Professores ganham abaixo do piso em 80% das cidades do Ceará

A ´Lei do Piso´ ainda não vigora na maioria dos municípios, mas já é alvo de questionamentos entre docentes e prefeituras

Mais de oito meses depois da aprovação da Lei nº11.738/08, que institui o Piso Salarial Nacional dos Professores, a norma ainda não foi aplicada de forma efetiva na maioria das cidades cearenses. Segundo estimativa do secretário de Finanças do Sindicato dos Professores do Estado do Ceará (Apeoc), Anízio Melo, cerca de 80% dos municípios pagam abaixo de R$ 950,00 por 40 horas aula semanais para professores com formação de Ensino Médio, valor estabelecido como piso em julho do ano passado.


 


Esse, aliás, é o primeiro embate entre gestores e professores. Para a União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime), o valor do piso para 2009 é de R$ 950,00. Os sindicalistas alegam, porém, que sobre esse valor já deve ser aplicado reajuste de 19,2%, totalizando R$ 1.132,40. O percentual é referente à variação do custo aluno/ano do Fundeb de 2008 para 2009, divulgado pelo Ministério da Educação (MEC). A lei cita que esse é o índice a ser usado nas correções anuais a partir de 2009, mas, mesmo assim, a dúvida persiste.


 


De acordo com o presidente da regional Nordeste da Undime, Flávio Araújo Barbosa, que também é secretário de Educação de São Gonçalo do Amarante, a entidade considera o valor de R$ 950,00 para este ano por entender que o reajuste só deve passar a ser aplicado para a categoria um ano depois da efetivação do piso.


 


Valor com acréscimo


 


Para 2009, o texto legal estabelece que os municípios devem pagar, pelo menos, o salário adotado em 2008 acrescido de dois terços da diferença entre o piso estabelecido em lei (R$ 950,00 ou R$ 1.132,40) e a remuneração do ano passado (ver tabela). Contudo, tanto a Apeoc quanto a Undime são a favor de que os vencimentos já sejam pagos integralmente este ano, quando a conta pode incluir também gratificações salariais.


 


Em 2010, porém, as dificuldades poderão ser maiores para Estado e municípios. Isso porque o valor do piso terá de ser pago de forma integral e, obrigatoriamente, com algum reajuste incluso. Além disso, até lá, o Supremo Tribunal Federal (STF) já deverá ter julgado a Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) 4.167, movida por seis governadores de Estados — entre eles, Cid Gomes, do Ceará.


 


Na ocasião, será decidida a legalidade de dois pontos da Lei do Piso, atualmente sub-júdice. O primeiro é o estabelecimento de um terço da carga horária dos professores para atividades extraclasse, como planejamento de aula e aprimoramento profissional.


 


O outro é a determinação de que, a partir de 2010, o valor do piso deverá corresponder à remuneração básica, sem incluir as gratificações.


 


Saber ao certo quantos e quais municípios se adequaram à Lei do Piso é difícil. Undime, Apeoc e Assembléia Legislativa do Estado do Ceará não têm a informação precisa. Em consulta feita pela Undime às secretarias municipais de educação, a pedido da reportagem do Diário do Nordeste, apenas cinco gestores declaram ter se adequado ao piso nacional. Juntando com informações colhidas com a Undime, a Apeoc e as sucursais do jornal no Interior, é possível concluir que outras 11 cidades também já se adaptaram — na maioria dos casos, considerando os R$ 950,00.


 


Segundo Anízio Melo, a média salarial paga hoje em muitos municípios cearenses é de um salário mínimo, excluindo gratificações. “Professores que têm jornada de 20 horas chegam a receber menos de um salário mínimo”, denuncia. O representante da Apeoc lembrou que os professores estão mobilizados para cobrar a aprovação da lei original do piso pelo STF, incluindo a incorporação das gratificações e a carga horária extraclasse.


 


Já Flávio Barbosa lembra que a maioria dos municípios já paga valores próximos do piso, considerando o vencimento mais as gratificações, e as câmaras municipais estão aprovando as propostas de reajustes para 2009. O secretário acredita que a partir de 1º de maio — data-base da maioria das cidades — mais de 50% delas terão se adequado à lei federal.


 


Necessidade de planejamento


 


Conforme o representante da Undime, as prefeituras deverão aproveitar o tempo anterior à decisão do STF sobre a Adin 4.167 para se planejar para a necessidade de contratar mais professores, caso a reserva de um terço da carga horária para atividades extraclasse passe a valer. “Não podemos ficar esperando enquanto o Supremo não julga e sim nos planejarmos. E se a decisão for a favor?”, adverte.


