Ielnia Farias Johnson – Tragédias brasileiras

Meu passado de militância política se distancia. Porém, hoje residindo nos Estados Unidos, tenho momentos de periódico reencontro com o Ceará, e, integrada numa geração participativa, me toca a realidade atual do País. Nessa condição, observo que duas gra

Refiro-me, primeiro, à tragédia das prisões, torturas, caçadas e assassinatos que se deram em nome da raivosa doutrina de segurança nacional. Eu mesma, ainda muito jovem, fui sequestrada por dois homens em Parnaíba (PI), conduzida para Recife (PE) e submetida a bárbaras torturas, sem noção do que poderia acontecer comigo.


 


A segunda tragédia consiste na desumanização dessa memória, na indiferença ou descaso quanto ao destino das vítimas do regime. Inúmeras famílias abaladas pela barbárie têm sido “reparadas” com indenizações, como se a moeda remisse a luta, o luto e a dor da perda de entes queridos, inúmeros deles “desaparecidos”.


 


Na atual temporada, fui surpreendida pela noticia (JB, 4/4/2009) de que presumidos restos físicos do meu irmão, Bergson Gurjão Farias, executado pelos militares na Guerrilha do Araguaia (abril-1972 a janeiro-1975), estão largados no armário de um anexo do Ministério da Justiça, entre dez esqueletos recolhidos na região em 1991, 1996 e 2001. Hoje, 37 anos após o início do confronto, isso me parece, além de trágico, revoltante.


 


O governo ainda não agiu para tratar as feridas das famílias enlutadas, mas sabe que há muito está em pauta o clamor pelo enterro digno de seus mortos — um rito da Grécia antiga, onde a um soldado que tombou em combate se rendia sentida homenagem nos solenes funerais.


 


Bergson foi um bom e bravo filho do povo brasileiro — determinado a doar sua vida pela conquista da liberdade. Numa emboscada, protegeu seus camaradas. Enfrentou a fúria dos que covardemente o “trucidaram a golpes de baioneta, num dos episódios mais grotescos protagonizado pelos militares: varado de tiros e barbaramente massacrado, seu corpo foi levado para Xambioá e pendurado numa árvore” (JB).


 


Minha mãe, aos 94 anos, me pergunta (e a Tânia e Gessiner, meus irmãos) quando e como faremos o enterro do nosso terno e inesquecível guerreiro. E isso me instiga a realizar todas as ações necessárias para a viragem desta página infeliz da nossa História, mesmo vivendo num país onde a reação comum é a do espanto quanto aos feitos da ditadura militar brasileira.


 


Ao governo brasileiro, cabe oferecer firme resposta ao nosso anseio, em harmonia com a ansiedade do nosso povo. E, desse modo, restabelecer os laços e sentimentos de confiança e cooperação, nesta questão crucial, na relação com quem o elegeu.


 


Ielnia Farias Johnson é farmacêutica, radicada nos EUA, foi líder estudantil da UFC nos anos 1960, irmã de Bergson Gurjão, morto no Araguaia