Investigações falhas impedem elucidação de crimes no RN

Falhas na abertura das investigações e no andamento do inquérito policial têm levado, segundo autoridades do Ministério Público Estadual (MPE) e até da Polícia, ao não esclarecimento de crimes de grande repercussão perante a opinião pública e, sobretud

Delitos criminais dos quais são vítimas pessoas de classe média e alta ou profissionalmente e socialmente reconhecidas pela população, na maioria das vezes, entram na lista do que se costuma chamar de “crimes insolúveis”, como foi o assassinato da advogada Bianca Mesquita Cerino de Moraes Passos, caso que completou agora dez anos.


 


Outro homicídio, como o do professor e técnico de futebol Antônio Basílio Filho, foi declarada extinta a sua punibilidade em 18 de setembro de 2007, vinte anos depois de ocorrido o seu assassinato.


 


A demora em se chegar à autoria de crimes como esse, também leva a sociedade a ter uma sensação de impunidade, como admite o próprio promotor de Justiça Augusto Flávio de Azevedo, que atua no Tribunal do Júri Popular em Natal: “nós tivemos a oportunidade de atuar em diversos crimes como esse da advogada Bianca Mesquita, mas há da nossa parte um sentimento de frustração enorme, não tem outro termo, senão essa frustração”.


 


Para o promotor, os entraves ao não esclarecimento da autoria dos crimes “decorrem da falência do Estado brasileiro, como ente político, da Polícia, do Ministério Público e do Poder Judiciário”, que se encontra desaparelhado como deve ser: “enfim, é um Estado que não consegue minimamente dar uma resposta à sociedade brasileira”.


 


O promotor Augusto Flávio Azevedo diz que todo o problema começa na apuração dos crimes, inclusive porque a Polícia Técnica muitas vezes não tem elementos nem infra-estrutura e investimentos para exercer o seu trabalho investigativo, sem falar nas falhas humanas e deficiência profissional, inclusive na capacitação da Polícia.


 


Azevedo diz que no período de realização de julgamentos pelo Tribunal do Júri Popular, atua em pelo menos dois processos por semana, mas na maior parte deles falta o básico, “como fotografias da cena do crime”. Ele exemplificou ainda que, em muitos casos, toma-se conhecimento de que não foi feito o isolamento do local do evento criminoso – “é o mínimo que se pode fazer”.


 


Questões como essas são importantes para o andamento do processo e o seu julgamento, segundo Azevedo, de maneira que a defesa, a acusação e o magistrado responsável pelo julgamento do réu, caso se chega à autoria do crime e, em consequência, o recebimento da denúncia pela Justiça, todos possam acompanhar e decidir sobre o caso com discernimento e segurança.


 


Azevedo atua na 1ª Vara Criminal de Natal, onde são julgados 99% dos casos de homicídios consumados e cujos autores assumem o risco no cometimento do delito. “Se fizer uma estatística, na maior parte dos processos não tem o laudo técnico do local onde aconteceu a morte”, disse ele, que continuou: “A Polícia Técnica  não faz a coisa mais elementar, que é o retrato local – ‘quase que literalmente’ – para que o promotor e o juiz tenham conhecimento e identificação do ambiente onde ocorreu o crime”.


 


Ele lembra que no caso da advogada Bianca Azevedo, que foi encontrada morta com um tiro na cabeça no anel viário da UFRN, se teve notícia da existência de uma lente de óculos no local do crime, mas não se sabe o paradeiro dessa peça que poderia contribuir para a elucidação do fato delituoso. Na sua avaliação, a elucidação e a descoberta da autoria de muitos crimes de homicídio se devem mesmo à experiência, o esforço “e ao faro dos bons policiais”.


 


Para delegado falta estrutura no RN


 


Titular da Delegacia Especializada de Homicídios (Dehom) criada pela Secretaria Estadual de Defesa Social (Sesed) justamente para investigar os crimes de autoria desconhecida, depois de esgotado o período regular de instauração de um inquérito criminal nas delegacias distritais, normalmente de 30 dias e prorrogável por igual prazo, o delegado Laerte Jardim Brasil diz que não existe crime insolúvel: “Não concordo com o termo, o que existe é crime mal investigado”.


 


Da mesma forma, o delegado Laerte Brasil também opina que não existe crime perfeito, mas casos em que existem um certo grau de complexidade e de dificuldades para a sua elucidação, muitas vezes “pela falta de estrutura do Estado” e, segundo ele, até incapacidade profissional. “O policial que investiga homicídios tem de ser vocacionado”, acrescentou ele.


