl, irmão de Fidel Castro (Demián Bichir).


 


Che — O Argentino tem início no México, em 1955, quando Fidel e Ernesto Guevara se conhecem — o primeiro já planejava a Revolução Cubana, que consistia em derrubar o general Fulgêncio Batista do poder. Uma ação do gênero já fora tentada anteriormente, em 1953, mas sem sucesso. No ano seguinte, as duas lideranças do movimento navegavam até Cuba com mais 80 rebeldes para dar início à nova investida — a mobilização de camponeses e, com um exército cada vez maior, a conquista do poder na ilha.


 


Durante esse período, Che e Fidel seguem por caminhos distintos, cada um liderando sua coluna, e as câmeras de Soderbergh acompanham apenas Che, com eventuais encontros entre os dois. O argentino lidera seu grupo com pulso forte, exigindo que todos tenham bom comportamento, ajudando na alfabetização de seus homens e dando liberdade para aqueles que quisessem desistir da luta. Médico, tratava dos doentes e feridos — e em troca recebia fidelidade e cuidados durante suas fortes crises de asma.


 


Amor à causa


 


Ao mesmo tempo em que retrata a caminhada de Guevara pelo interior de Cuba — pela selva e por pequenos povoados —, o filme revela cenas do guerrilheiro em Nova York durante os anos 60, em seu discurso na ONU e durante uma entrevista. Num dos trechos, a jornalista quer saber: “O que é mais importante para ser um guerrilheiro?”. Che nem precisa pensar muito para responder: “Amor”. E explica que sem verdadeiro amor à causa pela qual se está lutando, nenhuma revolução pode ser realizada.


 


Foi assim, com inteligência, sensibilidade e até um pouco de ironia, que Guevara se transformou num dos maiores ícones da Revolução Cubana, adorado pelo povo que o adotou com se ele fosse um dos seus. Mas o sonho de Che era maior: ele queria promover a revolução em toda a América Latina.


 


E é justamente dessa ambição que surge o segundo filme, Che — A Guerrilha. Começa quando o revolucionário — no auge da fama após discursos inflamados na sede das Nações Unidas — parte clandestinamente para a Bolívia, a fim de tentar repetir o feito cubano e também comandar uma revolução no país sul-americano. Ao longo do filme, vemos as andanças do médico argentino pelo interior boliviano e o desfecho de seu intento — que, como a história mostrou, não foi bem-sucedido.


 


De estética semidocumental (câmera na mão, fotografia naturalista), Che é um pouco arrastado. Os recortes dos dois filmes são específicos, e, por contraporem um sucesso (a Revolução Cubana) a um fracasso (a guerrilha boliviana), humanizam a lenda.


 


Benicio Del Toro encarna Che com a competência habitual. Premiado em Cannes, o ator é aposta certa a uma indicação ao Oscar 2009. Brasileiros devem se surpreender mesmo com Rodrigo Santoro, bastante à vontade como o irmão de Fidel Castro, Raúl, segundo personagem mais importante do primeiro longa. Os dois filmes devem estrear, a princípio, em datas separadas, apenas em 2009. Na Mostra, eles serão exibidos em seqüência.


 


Admiração por Che


 


Del Toro está em Buenos Aires para divulgar a primeira parte do filme de Soderbergh. O ator declarou ser um grande fã de Che Guevara, a quem começou a conhecer a personalidade do guerrilheiro ao comprar ''por acaso'' um livro no México. E declarou que está de acordo com muitos dos ideais de Che, entre eles o de que ''o homem não deve explorar o homem'' e de que ''é preciso defender os mais fracos''.


 


''Não necessariamente estaria de acordo (com a luta armada) atualmente”, ressalvou Del Toro. “Mas talvez nos anos 60 eu fosse uma pessoa diferente, e estaria de acordo com a luta armada daquela época.'' Um dia antes, numa entrevista coletiva, o ator já se manifestara sobre o mesmo assunto, dizendo não julgar Che por seu envolvimento com a luta. ''A questão da luta armada precisa ser estudada do ponto de vista da época, uma época muito diferente da que vivemos agora. Era uma época muito violenta. Então, tomar a arma… — não posso julgar.''


 


O intérprete de Che Guevara disse que o mundo mudou de tal forma que ele vive em um país onde, ''pela primeira vez'', há a possibilidade de se eleger um presidente negro, em alusão ao candidato presidencial democrata Barack Obama. ''Nos 60, nesse mesmo país, se alguém dissesse que o presidente seria negro, ninguém acreditaria.''


 


Para fazer o protagonista de Che — O Argentino, Del Toro estudou a vida do guerrilheiro, chegando a falar com seus parentes e amigos antes de gravar o filme. Na opinião do ator, Guevara teria sido um dos grandes escritores da América Latina se tivesse se dedicado à literatura.


 


''Era um livro de cartas que ele tinha escrito à sua família na Argentina, à tia, da qual era muito amigo, e a seus pais. Eu o li e sua forma de escrever me comoveu muito'', explicou o ator. “Eu sempre disse que o Che, se quisesse ser escritor, teria sido um dos grandes da América Latina'', acrescentou Del Toro, que também elogiou as cartas ''cômicas e cheias de energia'' escritas pelo guerrilheiro.


 


Em espanhol


 


O projeto de Che passou anos parado devido a dificuldades de financiamento. Quando a produção já estava em andamento Soderbergh decidiu fazer o filme em espanhol em vez de inglês. ''Sempre estivemos conscientes de que ninguém iria nos perguntar por que fizemos em espanhol — iam nos perguntar por que a fizemos em inglês'', disse Del Toro, que também é produtor do filme.


 


A produção foi bancada por franceses e espanhóis, já que investidores norte-americanos decidiram abandonar o projeto quando souberam que seriam dois longas em espanhol. ''Foi difícil, mas foi interessante, porque dissemos: 'Se pudemos fazer Traffic, isso também podemos fazer''', disse Laura Blickford, que também produziu Traffic, dirigida por Soderbergh e protagonizada por Del Toro.