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Morre o fotógrafo Mário Cravo Neto

Morreu no domingo (09), aos 62 anos, o artista plástico e fotógrafo Mário Cravo Neto. Ele foi cremado na manhã desta segunda-feira, em Salvador. Fotógrafo e escultor, Neto estava internado há três semanas no Hospital Aliança, na capital baiana. Ele chegou a passar um ano em São Paulo lutando contra o câncer de pele.

Foto Mário Cravo Neto

Nascido em 1947 em Salvador (BA), Cravo Neto começou na arte aos 18 anos, desenvolvendo trabalhos em escultura e fotografia. Filho do escultor Mário Cravo Júnior, ele viveu em Nova York nos anos 60.

Lá estudou arte e produziu as primeiras esculturas em acrílico. De volta ao Brasil, escolheu como temas principais para o trabalho, o catolicismo e o candomblé, muito presentes na cultura baiana.

Ele participou de cinco bienais de São Paulo (1971, 1973, 1975, 1977 e 1983), além de inúmeras mostras de fotografia na Europa e nos EUA. Em 1980 e em 1995 foi eleito o melhor fotógrafo do ano pela Associação Paulista de Críticos de Arte.

Mário Cravo Neto também colaborou com as revistas "Popular Photography" e "Câmera 35". Lançou diversos livros, entre eles estão “Ex-Votos“, 1986, “Salvador“, 1999, “Laróyè“, 2000, “Na Terra sob Meus Pés”, 2003, e “O Tigre do Dahomey – A Serpente de Whydah”, 2004.

No dia 05 de abril, ele concedeu uma longa à Revista Muito, encartada no Jornal A Tarde. Veja abaixo:

O mensageiro

Mario Cravo Neto, 61, é um cara afetuoso, mas do seu jeito. Os desavisados devem achá-lo mal-humorado, porque sua doçura não é aparente. Espécie de gênio indomável, dono do seu próprio destino, cresceu no estúdio do pai (que ficava na Avenida Garibaldi) convivendo com artistas e intelectuais, como Carybé, Lina Bo Bardi, Jorge Amado e Pierre Verger, mas fez seu próprio caminho, seu voo solo com fotografias desconcertantes, belas, angustiadas.

Morou em Berlim, em 1964, quando o muro ainda dividia a cidade em socialismo e capitalismo. Ali mesmo, viu um concerto do músico de jazz Miles Davis e uma regência do maestro Stravinsky. Foi nessa época que começou a fotografar, impulsionado pelo ambiente profícuo que o circundava.

No final dos anos 60, desembarcou em Nova York, onde ficou por dois anos trabalhando de forma criativa e intensa com esculturas e fotografias, em delírios movidos por ácidos lisérgicos e a própria cidade, repleta de planos sobre planos, que ele captava em velocidades baixas para fisgar a passagem do tempo.

Nos anos 80, foi deixando a escultura de lado e sendo absorvido pela fotografia sem abandonar os princípios da instalação. Com essa linguagem, criou imagens inesquecíveis, como as que estão no livro Eternal Now. A particularidade que deu aos retratos de seus filhos, pais e amigos tornou seu olhar reconhecido em boa parte do mundo.

Suas imagens do candomblé, no qual ficou imerso por sete anos até tornar-se filho-de-santo, capturam uma Salvador ritualística, em um jogo de forças infinito entre o mágico e o real. Carnaval, festas populares, para ele, são manifestações religiosas, e é esse ângulo que busca em suas imagens.

Um fotógrafo que gosta de experimentar, Mariozinho, como o chamam seus amigos próximos, transforma sua doença (um câncer, com o qual vem convivendo de forma mais intensa nos últimos anos) em mais um elemento a ser usado na sua arte.

Esse adorador de Exu, personagem emblemático no candomblé, que não gosta de hierarquias, é mensageiro de mundos despercebidos. O primeiro encontro com Mario para esta entrevista foi durante a finalização da instalação Bo no MAM, seu trabalho mais recente, que reúne fotos de Voltaire Fraga da década de 50 e ocupam o casarão do Solar do Unhão.

