Vermelho-RN entrevista o jornalista Sávio Hackradt

O jornalista e publicitário Sávio Hackradt, que formalizou sua filiação PCdoB-RN no último dia 10 de setembro durante jantar que contou com a presença do ministro dos Esportes Orlando Silva, conversou com o Vermelho-RN sobre militância, conjuntura e planos políticos para 2010.

savio hackradt

Em que momento você despertou para a política? Teve algum episódio que registra esse momento?

Despertei para a política ainda na adolescência, no colégio Marista de Natal. Com 15, 16 anos disputei eleição para o Grêmio Recreativo do Marista. E ganhei! O colégio tinha alguns Irmãos Maristas e professores politizados que incentivavam a discussão sobre democracia. Na época, a gente estava vivendo sob a ditadura militar, no governo do general Garrastazu Médici. Tempos duros.

Lembro que Médici foi uma dia a Natal e todos os colégios da cidade colocaram seus alunos nas ruas com bandeirinhas do Brasil para saudar o presidente. Nesse dia, muitos alunos do Marista não levantaram a bandeirinha de papel do Brasil e levavam em suas mãos um pequeno frasco com uma tinta azul. É que a gente se referia ao General de “Garrafa Azul Médici”. Uma forma inocente de protesto, mas um protesto de crianças e adolescentes que despertavam para a política. 

Na sua opinião, como o exercício político pode transformar a sociedade?

Acreditar no diálogo; persistir, saber ouvir o outro, mesmo aqueles com as posições mais divergentes da sua. Assim, vamos caminhando, avançando, dando passos importantes na sociedade para a construção de um mundo melhor. Isso é exercício político. 

Como você se aproximou do PCdoB? E o que significa esse retorno?

Me aproximei do PCdoB no final da década de 70, na Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Era aluno de jornalismo e participava de todos os movimentos contra a ditadura. Nesse processo, conheci uma grande figura humana: Glênio Sá. Já no primeiro encontro nos identificamos.

O “galego” Glênio tinha sobrevivido à guerrilha do Araguaia e, depois de sofrer muito nos porões da ditadura, voltou para o Rio Grande do Norte e passou no vestibular da UFRN. O “galego” foi quem me recrutou para o partido. Organizamos o partido na UFRN e em outros locais. Participei da primeira direção do PCdoB no estado. O retorno é sempre um reencontro. Um bom reencontro com a minha origem política mais consistente. 

Você conviveu com Glênio Sá, dirigente histórico do PCdoB, conte um pouco dessa experiência dessa militância?

O querido “galego”, antes de qualquer definição política, foi um cara extraordinariamente generoso, compreensivo, solidário. Com uma humildade franciscana, ele organizou e orientou a todos aqueles que estavam começando dar seus primeiros passos num partido político do porte e da representatividade histórica como o PCdoB.

Juntos, travamos lutas memoráveis na UFRN, disputando Diretórios Acadêmicos, defendendo os interesses dos estudantes, professores e funcionários; participamos da luta pela Anistia e de todos os movimentos contra a ditadura; fomos para a luta sindical rural e urbana, apoiando aqueles que lutavam contra os dirigentes sindicais pelegos, enfim, participamos do bom combate pelo retorno da Democracia ao Brasil.

Falar de Glênio daria um livro. Aliás, sugiro que o partido colha depoimentos de militantes e de personalidades políticas do Rio Grande do Norte sobre o “galego” Glênio e publique um livro. É importante para a história política do estado. Vou parar por aqui, lembrando que nessa luta estavam também Alírio, Evelini, Walter, Graça, Fátima, Dodora, Boanerges… 

Desse período se passaram mais de duas décadas, como o militante Sávio Hackradt se transformou no publicitário Sávio Hackradt?

A minha formação acadêmica no curso de Comunicação Social da UFRN facilitou o meu posicionamento no mercado jornalístico e publicitário do Estado e depois fora, em Recife, Brasília e São Paulo. Sempre atuei na área de comunicação, ora trabalhando em jornais, rádio e televisões, ora como redator free lancer de agências de propaganda. A partir daí, entrei no Marketing Político e Eleitoral. Foi a paixão pela política que me jogou nesse mundo fascinante. 

Como publicitário você assessorou políticos de varias vertentes ideológicas. Como essa experiência pode ajudá-lo no retorno a militância político-partidária?