 


Porém, o delegado Brasil afirma que a Polícia também tem potencial humano para desvendar certos crimes, pois mesmo “diante de tantas adversidades”, consegue solucionar alguns desses crimes.


 


Brasil informou que a Dehom vem dando a sua contribuição para desvendar os crimes, inclusive os que envolvem pessoas de famílias humildes, como é o caso de vítimas de grupos de extermínios, e não apenas os casos de grande repercussão na mídia ou na opinião pública: “Tanto que em 2007 esta Delegacia encaminhou a Degepol um plano de redução de homicídios em Natal”.


 


Segundo Brasil, no plano consta uma estatística sobre o número de homicídios ocorridos em Natal entre os anos de 2000 e 2007, além de um comparativo da criminalidade em relação a outras três capitais do Nordeste – Aracaju (SE), João Pessoa (PB) e Recife (PE).


 


Ele diz que já existe um indicativo da Delegacia Geral de Polícia implementar esse plano, que inclui a criação de uma unidade mais aparelhada, principalmente de recursos humanos, para atuar na investigação dos crimes com autoria desconhecida.


 


Brasil ainda reconhece que “faltam instrumentos” à Polícia brasileira para atuar na investigação de  alguns tipos de crimes, tendo ele feito uma analogia com os Estados Unidos, que mesmo sendo um país com mais recursos financeiros, quando não tinha o  domínio técnico e nem o know-how para realizar investigações com base no DNA das pessoas, encontrou uma maneira de armazenar o material genético até serem criadas as condições técnicas para que o DNA começasse a ser usado como peça de prova nas investigações criminais.


 


Coordenador critica a impunidade


 


Para o coordenador estadual dos Direitos Humanos e Defesa das Minorias (Codem), Marcos Dionísio Medeiros Caldas, um dos graves problemas da criminalidade nos dias de hoje “é a impunidade”, que “tem servido de combustível para os crimes serem cometidos”.


 


Marcos Dionísio Caldas diz que ainda não dispõe de um levantamento preciso sobre os números de crimes que não são solucionados, mas diz que hoje existe “uma postura de indignação” porque não é dado o direito a ninguém de tirar a vida de outrem.


 


Caldas analisa que atualmente o aparelho de segurança pública do Estado precisa ter uma Polícia destinada apenas a esclarecer crimes, agir apenas dentro de sua competência investigativa, “e não tomar conta de preso e ao mesmo tempo ser responsável pela apuração”, como ocorrem atualmente em quase todas as delegacias especializadas ou de bairros. “A Polícia termina não fazendo uma coisa nem outra”.


 


Segundo Caldas, ao se responsabilizarem por atribuições que não são da competência deles, os policiais acabam desperdiçando sua energia a custodiar presos e administrar delegacias, “quando podiam estar se dedicando a esclarecimentos de crimes, sobretudo aqueles sem repercussão na opinião pública, e que geralmente não se chega a nenhum culpado”.


 


Caso Bianca volta a ser investigado


 


A advogada Bianca Mesquita de Moraes Passos foi morta em 14 de maio de 1999, no anel viário do Campus Universitário da UFRN, a uns 200  metros de uma guarita do quartel do Exército, em Nova Descoberta. Bianca Mesquita, 33 anos, foi encontrada com um tiro na cabeça e caída do lado de fora do seu carro, um Pálio cinza. Na época do crime, dois vigilantes do campus chegaram a afirmar que viram dois rapazes numa moto próximo ao carro da vítima, que um dia antes de ser assassinada, havia chegado de João Pessoa (PB), onde fora prestar concurso  público para juíza.


 


O Ministério Público chegou a opinar pelo arquivamento dos autos, acreditando na inexistência de indícios suficientes a possibilitar a identificação dos autores do fato delituoso. Em 31 de outubro do  ano passado, o então juiz Henrique Baltazar Vilar dos Santos decidiu pela continuidade da instrução processual, por entender, que pelo menos em tese, em dois depoimentos prestados à autoridade policial, além de outras provas, “brotam suficientes indícios de autoria do delito”, pelo menos para o oferecimento da denúncia contra os suspeitos, o marido da advogada e uma segunda pessoa.


 


Desde 13 de janeiro deste ano que o processo se encontra na Dehom  para a realização de diligências complementares.


 


Caso Gilson Nogueira está no TJ


 


Outro caso de repercussão foi o assassinato do advogado Francisco Gilson Nogueira de Carvalho,  morto com um tiro de escopeta na madrugada de 20 de outubro de 1996, em frente à granja “Minha Jóia”, no município de Macaíba.