Ele chegou atrasado, mas não se importou de conversar mais de três horas sobre todos os assuntos: filhos, família, fotografia, doença, tratamento, vida, morte. Nos encontramos de novo em sua casa, em Castelo Branco, cercada por mata, fotos e desejos. Mario é um homem que não se arrepende de nada.

No seu mais recente trabalho, a instalação Bo no MAM, o senhor utilizou fotos feitas por Voltaire Fraga nos anos 50 para a arquiteta italiana Lina Bo Bardi. Como o senhor lida com a preservação da memória da Cidade do Salvador?

As pessoas da minha geração ou da anterior, que conheceram a cidade na década de 50, 60, vão fazer uma viagem no tempo com a instalação. Bo no MAM é um flashback numa superdimensão. As gravações sonoras da instalação foram feitas por Simone Dreyfus nos anos 50, com ajuda de Carybé, Jorge Amado.

São músicas de capoeira, puxada de rede, coisas que a gente não tem mais ou então estão prostituídas pelo abandono e pelo folclorismo da coisa. A única manifestação que possui um pouquinho de fidelidade é o culto afro. Como se trata de religião, é mais preservado.

Seu pai, o escultor Mario Cravo Junior, era bastante amigo de Lina Bo Bardi, inclusive é um dos responsáveis pela vinda da arquiteta para a Bahia…

Eles foram amigos, depois brigaram, mas ele foi o responsável por trazer ela para cá para fazer o museu de arte popular, um projeto que não foi realizado. Em 1964, veio o golpe, ano em que ele saiu daqui, um dos motivos de atrito com Lina. O velho tinha sido convidado para morar um ano na Alemanha. Fomos a família inteira, e ele não podia ficar aqui assumindo o museu. Lina ficou chateada.

A instalação reúne fotos de Voltaire Fraga, desconhecido na Bahia, que começou a ganhar notoriedade com uma exposição em São Paulo, em 2008. Qual sua opinião sobre Voltaire?

Voltaire era especialista em fotografia técnica, ninguém fazia tão bem como ele. Nem sabia que fazia fotografias da Bahia. Voltaire tem fotos bonitas, porque tudo que é de época nos traz uma lembrança, mas dizer que é mais importante que Verger é babaquice. Quem fazia o criativo por amor à Bahia e à fotografia era Verger.

Desde pequeno o senhor frequentava o estúdio do seu pai, na Garibaldi. O que te influenciou naquele local?

O estúdio do velho era um local onde passavam muitas pessoas, daqui de Salvador, viajantes, andarilhos, capoeiristas, artistas, escritores, pintores, fotógrafos… Se isso me influenciou? Acho que não, mas esse convívio com o metier criativo abriu certas portas do inconsciente.

Em 1964, o senhor foi para a Alemanha com seu pai. Como foi essa temporada em Berlim, com a cidade dividida?

Em 1964, ainda existia o muro, ficamos na Berlim Ocidental. O programa trouxe artistas do mundo inteiro para agitar a vida cultural de Berlim. Eram poetas, escritores, que residiram lá por um ano, e estava lá Mario Cravo Jr. como convidado também. Vi Stravinsky regendo na Opera House, Miles Davis também fez uma apresentação como parte do programa. O contato com estes artistas foi de extrema importância, foi aí que comecei a aprender fotografia, mas nunca aprendi alemão.

Você tem essa memória do show de Miles Davis?

Tenho. Ele era mais bem-comportado, embora já tocasse de costas para a plateia. Mas tocava de terno e tal. Esse show foi até gravado, eu tenho. Ele tinha total controle daquilo que fazia.

Depois na década de 70, mudou tudo. Eu aí o vi tocar mais umas duas vezes, na fase nova, com os equipamentos eletrônicos. Ele foi um cara genial, musicalmente insuperável. Eu admiro essas pessoas que trocam de degrau, que sobem a escada, saem do fundo do poço.

Quando o senhor descobriu que queria ser artista?

Sempre soube. Fiz até o colegial porque não teve jeito, mas não tinha saco. Antes de ir para Nova York já fazia esculturas em ferro. Aos 18, ganhei um prêmio de escultura da Bienal de Artes Plásticas, aqui em Salvador.

