SE mantém rede de acompanhamento de pacientes com AIDS

Antes de saber, era algo distante, “coisa da mídia”. Quando soube, “o mundo veio a baixo”. Após o choque, a motivação para lutar pela vida e contra a AIDS. Esses três momentos resumem parte da histótia da dona de casa S.M.G.O., 45 anos, que prefere não se

“Começaram a aparecer alguns caroços pelo meu corpo que não cicatrizavam, acompanhados de febre e perda de peso. Cheguei a perder 11 quilos em 20 dias”, relata S., que inicialmente ficou internada no Hospital Municipal Nestor Piva, até que um dos médicos suspeitasse da doença. Logo depois, ela foi encaminhada ao Hospital Universitário (HU), onde se submeteu ao teste rápido para detecção do vírus.

 
Lá, a dona de casa ficou 60 dias internada, 14 deles em estado de coma. “Assim que o resultado do exame saiu, iniciei o tratamento com os medicamentos retrovirais, mas até então ninguém me falou nada”, conta S., que só soube de seu verdadeiro diagnóstico 45 dias depois de dar entrada no HU. Antes disso, a equipe médica já havia solicitado o mesmo teste ao companheiro.

 
A notícia foi dada aos dois juntos. “Na hora, a única coisa que se faz é chorar”, disse S., que confessou ter até pensado em se matar. “É um momento muito difícil, não tem palavras que expliquem”, resume. Quando saiu do hospital, um mês depois, estava de volta à unidade. “Dessa segunda vez, passei 12 dias e entrei em desespero; cheguei a fugir do Hospital Universitário e achei que não iria suportar conviver com a AIDS”, lembra.

 
Porém, não foi o que aconteceu. Com o apoio de seus três filhos, que hoje têm 30, 22 e 17 anos, S. foi tentando retomar a sua rotina e, juntamente com seu companheiro, 20 anos mais jovem, aderiu ao tratamento feito no Centro de Especialidades Médicas de Aracaju (Cemar). Ingressou num grupo de pessoas que vivem com AIDS e teve a oportunidade de participar de um encontro de soropositivos em Salvador (BA), onde conheceu as mais diversas situações. “Vi pessoas bem mais jovens do que eu e com vontade de viver”.

 
Um dia para lembrar

 
Nesta sexta-feira, 5, completa 28 anos do primeiro registro da AIDS no mundo e a história da dona de casa S.M.G.O. serve para ilustrar as proporções que a síndrome da imunodeficiência adquirida tomou ao longo dessas quase três décadas. “No início, pelo fato dos primeiros registros se darem entre homossexuais, a mídia chamava a doença de “peste gay”, a sociedade ignorava e a comunidade científica não sabia explicar”, relata o médico Almir Santana, gerente do Programa Estadual de DST/AIDS.

 
Segundo ele, foi desta forma que o mundo conheceu a AIDS no início dos anos 1980 e foi obrigado a lidar com a epidemia que, em um curto período, gerou consequências sociais, econômicas e políticas em muitos países. No Brasil, entre 1980 e junho de 2008, foram registrados 506.499 casos de AIDS, sendo que, nesse mesmo período, ocorreram 205.409 mortes em decorrência das doenças oportunistas que se manifestam devido à infecção pelo HIV.

 
Em Sergipe, o primeiro registro se deu em 1987. Desde então, foram registrados 2.044 casos. Desses, 498 pessoas faleceram. A faixa etária mais atingida é entre 30 e 39 anos, cerca de 40% do total. “Dos 2.044 registros, 1.950 são daqui mesmo, enquanto que 94 são oriundos de outros estados, principalmente, da Bahia e de Alagoas”, informa Almir Santana, que abraçou a causa desde a confirmação dos primeiros casos em Sergipe e para boa parte dos pacientes, como relatou S., é considerado um verdadeiro pai.

 
Vulnerabilidade

 
S.M.G.O. faz parte de um grupo que, até pouco tempo, não se considerava vulnerável à doença. “As mulheres casadas acham que a AIDS é algo que acontece na rua e que nunca vai entrar em suas casas. Isso não é verdade. O HIV não escolhe estado civil, orientação sexual, classe social, profissão, cor, religião. Basta não se prevenir para correr o risco de contraí-lo”, afirma a enfermeira Márcia Marinho, que há um ano trabalha no Centro de Testagem e Acolhimento (CTA) de Aracaju.

 
Márcia lida diretamente com as pessoas que procuram a unidade, seja por encaminhamento ou demanda espontânea. “O aconselhamento é feito antes e depois da realização do teste. No primeiro momento, além de identificar as causas que levaram o paciente a procurar o CTA para fazer o teste, nós aconselhadores temos o papel de conversar com ele sobre a possibilidade do resultado dar positivo e informá-lo sobre o tratamento, que é garantido pelo SUS”.

 
Segundo a enfermeira, para muitos, o resultado positivo representa uma sentença de morte, daí a necessidade de enfatizar a importância do tratamento. “É preciso fazer as pessoas entenderem que a AIDS não é uma doença que se morre dela, mas com ela”, esclarece Márcia. Ela também ressalta a relevância do diagnóstico precoce, pois quanto mais cedo o paciente começar a ser tratado com medicamentos, maior a chance de evitar o desenvolvimento de doenças que se aproveitam da baixa imunidade do organismo.

 
“No entanto, muita gente tem medo do exame e alguns afirmam que até preferem morrer sem confirmar o diagnóstico”, conta Marcela, uma das funcionárias do CTA de Estância, que dos 23 casos de AIDS identificados no município no ano passado, 17 foram confirmados durante ações itinerantes. “Isso só reforça a idéia de que no país há milhares de pessoas sem saber que têm o vírus. Esses 17 que identificamos fora do CTA em 2008, provavelmente, não procurariam a unidade para fazer o teste”.

 
Avanços x preconceito

 
De acordo com Almir Santana, ao longo desses anos, muitas vitórias foram registradas. O Brasil, por exemplo, se tornou o primeiro país em desenvolvimento a se comprometer com o acesso gratuito e universal aos anti-retrovirais. “A lei nº. 9.313/96 garantiu acesso aos medicamentos por meio do SUS e se tornou um dos pilares do programa brasileiro, referência para o tratamento da AIDS no mundo”.

 
A iniciativa é responsável pela queda na mortalidade e as internações, além de aumentar a expectativa de vida dos portadores. Pessoas como S.M.G.O., que vai três vezes por semana ao ambulatório especializado do Cemar e toma, por dia, 14 comprimidos. “Tem gente que sabe que tenho AIDS e que não acredita, por achar que a pessoa com a doença é aquele paciente debilitado já beirando a morte”.

 
Também nos últimos anos – talvez não na mesma velocidade do progresso científico – houve a redução do estigma e da discriminação com relação às pessoas que vivem com AIDS. Porém, situações de preconceito ainda são vivenciadas por quem tem o HIV. “Duas em especial me marcaram: um amigo que me pediu para nem passar na calçada dele e um casal que desviou o caminho para não cruzar comigo”.

 
Para ela, essa é a etapa mais difícil do tratamento: o preconceito e a discriminação. “Quando você conta, são poucos os que não mudam o olhar e fazem você se sentir anormal”, disse S., que hoje é coordenadora do grupo Cidadãs Positivas de Sergipe e dá palestras em eventos. “Vesti a camisa de luta e quero que minha experiência sirva para motivar as pessoas que se descobrem com a doença e aqueles que não dão valor à prevenção”.