Vítimas da repressão no Araguaia são anistiadas pela União

Moradores de São Domingos do Araguaia e de mais seis municípios do sul
e sudeste do Pará, perseguidos pela ditadura militar durante a
Guerrilha do Araguaia, foram reconhecidos como anistiados políticos
pelo Estado brasileiro. O anúncio do resultado do

Quarenta e quatro pedidos de reparação econômica foram deferidos, e seus requerentes receberão pensão vitalícia de dois salários mínimos e valores retroativos ao início dos processos, que chegam a R$ 100 mil, em média.

O ato público foi o primeiro de reparação coletiva feito pela Comissão de Anistia. “Eles são protagonistas da construção da democracia no país. Por isso, devemos dar um pouco de justiça e reconhecimento, para que a nossa sociedade tenha conhecimento das consequências de um regime ditatorial, que não atingiu só os que estão nos grandes centros e famosos líderes. Temos uma tarefa constitucional e oficial a cumprir com essas pessoas”, afirmou Paulo Abrão, na leitura do resultado do julgamento. Para ele, a promoção dessas reparações não tem apenas cunho econômico para quem sofreu nas mãos dos agentes do Estado. “É uma reparação moral e um pedido oficial de desculpas. Um país que reconhece seus erros, não irá repeti-los”, frisou.

Até hoje não foram abertos os arquivos oficiais da Guerrilha do Araguaia. A busca de informações para as reparações deferidas se deu com depoimentos de 256 moradores, colhidos em duas visitas à região, em 2007 e 2008. Foi quando revelaram o que ocorreu há mais de 30 anos, entre 1971 e 1975.

“Foi promovido terrorismo, tomada de terras, prisões para fins de escravidão nos quartéis do Exército, abusos sexuais contra mulheres e até um sequestro de criança que não se sabe onde está. Eles foram considerados rede de apoio à Guerrilha. A repressão atingiu vários setores da população. Viveu-se na região um estado de sítio, um verdadeiro isolamento”, relembrou Paulo Abrão.

Para a governadora, a anistia política é motivo de festa, momento em que se constrói uma nova história no país. “A resistência e a coragem da população transformaram o Araguaia em um símbolo brasileiro contra a opressão. Muitas lideranças surgiram nessa região e, aqui, vocês representam bem aqueles que lutaram neste período no Brasil”, ressaltou.

Ana Júlia Carepa disse que, no primeiro ano de mandato, o governo do Estado pediu desculpas oficiais às famílias e sobreviventes do massacre de Eldorado do Carajás, quando 19 trabalhadores sem-terra foram mortos em confronto com a Polícia Militar. “Em 2008, já beneficiamos com indenizações 30 famílias desses trabalhadores e, em 2009, serão mais 20. Mudamos a lei para que recebam a pensão até o fim de suas vidas, porque encerrariam com as indenizações”, informou.

Credibilidade – Tarso Genro destacou que a anistia política é um ato democrático de reconhecimento pelo Estado, que deve ser público e transparente. “Estamos construindo um país respeitado no mundo todo, o que não era na ditadura militar, que se preocupava apenas com os índices econômicos sem se preocupar com a situação real do povo. Queremos resolver os problemas do país pelas vias democráticas mais sólidas e de credibilidade”, afirmou.

Para ele, a persistência do povo pode regenerar o vigor democrático das instituições. “Hoje, estamos trazendo o pedido de desculpas, de perdão do Estado brasileiro. O Estado tem que se envergonhar pelo que foi feito. Não é revanchismo, mas respeito que o Estado deve ter por todos os cidadãos”, acrescentou.

O ato público fez parte da 24ª Caravana da Anistia. No total, já foram protocolados 304 pedidos de anistia política, incluindo requerimentos de militantes (26) e camponeses (278). Após esta Caravana, restarão 198 processos, deste que é um dos casos mais complexos da Comissão de Anistia, devido à dificuldade em obter provas documentais. Nesta sexta-feira (19), a Comissão de Anistia aproveitará a Caravana para realizar sessões complementares de oitivas de cerca de 90 camponeses, como parte da instrução dos demais processos que aguardam decisão.

Os anistiados no julgamento não eram guerrilheiros, e foram torturados, sequestrados e mutilados para dar informações que muitas vezes não tinham. Segundo os relatos registrados pela Comissão de Anistia, o movimento se deu num polígono de 7 mil quilômetros quadrados, entre o sudeste do Pará e o norte de Goiás, uma área extensa em que vivia uma população já carente de serviços, como saúde e educação, e que teve a situação de pobreza agravada com a intervenção militar.

Torturas – Nesse cenário viveu Adalgisa Moraes da Silva, 76 anos. Ela recebeu do ministro Tarso Genro a portaria que lhe concedeu a anistia política. No período da Guerrilha do Araguaia, o marido de Adalgisa, Frederico Lopes, 72 anos, apanhou de policiais que o chamavam de terrorista e “acabou perdendo o juízo”. “Depois de tudo o que sofreu, foi largado numa casa de apoio para loucos, onde ficou por um ano e oito meses. E eu fiquei aqui na cidade, sofrendo para criar nove meninos. Fui obrigada a dar um filho, porque não tinha mais condições; eu quebrava coco e lavava roupa”, contou.

Os distúrbios mentais deixaram Frederico incapacitado ao trabalho, após a prisão por 60 dias em Marabá. Em uma das sessões de tortura, foi colocado numa lata e chutado pelos militares.

A família perdeu casa, mantimentos e animais, queimados pelos militares. Após a prisão de Frederico, foram expulsos do imóvel e nunca mais tiveram casa própria. O filho, José Moraes da Silva, é presidente da Associação dos Torturados da Guerrilha do Araguaia, fundada em 2005. A entidade representa camponeses de sete municípios: São Domingos do Araguaia, Palestina do Pará, São João do Araguaia, Brejo Grande do Araguaia, Marabá, São Geraldo do Araguaia e Piçarra.

“Na época da Guerrilha, eu tinha 14 anos. Conheci todos os guerrilheiros do grupo A. Convivíamos com eles, e até hoje temos um enorme carinho. A maioria dos trabalhadores perseguidos hoje está doente. Com a indenização, poderão cuidar melhor da sua saúde. Meu pai é um deles”, disse ele.

Quando tinha apenas 10 anos de idade, Eva Rodrigues Lima acompanhou parte da história do país, que se escrevia na região. Ela conviveu com os guerrilheiros que cuidavam de muitas famílias da área conhecida como “Fortaleza”. Essas famílias deram comida e abrigo após a primeira troca de tiros entre eles e os militares. “Demos esse apoio porque era gente boa, que não nos fazia mal. Pelo contrário”, garantiu a filha de Adão Rodrigues Lima, um dos anistiados políticos.

O maranhense Adão tem hoje 87 anos. Foi obrigado pelo Exército a abandonar o que tinha ao ser preso por 47 dias. A mãe de Eva não suportou ficar sem notícias do marido. “Ela ficou doida mesmo com o sofrimento, porque nosso pai não fez nada e quem acabou sem nada fomos nós”, contou ela.

Por Fabíola Batista, da Agência Pará