 


Em 16 de março deste ano, o processo de seis volumes foi remetido para o  Tribunal de Justiça, devido a recurso interposto pelo advogado Daniel Alves Pessoa. “Nem a defesa nem o Ministério público foram ouvidos para opinar sobre o desaforamento da ação penal de Macaíba para a Comarca de Natal”, explicou ele, que também é assistente no processo da advogada Bianca Mesquita.


 


O policial aposentado Otávio Ernesto Ernesto Moreira chegou a ser indiciado pelo crime, mas em 7 de junho de 2006 foi absolvido pelo 2º Tribunal do Júri Popular, que acatou a tese de negativa de autoria, suscitada pela defesa em plenário, por maioria de votos (cinco não e dois sim).


 


Pela sentença proferida pelo então presidente do Tribunal do Júri, o juiz Célio de Figueiredo Maia, o crime contra Gilson Nogueira continua “insolúvel”.


 


Casos de grande repercussão no RN


 


Caso emblemático que continua sem solução foi o “Crime da Camisola”, como ficou conhecido o assassinato, em 19 de julho de 1987, do comerciante Lenilson Costa, um dos donos do Armazém Cacique, cujo prédio ainda hoje existe nas Quintas.


 


Lenilson Costa foi morto com duas facadas no tórax e seu corpo localizado num barreiro da fazenda Malhadinha, no município de Santo Antônio, na região Agreste. No local, estava o  Corcel II, bege, de sua propriedade, e ao lado dele, foram encontradas uma camisola branca, dois copos de plástico, descartáveis e ainda um pedaço de corda.


 


Costa tinha 39 anos na época e morava no conjunto Pirangi, de onde saiu dizendo para a mulher que iria para uma festa na Maçonaria de Nova Cruz.


 


Caso Antônio Basílio


 


O professor e treinador de times  de futebol, como o juvenil de América e ABC, Antônio Basílio Filho, foi morto a facadas em setembro de 1987. O crime prescreveu em 19 de setembro de 2007.


 


O corpo de Antônio Basílio foi localizado no açude do Vilar, ao lado de onde hoje se situa a rótula da BR-304, em Macaíba.


 


Caso João Régis


 


O caso mais recente é do advogado João Régis Cortês de Lima, 51 anos, assassinado na noite de 9 de fevereiro de 2008, na porta de casa, em Petrópolis, ao responder ao chamado de dois desconhecidos que atiraram nele à queima roupa.


 


A Polícia fez 33 interrogatórios, mas concluiu o inquérito sem apontar os autores do crime, que fugiram num Gol branco, dirigido por um terceiro comparsa.


 


O processo tramita na 3ª Vara Criminal desde 2 de fevereiro deste ano, mas foi remetido à Delegacia Especializada de Homicídios (Dehom) para o cumprimento de novas diligências feitas a pedido do Ministério Público e atendidas pelo  juiz Raimundo Carlyle de Oliveira Costa.


 


Maurílio não acredita em crime perfeito


 


Com mais de 40 anos de carreira na Polícia Civil, o delegado Maurílio Pinto de Medeiros também entende que não existem crimes perfeitos ou insolúveis. Porém, ele classifica que “os crimes ocasionais podem se tornar perfeitos” porque não deixam tantos vestígios como os crimes cometidos de forma planejada ou premeditada. “Mas nem todos são insolúveis”, reforçou ele. Para Maurílio Pinto, os chamados crimes ocasionais são mais difíceis de se produzirem provas, ao contrário de outros praticados já com intenção. “Agora mesmo estou investigando um caso que se pensava em ser um suicídio, mas do  tiro, a pessoa havia sido envenenada”.


 


Atualmente chefiando a Delegacia de Capturas (Decap), sucedânea da antiga Polinter, Maurílio Pinto diz que “falhas também podem existir nas investigações”, que possam prejudicar a elucidação de um crime: “Isso é real, muitas vezes não se chega a uma conclusão”. Porém, o delegado lembra que um inquérito pode ser reaberto a qualquer momento, não pode ser arquivado, “desde que existam fatos novos para a realização de diligências”.


 


O promotor do Tribunal do Júri, Augusto Flávio Azevedo, diz respeitar a experiência e a capacidade de Maurílio Pinto de Medeiros, mas afirma concordar em parte com as suas declarações, de que os crimes ocasionais podem se tornar “perfeitos” pela dificuldade de se obter provas para indicação da autoria do delito.


 


Segundo Azevedo, por se tratar justamente de um crime ocasional e espontâneo, é que um suposto criminal não tem cuidado na ocultação de provas, portanto, deixa indícios, vestígios e pistas sobre o crime que cometeu.


 


Fonte: jornal Tribuna do Norte (17/05/09) – repórter Valdir Julião