 


Barbosa instrui os municípios que procurem saber se há professores concursados disponíveis para assumir eventuais vagas que precisem ser criadas pelas prefeituras ou se haverá a necessidade de realizar novo concurso. Um exemplo é o município de Limoeiro do Norte, que aprovou piso de R$ 1.132,00, um terço de atividades extraclasse e contratação de 86 novos docentes.



VALOR


 


950 reais é o valor do piso nacional dos professores determinado pela Lei 11.738, aprovada em julho do ano passado. Docentes apontam, entretanto, que o valor em 2009 passa a R$ 1.132,40, considerando o reajuste de 19,29%. O tema gera polêmica junto às prefeituras



Quixadá é pioneiro na adoção da legislação federal



Enquanto o Governo do Estado alegava inconstitucionalidade na Lei Federal 11.738, os professores da rede de ensino público fundamental de Quixadá eram os primeiros do Ceará a terem o direito assegurado. No início de dezembro passado, a Câmara de Vereadores aprovou mensagem do Poder Executivo local alusiva à norma federal que estipula o piso nacional dos educadores. Na medida constava a proposta do Plano de Cargos e Carreira (PCC) da categoria. Nela, a garantia do reajuste de 27% a 36% com base do piso salarial aprovado pelo Congresso Nacional em julho de 2008.


 


Segundo a professora Socorro Borges, uma das integrantes da Comissão de Negociação do Sindicato dos Servidores Públicos de Quixadá, Banabuiú, Choró, Ibaretama e Ibicuitinga (Sindsep) realmente Quixadá tem se destacado na aplicação dos parâmetros da lei que estabelece salário básico unificado para todos. Os dois terços previstos em lei já constam nos contra-cheques dos docentes da rede municipal, calculados com base no último reajuste. Resta apenas o cumprimento da carga horária.


 


Das 40 horas semanais para quem tem carga de 200h/aula, 13 delas ainda não estão sendo dedicadas às atividades extra-sala. A representante classista esclarece que até o início de 2010, além do piso integral todos terão o direito à formação e planejamento educacional. A mudança ainda não ocorreu porque o número de profissionais do ensino não é suficiente para atender à demanda local. Será necessária a realização de concurso público para suprir a carência. Até o início do próximo ano Quixadá deverá abrir pelo menos 100 vagas.


 


Prazo para adequação


 


Quanto aos municípios vizinhos, o Sindsep deu prazo de 180 dias para a adequação à nova lei. Socorro Borges explica que coincidentemente os gestores públicos dessas cidades (Banabuiú, Choró, Ibaretama e Ibicuitinga) estão assumindo o cargo pela primeira vez. Alegam necessidade de melhor conhecimento das contas públicas, todavia ela esclarece que o Governo Federal assegura o repasse de recursos caso não possam bancar as remunerações previstas em lei. Advertiu, porém, que o dinheiro não deve ser transferido para outros fins.


 


O presidente do Sindicato dos Servidores Públicos de Quixeramobim (Sindseq), professor Francisco Júnior Maciel da Silva, destaca que os docentes do segundo maior centro educacional da região também já contam com os dois terços do piso estipulado nacionalmente. Lamenta, porém, a decisão unilateral adotada pela Secretaria de Educação do município ao aprovar a adequação junto ao Legislativo. Na ocasião, os profissionais perderam parte de seus direitos, dentre eles a licença prêmio, e tiveram redução de 10% para 8% na gratificação para quem tem título de especialização.


 


Outro empecilho apontado pelo líder sindicalista está relacionado à carga horária. Apesar de ser um dos primeiros municípios a cumprir o dispositivo que assegura as atividades de planejamento, na reformulação do PCC o critério adotado foi o mesmo estipulado pelo Estado, baseado em medida judicial aprovada pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Apenas 8 horas são disponibilizadas para as atividades fora da sala de aula. Ele considera a decisão precipitada, já que os prefeitos têm até o início de 2010 para atenderem às normas de amparo aos profissionais do magistério.


 


A secretária de Educação de Quixeramobim, Socorro Pinheiro, assegura não ter havido perda de vantagens para a categoria. De acordo com a professora a Lei do Piso enquadrou a complementação financeira. Quanto às demais medidas, foi a forma encontrada para a adaptação e amenização dos efeitos causados pela implantação da norma nacional. Ela garantiu que seu município está cumprindo o que rege a lei. A preocupação é tamanha que, nas escolas da zona rural, onde a carência de professores é maior, a carga horária deles foi acrescida em mais 25 horas na sala de aula. Eles recebem remuneração adicional pela atividade extra.


 


Docentes mobilizados


 


Professores do Estado e dos municípios estão mobilizados em favor da implantação do piso nacional de salário para o ensino médio e reajuste dos vencimentos para o nível superior. Nesta cidade, a unidade regional do Sindicato Apeoc mobilizou os docentes e promoveu assembléia da categoria. Em Várzea Alegre, o sindicato dos servidores públicos realizou manifestação no Centro da cidade em defesa do piso.