Sou um profissional do Marketing Político e da Propaganda Eleitoral e hoje sou professor convidado da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP), na disciplina “Planejamento Estratégico em Campanhas Eleitorais”. Nos últimos 30 anos, trabalhei coordenando campanhas eleitorais de candidatos e partidos das mais variadas matizes ideológicas.

Nesses momentos, fico focado no objetivo do meu cliente: a vitória eleitoral. Já comandei campanhas de candidatos de praticamente todos os partidos e até uma cuja aliança eleitoral envolvia partidos tão díspares quanto PT, PCdoB, PFL, PP, PSB, PTB, PV. Aprendi muito com essa diversidade nas composições políticas que se faz no Brasil, visando um objetivo eleitoral.

Minha cabeça sempre ferve muito numa campanha eleitoral na hora das definições estratégicas para acomodar interesses tão diversos num discurso político de um candidato a prefeito, por exemplo. Até a última eleição, sempre consegui acomodar as diferentes visões ideológicas que existem numa campanha. Mas, dá um trabalho danado.

O fato é que essas experiências, com visões tão diferentes do mundo, do Brasil, dos estados e municípios, dão trabalho, mas, tem me ajudado muito a ser cada vez mais uma pessoa e um profissional mais compreensivo. Nesse jogo eleitoral brasileiro, já vi boi voar e elefante passar no buraco da agulha. 

O PCdoB esta em plena mobilização do seu 12° Congresso. Nesse debate apresenta um novo Programa Socialista para o Brasil que propõe a construção de uma nação forte como caminho para chegar às portas do socialismo. Como você vê essa formulação do partido?

Esse Congresso reflete a postura amadurecida, calejada no calor das lutas históricas do partido, sob a orientação do Comitê Central. É o PCdoB dizendo à sociedade brasileira que está pronto para crescer e quebrar todos os preconceitos que ainda existem. Com calma e muita acuidade, estou fazendo a leitura dos documentos preparatórios para o 12º Congresso. 

O Congresso Nacional acabou de aprovar ajustes na lei eleitoral que trata da utilização das internet durante as eleições do próximo ano. Qual a sua opinião sobre esse debate? Como essas novas tecnologias podem influenciar na disputa eleitoral e na construção da democracia brasileira?

Esse negócio de alguns congressistas quererem colar amarras na internet é de uma bobagem sem tamanho. A internet é a ferramenta de comunicação livre do ser humano. Não tem quem coloque canga na internet. Podem tentar e espernear. Mas, vai sempre haver um jeito do cidadão burlar. Vejo o debate sobre a utilização da internet na campanha eleitoral brasileira de 2010 ainda de forma muito amadora.

A internet, por si só, não irá operar “milagres” eleitorais para ninguém. Tem muita gente “profissional” querendo vender “gato por lebre” nessa área. O fundamental na internet não é a ferramenta em si, mas, a estratégia, a inteligência que opera esse potente canhão. Acredito que podemos operar muito bem no RN.

O Senado vive “uma baixa” na opinião pública com uma crise política e moral. Várias denúncias de corrupção e de má conduta por parte dos senadores. O Senado sempre foi visto como o bastião da moralidade, com a presença de homens e mulheres acima de qualquer suspeita, espaço político de ex-governadores. Mas no próximo ano, a casa legislativa poderá se renovar em 23. Você identifica algum tipo de mudança ou tendência nesse processo de renovação?

O sentimento, o debate sobre a renovação do Senado já está em curso em todo o Brasil. A sociedade já se manifesta de várias formas, pedindo uma mudança profunda na representação dos estados no Senado. A sociedade não suporta mais essa desfaçatez, esse cinismo instalado no Senado e na Câmara dos Deputados. Os ventos da renovação tomam conta do país, também, para a Câmara dos Deputados. Mais, precisamos deixar claro: o Senado não é cadeira cativa para ex-governador.

Se assim fosse, não precisava ter eleição, era só nomear todos os ex-governadores como senadores. Essa história de que o Senado é a casa dos ex-governadores, foram eles que inventaram para se perpetuar por lá. Agora, de forma vexatória e dolorosa, a nação descobre que esses personagens tão “experientes” não cuidam bem da causa pública brasileira.

Cuidam sim, dos interesses pessoais, familiares, de correligionários, amiguinhos e amiguinhas, antes de qualquer postura republicana. Quem há mais tempo circula nas dependências do Senado, já há anos ouvia nos corredores, pela voz de funcionários e jornalistas, que ali havia um mar de lama. Tudo o que está aparecendo agora vem de muitos anos. A desmoralização da representação política no Senado é generalizada. Mas, é preciso ter cuidado, porque tem muita vestal ali posando de moralista e fazendo de conta que não sabia de nada.

