Profetas da chuva se reúnem em Quixadá para prever quadra invernosa

“O sabiá no sertão
Quando canta me comove
Passa três meses cantando
E sem cantar passa nove
Porque tem a obrigação
De só cantar quando chove”


Trecho da música Chover, de Lirinha e Clayton Barros (Cordel do Fogo Encantado)

Seu Antônio Lima era ainda um menino quando se deu conta de que, para espantar a fome, precisava abrir olhos e ouvidos para o que seu redor tinha a lhe dizer. “Os fazendeiros eram todos mãos-de-vaca e, uma vez ou outra, davam um quilo de feijão pra minha mãe plantar. Mas ela guardava só para quando tivesse certeza que ia chover”, lembra. Sem rádio ou qualquer outra forma de comunicação à disposição, sem previsões meteorológicas ou técnicos da área no roçado, o jeito era apurar os sentidos e confiar nos sinais dados pela natureza para o ano que iria entrar. Foi diante da necessidade que Lima aprendeu com a mãe o ofício de prever a chegada das águas. Hoje, é um dos mais respeitados participantes do Encontro dos Profetas da Chuva ocorrido anualmente, em janeiro, no município de Quixadá, no Sertão Central.


 


No último sábado, em meio ao fuzuê de mais de 30 profetas – a maioria de chapéu e cabeça branca – o agricultor de 68 anos preferiu o recato. Sentado sob as pedras do Açude do Cedro, afastado da massa, ele soltava timidamente relatos de suas experiências. “Os animais que ficam debaixo da terra é que sabem dessas coisas (de chuva). A gente não sabe de nada. Pra você ver… Aquilo lá que teve em Santa Catarina (as enchentes ocorridas em novembro) não é inverno, é castigo pro povo saber quem é Deus”, diz. De todos os filhos, apenas um se inclinou para os caminhos do pai. Segundo ele, a caçula Catarina, 13, tem dom para “previsão, reza e cura”, mas mora com a mãe e anda muito tentada com outros tipos de festa bem diferentes do encontro dos profetas. “Hoje tem pouca mulher na roça. Elas querem mesmo é assistir novelinha”.


 


Seu Lima faz profecia baseado no movimento das formigas, dos sapos e das abelhas. Há outros que preferem saber da vinda do inverno por meio da floração das plantas. O bom profeta da chuva, no entanto, não restringe a sua previsão a somente um indicador. Tal qual cientista, ele cruza dados das mais diversas observações para chegar a uma conclusão. O esforço para acertar é enorme. Afinal, um erro pode significar penúria durante um ano inteiro diante do dinheiro perdido com uma colheita mal-sucedida.


 


Dona Lourdes Leite, 71, observa as flores do sombreão e a umidade das pedras de sal grosso que deixa no parapeito da janela. De unhas pintadas e brincos, ela compartilha o indicativo de bom inverno com os demais companheiros. É a única mulher com direito de voz naquela reunião. “Uma vez recebi um recado de uma mulher de Choró dizendo que queria me dar umas explicações sobre profecia. Sei que ela não teve coragem de aparecer”, afirma apertando os lábios com uma ponta de orgulho. Lourdes é professora aposentada e aprendeu a prever chuva a custa de muita picada de formiga nos pés. “Eu era pequena e ajudava o meu pai no roçado. Reclamava das ferroadas, mas ele dizia que era bom sinal. Se as formigas estavam em cima da terra, é porque vinha chuva”. A vocação de profetisa foi assumida apenas há quatro anos a pedido de um amigo que desejava ver uma mulher participando do encontro. Nesse tempo, ela diz nunca ter sofrido preconceito dos colegas. Diante do factóide, o assédio da imprensa é sempre grande. Envaidecida, ela fala das várias entrevistas que já concedeu. “Ontem mesmo uma TV ficou de aparecer lá em casa”, solta.


 


A pinta de artista, no entanto, não é exclusividade dela. Durante o encontro, com a platéia montada, cada profeta é chamado um a um para dar os parecer e explicar os métodos que o levaram a tal conclusão. Nos cinco minutos de fama, tem quem se empolgue com o microfone na mão e não pare de falar. Outros, como seu Renato, 83 anos, são tão sucintos que precisam de uma força. “Se a formiga-de-cupim não tivesse engordado pra criar asa até semana passada, não tinha inverno”, disse o agricultor laconicamente. “Mas graças a Deus apareceu nessa última semana, né?”, tentou puxar, em vão, o organizador do evento, Helder Cortez.


 


Nesse falatório todo, sempre surgem opiniões completamente divergentes. Um diz que vai chover a cântaros e, logo em seguida, vem um afirmar que o ano vai ser seco de doer. Curiosamente, todos os profetas são enfáticos em afirmar que sempre acertam. Diante de tantas controvérsias, seu Erasmo Barreira, 61, dá uma de São Tomé e leva o próprio objeto de estudo para comprovar para os demais que está realmente certo. “Tem gente que só fala e fala. Eu faço mais! Trouxe uma pequena amostra aqui”, diz apresentando um enxu repleto de larvas e mel. Os meninos ao redor se atiçam e não querem saber da explicação. “Tio, tio! Dá uma capinha pra chupar?”. Seu Erasmo faz que não vê.