 


Na região Centro-Sul, Iguatu é a única cidade que implantou, integralmente, o piso no valor de R$ 950,00 para os docentes de nível médio. Nos demais municípios, técnicos das Secretarias de Educação fazem as contas para definir a implantação do piso salarial da categoria, mas encontram dificuldades financeiras.


 


Em face da queda dos recursos do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), principal receita da maioria das prefeituras, desde janeiro passado, os cofres municipais estão vazios. Nesse cenário de crise, surge a obrigatoriedade de pagamento do piso nacional de salário para os docentes do Ensino Médio.


 


Reivindicação atendida


 


De acordo com a legislação, a implantação do piso salarial pode ser parcial. No decorrer deste ano, os municípios podem pagar dois terços da diferença entre o valor do piso, que é de R$ 950,00 e o valor atual do salário. A partir do próximo ano, o piso deve ser implantado integralmente.


 


A secretária de Educação de Iguatu, Benildes Uchoa, disse que a implantação do piso salarial retroativo a janeiro passado vai atender a 197 professores. “É uma decisão do prefeito Agenor Neto atender a essa reivindicação dos professores”, explicou. “Agora teremos de fazer uma revisão do Plano de Cargos, Carreira e Salário (PCCS) para melhorar os vencimentos dos docentes de nível superior também”, afirmou.


 


Com a implantação mesmo parcial do piso para o ensino médio, está ocorrendo nos municípios um fato curioso. Os vencimentos se aproximaram dos salários dos docentes de nível superior. Em face dessa realidade, quem tem o diploma na mão está pressionando para a revisão salarial. É o caso de Iguatu. Reunidos em assembléia geral da categoria no auditório do Centro de Educação de Jovens e Adultos e na Câmara de Vereadores, as lideranças do movimento pediram a imediata revisão do PCCS.


 


A professora Edhe Nobre solicitou o cumprimento de uma data-base para o reajuste salarial da categoria, a implantação de um terço da carga horária livre para planejamento e capacitação, além da efetivação dos docentes aprovados em concurso realizado em 1997 com 40 horas semanais. “Precisamos de uma data base de reajuste”, disse. “Ainda não temos informação sobre o piso salarial e há necessidade de reduzir o número de professores contratos temporariamente”.


 


Para a professora Élia Maria de Souza, é urgente a questão da efetivação em 200 horas mensais dos aprovados em concurso único realizado há 12 anos e a implantação de um terço da carga horária destinado ao planejamento. A professora Francisca Pereira defendeu a reformulação e atualização do PCCS, a melhoria da merenda e do material escolar.


 


Na cidade de Várzea Alegre, o Sindicato dos Servidores Públicos Municipais promoveu, recentemente, manifestação pública, no Centro da cidade, com o objetivo de solicitar da Prefeitura a implantação de um PCCS, valorização dos professores, efetivação dos aprovados em concurso e reajuste salarial. “Queremos participar da elaboração do PCCS”, disse o presidente do sindicato, Magnaldo Franco. “Há servidores ganhando menos de um salário mínimo e, por isso, exigimos cumprimento da legislação”.


 


O secretário de Educação de Várzea Alegre, Dagoberto Diniz, reconheceu as dificuldades que o município enfrenta, mas rebateu as críticas da direção do sindicato dos servidores. “Na primeira gestão, concedemos 42% de reajuste e estamos elaborando o PCCS e vamos integralizar o piso salarial dos professores de ensino médio até o fim ano. Com o plano, o município vai fazer um ajuste para corrigir distorções”.


 


Em Cariús, a secretária de Educação do município, Ana Maria Antunes, disse que está fazendo as contas para implantar o piso salarial do Ensino Médio. “Não há data definida, mas vamos fazer o quanto antes”, disse. “Estamos fazendo a planilha de custo”. Na realidade atual, o salário dos docentes de nível médio ficaria, em Cariús, maior do que os profissionais do ensino superior, que têm salário base de R$ 835,00. “Precisamos corrigir essa distorção”, disse Ana Maria. “A saída é reduzir o número de docentes temporários”.


 


No município de Quixelô, a secretária de Educação, Fabiana Martins, anunciou que vai implantar o piso salarial a partir deste mês de abril. “Vais ser feita uma correção salarial com reajuste de 18%”, disse. “O nosso esforço é melhorar as condições salariais na medida do possível e corrigir as distorções”, assegurou.