O senhor estava em Nova York no final dos anos 60, um período de descobertas, quebra de paradigmas e excessos. O senhor fez fotos que nunca foram mostradas, mas que devem ir para uma exposição em São Paulo ainda este ano.

Em 1967, fui para os Estados Unidos e passei lá dois anos. Trabalhava com escultura e obviamente fotografava muito. É isso que vamos mostrar na exposição de São Paulo, acho que no final do ano, na Estação da Luz. Vamos fazer 14 projeções fixas e lançar um livro dessa época, com 100 imagens de Nova York.

Essas fotos têm uma característica incomum, a constância, a perspectiva em fuga. A cidade tem bastante vidro e reflexo, então usava velocidades muito lentas, o que não é uma novidade, com correção de perspectiva. É como quando você toma ácido e fica vendo as coisas plano sobre plano, afeta sua visão.

Esse material todo que fiz não foi porque tomei ácido, mas porque a cidade me levou para esse lado, de tentar traduzir inicialmente uma grande falta que senti da natureza e depois aquele visual incomum de uma metrópole como Manhattan. Todo esse material foi feito com a ideia de uma passagem do tempo, por isso acho bem inusitado.

O senhor também fazia esculturas em Nova York?

Descobri em Nova York o terrarium, uma forma de criar plantas dentro de um circuito fechado, sem evaporação. Comecei a usar isso em esculturas vivas, que eram de acrílico, com terra e vegetação. Foram expostas na 11ª Bienal de São Paulo. Nessa época ainda não mostrava fotografias.

Como se deu a passagem da escultura para a fotografia?

Não se deu. Quando fui para Nova York, já fazia as duas coisas. Lentamente deixei a escultura para me envolver apenas com fotografia, porque não havia tempo para fazer as duas. Não saí, simplesmente deixei uma de lado.

Era um incômodo para o senhor ter um pai escultor?

Um ou outro falava que eu deveria me dedicar só à fotografia, Jorge Amado era um deles, mas a mim nunca incomodou.

Como é a relação com seu pai hoje?

É muito boa, uma relação de conversa, de carinho. O primeiro livro que fiz de fotografia foi Cravo, uma interpretação visual das esculturas dele. Normalmente os filhos de artista são dependentes ou estão em outra. Neste aspecto, a grande contribuição que herdei foi o conceito de que não se deve na arte fazer algo que favoreça o outro.

E com o seu filho Christian, que também é fotógrafo?

Christian tem o temperamento mais difícil. São problemas de convivência, separei da mãe dele há muito tempo… Praticamente não o vejo, ele não compartilha suas fotografias comigo. Ele é muito talentoso, mas só conheço o que ele expõe. Não faz como eu faço com o velho. É um personagem solitário. Talvez mais tarde amadureça e conviva com o pai.

O senhor passou sete anos fotografando o candomblé. A religião é um estimulante criativo para a sua fotografia?

Essas manifestações afrodescendentes sempre me tocaram muito. Levei sete anos fotografando um só terreiro, gravando vídeos e fotografando. Fiz um livro. As últimas fotografias em cores que fiz foi no terreiro de Balbino. Mas hoje não faço mais candomblé.

E por que virou filho-de-santo?

Nunca tive desejo de fazer, mas como comecei a me envolver bastante… Conheci Balbino, amigo de Pierre Verger – aquele candomblé é uma criação de Verger. Fiz uma iniciação, mas não fui mais lá.

Como o senhor absorve esta atmosfera de sincretismo?

O Carnaval e as outras festas populares, para mim, são religiosas e partes do sincretismo baiano. O Carnaval é o maior candomblé, no sentido de euforia, de etnia, do som afro.

As suas fotografias têm um pouco de realismo fantástico?

Não. Chamaria mais de realismo mágico, no sentido espiritual, religioso. Tenho mais uma visão religiosa, de aprendiz.

O senhor trabalha com cinema, vídeo. Tem alguma coisa guardada?

No candomblé, gravei tudo em DVD, vou editar um dia. Tem muito material, mas tem um videozinho que é muito simples, são cinco minutos, um plano só, um cara possuído por Exu, dançando, fazendo os movimentos, com uma música de Bob Dylan cantada por Cat Power.

