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Chile: 'O neoconservadorismo crioulo em vantagem nas pesquisas'

O avanço eleitoral da oposição, segundo as pesquisas, tem gerado tensão e uma imensa preocupação na coligação de centro-esquerda que governa o Chile, chamada Concertación de Partidos por la Democracia. A situação é paradoxal. Uma coligação que encabeça um governo com significativa aceitação – pelos dados, é o mais popular na história e o de maior estabilidade – pode estar prestes a perder a presidência.

Por Juan Francisco Coloane, na Argenpress.info

Nesse quebra-cabeças, a única coisa que se encaixa é o fenômeno de uma aliança criada pela circunstância ou pelo desenho, com o claro objetivo de "derrubar politicamente" uma coligação que tem estado há 20 anos no poder.

A idéia de "tirar" a Concertación do governo, e quebrá-la como coalizão, adquiriu um aspecto político de novo paradigma. Quer dizer: a coligação que devolveu a democracia e a estabilidade para o país pode se quebrar porque, por princípio, 'deve haver alternância no poder'.

Também se fala sobre a crise dos partidos políticos e até mesmo do sistema político, o binominalismo – um legado da ditadura -, que exclui de representação parlamentar aqueles que não participam das coalizões majoritárias.

Pode ser. No entanto, há uma armadilha muito mais grave que é de desenho econômico e social.

A abordagem central do novo paradigma que tenta aplicar a oposição é o de aprofundar as medidas de ajustamento estrutural da economia, que foram implementadas em meados dos anos 80 e tem permanecido relativamente constante durante 20 anos da Concertación.

Privatização, desregulamentação e abertura indiscriminada e não-seletiva nos mercados, os eixos do ajuste, têm sido os cavalos de batalha de uma concepção ideológica de organizar a sociedade baseada no individualismo exacerbado, cujo único ganhador é a ditadura do grande capital.

No fundo, (esse novo paradigma) é um outro tipo de totalitarismo, disfarçado em uma pseudo liberdade sob a ilusão do poder do voto popular que só alimenta a sustentação das elites.

Este neoconservadorismo crioulo, que planeja um aprofundamento do ajuste estrutural, sem se manifestar de cara para a população, é representado pelos dois candidatos que exibiram a mais agressiva oposição à Coalizão nesses 20 anos de administração do país.

O mais proeminente é Sebastián Piñera, o representante da Coligação para a Mudança, uma aliança da direita tradicional e de nova feição, que tem liderado as pesquisas com cerca de 40%.

Piñera, um ex-senador, bem sucedido empresário e candidato derrotado com 46,5%, em 2005, no segundo turno contra a atual presidente Michelle Bachelet (53,50%), representa, no seu enfoque programático, os princípios económicos e filosóficos deste ajuste da economia mundial da década de 80.

Obviamente, estes princípios sofreram uma reestruturação, com uma maior preocupação com a "proteção social" (um termo cunhado pelos autores do ajustamento no Banco Mundial), mas seus fundamentos repousam sobre a mesma premissa: continuar privatizando capitais estratégicos, aumentar a desregulamentação, reduzir o papel do Estado na segurança social, e continuar com o programa de produção que exige a abertura dos mercados.

No plano internacional, Piñera se declarou admirador do "modelo Sarkozy", e mantém posições antagônicas à política externa da Concertación, que favorece o multilateralismo, a integração e a consecução do equilíbrio.

O segundo candidato opositor, um deputado dissidente que renunciou ao Partido Socialista recentemente e afastado da Concertación, Marco Enriquez-Ominami, representa tendências políticas de amplíssimo espectro político, mas também expõe um programa enraizado nas doutrinas de ajuste estrutural dos anos 80.

Com um discurso de "limpar a casa", com uma melhor gestão e probidade, e com a sua oferta de maiores liberdades e firmeza de caráter nas relações internacionais, suscita uma plataforma muito semelhante à mensagem da dupla Bush/Cheney quando desafiaram Clinton e Gore na eleição de 2000, exclamando que "deviam abandonar a casa por tê- la sujado".

Ao definir-se "pinochetista" no debate sobre uma saída ao mar para a Bolívia, Enriquez-Ominami exprime o perfil de realismo duro misturado com uma postura funcional-conductista nas relações internacionais, que foi a marca Bush / Cheney. Para além de uma frase fora de contexto, só fazer alusão a uma característica do pinochetismo na política externa, expõe um elemento chave de seu discurso nesta área.

De acordo com a respeitada pesquisa CERC de agosto, Piñera obtem 36%; Eduardo Frei, 22%; Enriquez-Ominami 15%; enquanto Alejandro Navarro e Jorge Arrate – candidatos à esquerda – obtêm 1% da preferência. Um senador do PRI, Adolfo Zaldívar , de centro-direita, fecha a lista com apenas 0,2%.

Quer dizer, nunca antes as posições neoconservadoras haviam estado tão perto de recuperar o poder que perderam no fim da ditadura militar de 1989. 

Um velho "slogan"

"Frei Sim, outro Não", foi o slogan que foi usado em 1964, quando a disputa presidencial era entre um socialista, Salvador Allende Gossens, e um outro erguido na salvação da democracia, Eduardo Frei Montalva. Continha uma mensagem simples e direta. Aquela eleição de 1964 foi definida pela direita entre a ditaduta e a liberdade. Para a esquerda de 45 anos atrás, era eleger algo vislumbrado como socialismo ou um submeter-se aos Estados Unidos. Eduardo Frei Montalva venceu com mais de 16% de votos a seu favor.

A abertura de documentos da CIA e o relatório do senador Frank Church dos EUA indicaram que houve um apoio financeiro estadunidense na campanha contra Allende. Fontes da época, um fato amplamente reconhecido hoje, assinalam que Eduardo Frei M. ganharia de toda maneira sem esse apoio externo.

Agora, sem o dilema liberdade ou ditadura, com batalhas passadas ainda indecifráveis, num outro contexto, pelo que se desprende da coalizão que governa contra o avanço da oposição, o argumento central reedita uma encruzilhada e o slogan de 45 anos atrás: Frei Sim, outro Não.

O Eduardo Frei de 2009 é filho de Eduardo Frei M, presidente de 1964 a 1970. Já foi presidente no período de 1994-2000, é de filiação democrata cristã e atual senador.

Representa uma coalizão de governo, não desponta nas pesquisas (22% no primeiro turno e perderia na segunda rodada, segundo a CERC de agosto 2009). Sua vitória depende de que o apoio da população ao governo (65%) e à presidente Bachelet (73%) se transfiram em votos para sua candidatura.

O que está em disputa desta vez não é a chegada do comunismo, mas a tentação autoritária e de corte fascista representada em uma embalagem de maior eficácia como é o neoconservadorismo, por impor a supremacia do capital e do mercado na organização social e no desenvolvimento humano.

Tanto a esquerda, como o verdadeiro centro e o humanismo de qualquer cor saíram de férias ou estão muito preocupados com os benefícios do poder.

Fonte: Argenpress