 


Movimento tem saldo positivo


 


Avaliamos que o movimento de mobilização dos professores da rede estadual e municipal de ensino, no Dia Nacional de Luta, foi muito positivo. As escolas pararam. Tivemos a oportunidade de discutir os problemas da categoria na Câmara de Vereadores. Acreditamos que há questões que podem ser resolvidas com o Governo do Estado e com o município. Cobramos dos vereadores o compromisso de apoiar nossas reivindicações que são a revisão do Plano de Cargos e Salários, a efetivação de 200 horas para os aprovados em concurso de 1997 e a redução de profissionais temporários.


Gorete Soares
Rep. do Sindicato Apeoc


 


Implantamos o piso salarial para os docentes do Ensino Médio de forma integral, desde janeiro passado. Foram beneficiados 197 professores. O próximo passo é fazermos a revisão do Plano de Cargos, Carreira e Salários, que foi elaborado, discutido com a categoria e aprovado em 2007. A revisão é uma necessidade para melhorarmos o salário dos professores de nível superior. Sempre estivemos abertos para sugestões e reivindicações da categoria, visando à melhoria do ensino. O prefeito Agenor Neto está melhorando da Educação, valorizando o magistério, reformando escolas e distribuindo fardas e material escolar.


Benildes Uchoa
Sec. de Educação de Iguatu


 


Estado faz ressalvas à legislação federal



Apesar de o governador Cid Gomes ser um dos autores da Ação Direta de Insconstitucionalidade (Adin) que questiona a Lei do Piso Nacional dos Professores, a titular da Secretária da Educação do Estado (Seduc), Izolda Cela, garante que o governo não é contra os benefícios concedidos aos educadores, mas tem apenas ressalvas a alguns tópicos da legislação.


 


O primeiro deles é o estabelecimento, por uma lei federal, de que o piso salarial deve ser obedecido, a partir de 2010, todo pelo vencimento base, sem incluir as gratificações. “Somos contra que isso esteja numa lei federal”, diz, sugerindo que a União não tem o direito de estabelecer como deve ser a composição salarial vigente nos Estados e municípios.


 


O outro nó é a reserva de parte da jornada de trabalho para atividades extraclasse. “Não somos contra um terço de carga horária fora de sala, mas ela precisa ser ancorada em regras claras de utilização dessa carga horária e, principalmente, de acompanhamento das escolas. Para que a carga horária exista a bem da escola”, diz.


 


Como exemplo, a secretária citou o caso de um determinado Estado onde já existe a reserva de carga horária extraclasse e no qual o governo estaria pensando em conceder um incentivo para os professores usarem as horas fora de sala realmente em benefício da escola. “Veja como a coisa se distorce”, alerta. “A gente ainda tem uma distância muito grande para ter uma situação mais decente, mas isso não justifica frouxidão de comportamento”, protesta a secretária.


 


Dificuldades


 


Na rede estadual, Izolda lembra que oito horas semanais já são reservadas para atividades extraclasse, então não seria tão penoso acrescentar pouco mais de cinco horas a esse total. Outro grande problema, segundo ela, seria a necessidade de contratar mais cinco mil professores com carga horária de 20 horas semanais. “É muito. Imagine o que seria as redes estaduais e todas as redes municipais atrás de professor. Já temos carências em determinadas áreas. Os municípios também têm, até mais do que o Estado”, adverte.


 


A situação, conforme a secretária, acarretaria dois graves problemas. O principal seria haver maior número de professores leigos para ministrar disciplinas específicas, devido à falta de mão-de-obra. “A lei vem com uma roupagem de melhoria para o professor, mas isso não vem a bem da escola. Isso criaria impactos gerenciais e na qualidade de ensino”, adverte. O outro ponto negativo seria a repercussão na folha salarial da educação, que já beira os R$ 700 milhões. Atualmente, a rede estadual tem cerca de 15 mil professores efetivos e 22 mil no total, incluindo temporários e aposentados.


 


Todos recebem, pelo menos, R$ 950,00, caso de cerca de dois mil profissionais, incluindo aposentados, temporários e apenas 42 professores de nível médio na ativa — 80% dos educadores em atividade têm especialização e recebem R$ 2.180,00, conforme a Seduc.


 


Cumprir a lei


 


De acordo com a secretária da Educação, a correção salarial de 2009 está sendo negociada com os educadores. Izolda Cela não garantiu que o Estado pagará o valor de R$ 1.132,40 aos profissionais de nível médio, mas disse que o governo obedecerá a legislação federal.


 


Quanto às gratificações, disse que a tendência é haver a incorporação de algumas ao vencimento base e a manutenção de outras, mesmo com um percentual menor.


 


ADVERTÊNCIA


''A lei vem com uma roupagem de melhoria para o professor, mas isso não vem para o bem da escola''
Izolda Cela
Sec. de Educação do Estado