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Entidades e lideranças propõem Toque de Acolher

Em vez de recolher, acolher. Essa é a proposta que contrapõe à ideia de estipular que crianças e adolescentes não podem ficar na rua depois das 23 horas. A nova proposta ganhou o nome de “toque de acolher”, em oposição ao chamado toque de recolher. A proposta foi lançada pela Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci) e foi apresentada aos vereadores, em sessão na Câmara de Fortaleza. Leia a seguir a íntegra da nota emitida pela Funci.

“Foram detidos 77 menores por furto, embriaguez, vagabundagem e imoralidade (…) foi ainda criada uma reclusão disciplinar para menores pobres como medida redentora, uma vez que livrava a Cidade do espetáculo deprimente de menores a peregrinar, ociosamente, pelas ruas”.
Qualquer semelhança com o debate atual não é mera coincidência. Sebastião Rogério traz à tona em sua Fortaleza Belle Époque um contundente relato acerca da lógica da mera “limpeza”, da remoção de tudo que ameaçava e incomodava a ordem pública datada no pós 1915, culminando com a criação da Estação Experimental de Santo Antônio em 1928.

É muito recorrente em nossas cabeças ávidas por soluções de efeito imediato a difusão e adesão corriqueira a ideia de se cortar o mal pela raiz. De outro modo, são poucos, muito poucos aqueles que têm paciência e que se dedicam a intervir em situações cotidianas e concretas de dor, desamparo e difícil acesso a direitos de crianças e adolescentes que se encontram perambulando nas ruas. Alguém já parou para se perguntar a razão pela qual os casos de abuso sexual, violência e agressão têm se intensificado no âmbito da própria família?
Nem sempre o ambiente doméstico é um espaço de proteção. Números do Disque Direitos Criança e Adolescente (DDCA), um serviço da Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci), apontam uma grande quantidade de denúncias de violações que acontecem dentro de casa. As violações mais denunciadas são: violência física (410), abandono (319) e negligência (299), de um total de 2.636 denúncias recebidas entre maio de 2008 e março de 2009.

Crianças e adolescentes precisam ampliar espaços de expressão, de intervenção e de participação nos destinos da Cidade e nas escolhas pertinentes às suas vidas. Quando migram para as ruas em horários e situações de risco elas estão dizendo para todos nós que precisam de proteção e que estão sendo vitimizadas, exatamente nos supostos lugares de refúgio e cuidado. A ida para as ruas tem representado, muitas vezes, alternativas de sobrevivência às fomes de pão e afeto; às agressões no campo das instituições de suposto apoio e responsabilização.

Crianças e adolescentes não estão nas ruas apenas por falta de limite, disciplina e regras de limitação de conduta. Os dados dizem o contrário. São elevados os índices de suicídio entre adolescentes e mais elevados ainda os índices de violência que apontam crianças e adolescentes como vítimas. Segundo pesquisa do Ministério da Justiça, realizada entre 2004 e 2005, apenas 11,3% de homicídios, no Brasil, foram cometidos por pessoas com até 17 anos.

Desse modo, lembramos que a proteção de crianças e adolescentes passa por outras instâncias, envolvendo além da família, o Estado e a sociedade. É comum que se delegue apenas à família e ao Estado ações de proteção e promoção, ficando algumas instâncias sociais indiferentes e distantes do fortalecimento de uma sólida e diversificada rede de proteção. Cada vez que buscamos soluções aparentemente mágicas e ilusórias estamos reforçando uma ampliada cegueira em relação a tudo aquilo que incomoda e agride nossa confortável visão de mundo.

É preciso que crianças e adolescentes identifiquem saídas sólidas e seguras para que decidam deixar definitivamente as ruas. O toque de recolher pode representar uma bomba social que explodirá para longe de nossos olhos e do desenho coletivo de alternativas. Um adolescente em situação de rua comumente marcado pela rebeldia e irreverência, ao ser tolhido em sua liberdade, pode certamente se tornar mais arredio e hostil e ser ainda alvo mais fácil de violações e agressões. Conclamamos homens e mulheres de boa vontade, aqueles que se movem na paciência de construir alternativas sólidas e de longo prazo, para que reforcemos a eficiência do Sistema de Garantia de Direitos.

Precisamos produzir uma teia forte no sentido de acolher o direito de ir e vir, de uso da cidade e que reforce o campo de expressão das dores e descobertas das crianças e adolescentes que se sentem sem palavras e sem lugar. São homens e mulheres artesões de um novo tempo, de uma forma de proteção movida pela liberdade e pela verdade. Vozes que sabem que apenas dando eco aos anseios de crianças e adolescentes, às suas escolhas, poderão, juntos com elas, recriar alternativas. Você que sabe das armadilhas de ações meramente paliativas venha junto com a gente reforçar uma ampliada teia de acolhimento denominada O Toque de Acolher.
Para aderir ligue 0800 285 0880 ou mande um e-mail para [email protected]

Algumas assinaturas

Glória Diógenes, presidenta da Fundação da Criança e da Família Cidadã (Funci)

Thiago Holanda, assessor institucional da Funci

Gilberto Braga, chefe de gabinete da Funci

Flor Fontenele, presidenta do Conselho Municipal de Defesa dos Direitos da Criança e do Adolescente de Fortaleza (Comdica)

Demitri Cruz, advogado

Dr. Darival Besera Primo, titular do Juizado da Infância e da Juventude

Dr. Odilon Silveira Aguiar Neto, promotor de Justiça

Guilherme Sampaio, vereador

Ronivaldo Maia, vereador

Acrísio Sena, vereador

João Alfredo, vereador

Raquel Marques, deputada estadual

Lívia Arruda, deputada estadual

Tânia Gurgel, deputada estadual

Artur Bruno, deputado estadual

Fonte: Asssessoria de Comunicação da Funci

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