Exu é visto como um personagem ambíguo, mas é o mais importante, porque sem ele não existe nada. É ele quem leva o recado, que se comunica, que diz ‘venha ao nosso mundo’. Mas a edição não está boa, vou refazer. Tem coisas que a gente faz e tem carinho. Essa é uma dessas coisas.

O senhor prefere fotografar em preto-e-branco ou colorido?

Sempre fotografei colorido e preto-e-branco. Devo ter umas 300 mil imagens em casa. Obviamente não são todas usáveis, mas é o que consegui. Só fazia isso (risos). São 30 anos de Carnaval, festas populares.

A grande coisa das festas populares eram aqueles panos de fundo coloridos. Aí vieram as companhias de cerveja e começaram a padronizar tudo. No no dia em que cheguei à Praça Castro Alves e vi que não tinha mais barraca, parei de fotografar.

Fotografar é aprisionar o tempo?

Não aprisiona porque este tempo que você registrou, ele é fictício, é dado a interpretações de quem está vivenciando isso naquele momento ou no futuro. A fotografia é documental por excelência, ela documenta mecanicamente um momento, mas a interpretação dessa documentação pode ter uma importância no passado e não no futuro, ou ter no futuro e não ter no presente.

Como lida com a fotografia digital?

Existe o aspecto do preciosismo da cópia fotográfica, que hoje em dia está se tornando meio inviável porque está tudo sendo digitalizado. Você não tem mais o material, não tem os papéis.

Estou recolhendo muita coisa minha que está no exterior, em galerias, para estocar aqui, porque estão se tornando preciosidades temáticas e técnicas. Tinha muito prazer em fazer minhas cópias. Eu adoro laboratório, trabalhava de noite lá. Mas agora está ficando meio difícil, o laboratório está desativado.

Quem faz minhas cópias, e muito bem, é Christian. Porque elas têm uma característica inusitada, as luzes são baixas, elas são escuras. E ele viu isso, sem eu nunca ensinar nem dizer. Ele tem isso nos genes.

O senhor tem fotografado?

Não, mas o estúdio está prontinho para começar. Quero agora fotografar composições com plantas medicinais e afros. Não estou muito a fim de fotografar gente.

O senhor fotografou bastante seus filhos. É uma intenção de memória, de se ver em outras formas, uma espécie de diário imagético que fez deles?

É um trabalho que desenvolvi. Chamava-se o “Fundo neutro e meus personagens”, mas o livro saiu com o nome The Eternal Now (O eterno agora). Quem deu esse título foi o cara que escreveu o texto, Edward Leffingwel.

Enquanto ficava por aí fotografando as festas populares, a cidade, a Feira de São Joaquim, fazia esse trabalho… Tive um acidente de carro e fiquei um ano deitado naquela merda de cama, engessado. Foi isso que me levou a fotografar contra um fundo de lona os personagens, as pessoas, não só da minha família, às vezes amigos.

Esse foi meu trabalho de fotografia que ficou mais conhecido. Tudo que eu tenho feito de exposição no exterior é com esse trabalho aí. Por uma série de razões. Primeiro, por causa da maneira inusitada de fotografar, fazer retratos. Depois, os personagens, mais afros. Então houve a série de personagens com animais, de personagens com os objetos no rosto, máscaras.

Mas as fotos dos seus filhos foram por acaso?

É, meus filhos sempre foram tema, meu pai também, e não só com suas esculturas. Ele é um grande ator, bastante fotografável, né, fotogênico, num certo sentido, no meu sentido de fotogenia. E os filhos também… Meus filhos sempre foram os mais fotografados e meu pai também, durante várias décadas.

Por que o senhor mora em Salvador?

Porque o meu Exu quis (risos). Já viajei bastante, mas gosto de morar aqui. Se não vivesse aqui, moraria em Manhattan. Passei o último ano em tratamento em São Paulo e foi horrível.

O senhor diz que mora aqui porque Exu quis. É meio irônico, porque disse que se desligou do candomblé.

Mas ali foi outra história. Não é que as coisas da cultura afro não me interessam, só não posso me engajar em um sistema político-religioso autoritário, por causa da hierarquia. Não quer dizer que eu não goste de Exu. Se posso dar comida para Exu, eu mesmo dou. O problema com o candomblé é a hierarquia, as obrigações até o fim da vida.

