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Na Rússia, voluntários civis ajudam e fiscalizam a polícia

A principal avenida do centro de Moscou está normalmente congestionada, mas no dia em questão estava livre de carros e repleta de pessoas que aproveitavam a rara tarde de sol de fim de inverno enquanto caminhavam com seus uniformes verde limão e seus c

 


 


Enquanto a banda se preparava para marchar, Vladimir Kazerzin e seus homens se aproximaram com a missão de abrir caminho para os músicos em meio à multidão. Kazerzin foi professor de filosofia e não é policial, e é por isso que está encarregado da tarefa. Ele lidera um contingente de voluntários, conhecidos como “druzhiniki”, que patrulham com crescente frequência as ruas da capital, em companhia dos profissionais, para engrossar as fileiras da polícia e, em determinadas ocasiões, moderar sua beligerância.



“Observe aquele soldado de aparência tristonha, em comparação com o meu pessoal”, disse Kazerzin, com um brilho de orgulho nos olhos, enquanto apontava para um recruta de aparência especialmente desanimada que estava trabalhando no controle das multidões, em companhia de seus voluntários. Nas cercanias, policiais municipais de Moscou, portando seus quepes de pele, ladravam ordens em tom feroz para que a multidão se dispersasse e despertando a indignação dos transeuntes.



Enquanto isso, os comandados de Kazerzin, a maioria dos quais estudantes universitários identificados por braçadeiras vermelhas e com brincos brilhantes nas orelhas, sorriam e conversavam com os presentes, enquanto os conduziam a locais de onde podiam assistir à parada sem prejudicar o seu desenvolvimento.



Para as pessoas que se lembram da vida na velha União Soviética, os druzhiniki servem muitas vezes como lembrete nostálgico das patrulhas cidadãs de estudantes e avós que caminhavam pelas ruas, portando braçadeiras vermelhas, para manter a vigilância contra arruaceiros e contra pequenos criminosos, a mando do Partido Comunista.



Ainda que suas fileiras tenham diminuído desde o colapso soviético, o governo russo vem se esforçando para promover a reconstrução dos druzhiniki, em parte para ajudar as agências policiais a combater aquilo que, temem as autoridades, possa se tornar um surto de crime e desordem pública, em meio ao crescente desemprego e à alta de preços causada pela crise econômica. Um grupo de legisladores no Parlamento russo está propondo leis que reforçariam a autoridade das patrulhas de voluntários existentes.



Hoje, esses grupos de voluntários parecem pouco diferentes das organizações de vigilância de bairro que existem em muitos países. Mas na Rússia eles representam um dos raros exemplos de voluntarismo em uma sociedade que continua em larga medida a se manter cética quanto a grupos cívicos, depois de anos de ativismo forçado na era soviética, ainda que haja quem tema o retorno da era dos informantes de bairro.



Mas os defensores desses grupos descartam esses temores como absurdos. “Quando se trata de proteger crianças e de expulsar arruaceiros adolescentes dos parques infantis, as pessoas se unem para agir”, disse Vasily Solmin, ex-tripulante de um submarino da frota soviética no Pacífico e hoje comandante de um dos grupos de druzhiniki que atuam em Moscou.



Os druzhiniki haviam praticamente desaparecido depois que o governo da Rússia retirou seu apoio a esse tipo de organização, com o colapso da União Soviética, mas voltaram a emergir com toda a força em Moscou depois dos ataques terroristas contra dois edifícios de apartamentos que causaram centenas de mortes em 1999, disse Irina Svyatenko, membro do Legislativo municipal de Moscou.



“Naquela época, as pessoas simplesmente decidiram que era hora de começar a patrulhar seus próprios bairros”, disse. “Não pediram a permissão de ninguém, não houve qualquer iniciativa do governo para promover esse tipo de atividade. As pessoas simplesmente decidiram que isso era necessário”.



Agora, os druzhiniki contam com mais de 17 mil voluntários em Moscou, e há unidades ativas em mais de 40 outras regiões da Rússia, de acordo com Vyacheslav Kharlamov, assistente do comando dos druzhiniki de Moscou. Na capital, voluntários ajudam a polícia no controle de multidões durante eventos públicos importantes como concertos, disputas esportivas, festivais públicos e manifestações de protestos. Uma das atividades favoritas entre os integrantes dos druzhiniki é trabalhar na recepção anual que a embaixada norte-americana oferece em Moscou no dia 4 de julho, o dia da independência dos Estados Unidos. “Eles nos servem comida e ocasionalmente enviam até mesmo algumas garrafas de cerveja”, disse Kazerzin.



Na era soviética, ele afirma, os voluntários tinham autoridade para deter pessoas que acusassem de delitos e de escrever multas de trânsito, e recebiam indenizações caso sofressem ferimentos durante suas ações de patrulha. Hoje em dia, a maioria dos druzhiniki recebe pouco mais que o direito de usar de graça o sistema de transporte coletivo e a braçadeira vermelha de identificação.



“Nossa função deveria ser a de realizar aqueles trabalhos para os quais a polícia simplesmente não tem tempo, como combater pequenos crimes de rua ou agir para prevenir o crime”, disse Kharlamov.



O novo projeto de lei, que provavelmente será debatido pelo Legislativo russo no próximo trimestre, instituiria os druzhiniki como organização permanente em nível federal, e permitiria que impusessem multas às pessoas que desobedeçam suas ordens, bem como que recebam indenização por ferimentos sofridos durante o trabalho de vigilância. Os legisladores russos chegaram até a debater a possibilidade de permitir que os voluntários trabalhem armados, com cassetetes ou armas de choque.



“Estamos agora oferecendo uma chance à sociedade, por meio dessa nova estrutura de combate ao crime, de proteção à ordem pública e, o mais importante, de garantia à segurança nas áreas em que as pessoas vivem”, disse Vladimir Vasilyev, presidente do comitê de segurança pública no Legislativo russo.



Os críticos da proposta, porém, se preocupam com a possibilidade que a força de policiamento civil, com seus poderes ampliados, se torne presa fácil da corrupção que já se tornou comum entre as agências policiais russas.



“Se hoje já enfrentamos problemas para controlar as ações de nossa polícia, o que poderia acontecer caso criássemos uma estrutura muito menos treinada, menos disciplinada e menos controlada?”, questiona Aleksandr Cherkasov, da Memorial, uma organização de defesa dos direitos humanos sediada em Moscou. “O que teremos é uma formação obscura, colocada além do controle da polícia, e ela terminará por se fundir a elementos criminosos”.



Valery Maximov, um policial aposentado que hoje comanda um regimento de voluntário com 126 membros que trabalha em Moscou, discorda dessa visão. Ele argumenta que, já que os voluntários têm a obrigação de patrulhar em companhia da polícia, a presença deles pode dissuadir os policiais de ceder às oportunidades de corrupção.



“Quando eles patrulham em companhia da polícia”, disse Maximov, “sei que o policial não poderá aceitar uma propina, porque o druzhiniki estará de olho”.


 


Do New York Times
Tradução: Paulo Migliacci ME