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Sucesso de Usain Bolt é um mistério até para especialistas

“Você é rápido para devolver a bola, deveria tentar o atletismo”, disse um técnico de críquete ao jovem Usain Bolt, um garoto de 12 anos de idade que gostava tanto do esporte tipicamente britânico quanto das confusões na rua.

Por Maurício Savarese, para o Opera Mundi

Dez anos depois, na modalidade que adotou, o jamaicano de Trelawny participava de suas primeiras Olimpíadas, em Pequim, e derrubava três recordes mundiais sem parecer sequer ofegante no fim das provas.

No último domingo, choque ainda maior: cravou 9s58 na final dos 100 metros rasos no Mundial de Berlim, quebrando sua própria marca pela terceira vez. Técnica? Doping? Sorte? Nem os especialistas sabem ao certo.

Nunca um competidor de alto nível no atletismo foi tão alto quanto Bolt é, com seu 1,93 m de altura, segundo a Associação Internacional de Federações de Atletismo (Iaaf na sigla em inglês).

Isso deveria atrapalhar no impulso que ele consegue para acelerar, já que diminui o número de passadas para completar a prova.

“Os velocistas costumam precisar de pelo menos 45 passadas para completar os 100 metros. Bolt completa a prova com um mínimo de 40 passadas, ou seja, menos impulso. E mesmo assim ele consegue boa parte da vantagem nos primeiros 30 metros”, disse o técnico do jamaicano, Glen Mills.

“Bolt é um esportista que nunca vimos, ele quebra os paradigmas do que é um bom velocista. A capacidade dele de controlar o quanto seu joelho sobe durante a prova pode ser uma resposta, mas isso também não é garantido para tamanho sucesso”, explicou Mills.

Tanto não é que na final do mundial disputada em Berlim o jamaicano teve a terceira pior largada – item no qual os joelhos são fundamentais – entre os oito finalistas: saiu 0s146 após o tiro de início, enquanto o trinitino Richard Thompson acelerou depois de apenas 0s119.

Para bater recordes como os de Bolt, nos 100m, 200m e revezamento 4x100m, a ciência sempre apontou como favoritos os esportistas compactos e musculares, como o canadense Ben Johnson e o americano Michael Johnson.

O Journal of Sports Science & Medicine tentou explicar a razão. “A aceleração do corpo é proporcional à força produzida, mas inversamente proporcional à massa corpórea. Isso implica em um relacionamento inverso entre a altura e o desempenho em provas velozes.”

Em outras palavras, a dificuldade está em produzir energia o bastante para conduzir um corpo grande. Essa avaliação serve para todos os campeões olímpicos das últimas décadas. Menos para Usain Bolt.

Suspeita de doping

Pelo menos 25 entre os mais de 200 países que mandam atletas às Olimpíadas não contam com uma agência antidoping com estrutura para lidar com o mal que aflige o esporte.

Um deles é a Jamaica, o que levantou ainda mais suspeitas sobre o improvável desempenho de Bolt. “Ele chega ao estádio de short, faz alongamento e começa a correr. Não é possível”, disse o velocista alemão Tobias Unger após a vitória do jamaicano nos 100 m rasos em Pequim.

“Na final só estão os atletas de países onde os controles sobre doping são baixos ou nem sequer existem. Isso diz tudo”.

Bolt, famoso por mal se cansar durante as provas, o que lhe permite até dar uma olhadinha para trás e ver onde estão os rivais, negou as acusações.

Mas a desconfiança voltou a pairar depois que dois jamaicanos que treinam com ele, Yohan Blake e Marvin Anderson, foram pegos em exames antidoping no mês passado.

Os atletas teriam usado uma substância que permite maior absorção de oxigênio pelo corpo, mas acabaram liberados por uma comissão jamaicana.

O único doping que Bolt admitiu para melhorar sua performance são os almoços recheados de nuggets de frango.

Em Pequim ele usou essa dieta para bater os adversários e desde então repete o ritual nada comum para corredores que antes das provas costumam preferir os carboidratos das massas às frituras.

“Eu me divirto antes da corrida, mas depois me concentro. Sei o que é necessário fazer e não me preocupo”, afirmou o campeão mundial. “Estou em uma forma muito boa, mas não como estava no ano passado em Pequim”, ponderou.

Bolt provavelmente disputará em alto nível pelo menos mais dois Jogos Olímpicos e três mundiais. Apesar de não ser clara a razão de seu desempenho inédito, todos já sabem que não há hoje alguém capaz de batê-lo. Melhor os rivais torcerem para ele voltar ao críquete.