Hierarquia é um problema para o senhor?

É uma merda. Mesmo os médicos eu desrespeito quando estão me tratando, mas sei que tem de ter o peão, o rei, o cavalo. É um jogo de xadrez. Mas eu prefiro comandar minha própria área.

O senhor não é religioso?

Minha religião é fazer fotografia, experimentar. Sou uma pessoa religiosa, mas não no sentido ortodoxo. Não acredito em nada no sentido de que não existe uma verdade finita. As verdades são passageiras, são interpretações… Nós somos feitos da nossa experiência pessoal. Estou passando por uma experiência agora, não sou mais a mesma pessoa.

Como o senhor lida com a passagem do tempo?

Em 2001, tirei um sinal maligno, depois fui para São Paulo fazer uma cirurgia, e fiz durante seis anos um acompanhamento, e estava tudo ok. Aí de repente, há dois anos, apareceu um caroço no braço. O caroço é que despertou a curiosidade e foi se ver que era uma metástase de melanoma.

Não tenho grilo com essas coisas, tudo vira tema. Fiz uma série de fotografias tomando as aplicações. A foto é muito bonita. Minha vida sempre foi acidentada, desde o acidente de carro. Fiquei engessado das duas pernas, um ano deitado na cama. A vida, a morte sempre foram temas presentes no meu trabalho. As coisas que estão na minha frente já bastam.

E a passagem do tempo…

Estou com 61 anos. Tem pessoas que passam muito bem, outras sofrem bastante. Por exemplo, meu pai é um cara que nunca ficou doente. Espero que, quando ele morrer, seja de repente, para não conhecer essa experiência. Minha mãe já tem a saúde mais fraca. E eu estou assim…

Não sei se eu vou viver mais seis meses, um ano, dois, entende? As coisas estão sob controle, mas também não posso levar uma vida… Prefiro um estilo de vida que me possibilite trabalhar, realizar coisas, do que ficar como fiquei um ano atrás. Tive de me mudar para São Paulo, fazendo tratamentos absurdos, porque se tentou de tudo, até o uso de um medicamento experimental, com efeitos colaterais que acabam com a pessoa. As únicas coisas que realmente me curaram – eu agora só tenho um ponto, no pulmão – foram as cirurgias e as aplicações de rádio.

Agora, para mim, é difícil pensar no tempo, é estranho. Então prefiro levar um estilo de vida que me possibilite criar, e talvez não seja tão longo… Pois acho que existe uma cura nisso, na criação.

O senhor mudou muito?

Claro. Porque você fica com aquela incerteza, aquele sentimento de quanto tempo você vive, e o que você pode realizar. Você vai seguindo um percurso, mas quando aparece uma coisa de repente, e que você não consegue controlar, você perde a relação…

É muito difícil. Porque você fica com aquela sensação de incerteza. Esse ano que passei agora em São Paulo tomando essas porras todas, naquele clima cinzento, num frio da porra… Você fica fragilizado. Não acordo como acordava. É diferente. O tempo fica mais curto.

Para o senhor, não existe este tempo de satisfação com a sua criação, este tempo de contemplação?

Isso nunca existiu para mim. Agora que acabei essa instalação no MAM, penso em ir lá fotografar, documentar, e isso já é um outro trabalho. Tem alguns artistas que são assim, os mais blasés, mas eu sou muito ansioso, gosto de fazer as coisas.

O que é o amor para o senhor?

Essa é uma pergunta complicada. O amor não tem uma forma definitiva, ele é mutante, porque amando uma pessoa, animal, objeto, essa relação de amor vai se modificando. É um estado de purificação, de beleza, que é preciso manter.

O senhor é feliz?

Eu sou bem feliz. Na verdade, não acredito nessa divisão entre felicidade e infelicidade. Todos nós temos uma cruz para carregar e continuar vivendo. Orson Welles diz que o artista não é feliz, mas tem momentos de alegria quando faz o trabalho criativo. E essa talvez para mim seja a maior de todas.

Fonte: Jornal A Tarde