Conversa fiada, 99,9% sabiam do que acontecia nos bastidores do Senado e faziam vistas grossas, como se não fosse com eles. Senador com rabo preso é o que não falta naquela casa. Acredito numa renovação grande no Senado, assim como houve em 1974, em plena ditadura. Se o povo, debaixo do chicote, sob a opressão das baionetas, em plena ditadura, mudou o Senado no voto, porquê não vai mudar no ano que vem, em plena democracia, liquidando esse período não republicano comandando pelos atuais senadores? 

Certas mudanças podem ocorrer pela continuidade. Como não cair nessa ilusão?

Esse é um risco que faz parte do jogo democrático. Não há receita pronta para evitar isso. Há caminhos. Promover e estimular o debate político na sociedade é uma arma que se tem. É preciso assumir uma postura clara sobre o papel da mudança que se quer para não trocar seis por meia dúzia. A mudança do trocar seis por meia dúzia é estimulada há séculos pelos que detêm o poder. Hoje, a sociedade mais livre, mais independente, não cai mais com tanta facilidade nesse tipo de “mudança” que as elites manipulam há muitas gerações.

O caso do Rio Grande do Norte é um bom exemplo de manipulação da mudança na troca do seis por meia dúzia. Há quantos anos as oligarquias não se revezam nas cadeiras do poder? Numa eleição João está com Maria e com Pedro, contra Paulo e Francisco. Na outra eleição, eles trocam de parceiros; e na outra trocam de novo e na noutra trocam mais uma vez, e assim vão se revezando nas cadeiras do poder. Hoje são “amigos”, amanhã “adversários” depois de amanhã, os melhores parceiros, e assim vão levando o projeto político deles – claramente, o que nunca levam em conta é o projeto político que interessa, de fato, à sociedade.

No dia 10 de setembro, durante o jantar de adesão promovido pelo PCdoB com a presença do Ministro dos Esportes, Orlando Silva, o partido lançou seu nome para compor a chapa majoritária, através da candidatura a senador. Como construir esse projeto ousado?

Como você bem disse, é um projeto ousado. Agradeço ao ministro Orlando Silve pela honra de abonar minha ficha de filiação. Você conhece alguma mudança efetiva no mundo que não tenha sido ousada? É preciso enxergar o mundo sem perder a perspectiva de sua aldeia. E o Rio Grande do Norte é a minha aldeia. Nunca saí politicamente do meu estado. Embora já tenha percorrido o mundo. O desafio que o partido me coloca é encantador. A primeira certeza que devemos ter é sobre as nossas fraquezas.

Quem não tem fraquezas? Eu sei das minhas e acho que vou descobrir muitas outras daqui para frente. Esse é um passo importante. Conhecer os adversários é outro passo. Conheço todos eles. A postulação de uma candidatura como a nossa para o Senado não pode ser algo exclusivo do partido e do meu desejo. A candidatura tem que crescer no campo político da esquerda do Rio Grande do Norte e ser absorvida pela sociedade potiguar.

Agora, é preciso ter calma, paciência e tranqulidade para construir o projeto. Para mim, isso não é uma sangria desatada. Muitas coisas ainda vão transcorrer na construção das alianças políticas/eleitorais no plano nacional e no estado. O céu ainda não é de brigadeiro para ninguém voar. Tem muitas nuvens pesadas no horizonte.

É preciso construir essa candidatura de forma que as pessoas entendam e confiem que se trata de uma candidatura diferente, que representamos a possibilidade real de mudar um circulo vicioso e viciado em que só há espaço para os grupos políticos tradicionais, familiares, ou para pessoas intimamente a eles ligados, cujo compromisso primeiro é com eles e não com a sociedade.

Você agora esta participando como comentarista do Jornal 96, dirigido pelo jornalista Diógenes Dantas, que tem grande alcance em todo o Estado. Como será esse trabalho? Quais os temas que você abordará?

Foi com muita alegria que recebi o convite de Diógenes para ter uma coluna no jornal da 96 FM, nas manhãs das segundas e sextas-feiras. O que combinei com Diógenes foi de, nesses dias, conversar com os ouvintes do jornal da 96 sobre política e outros temas de interesse do Rio Grande do Norte. A política deve ser o carro-chefe, mas, vamos tratar também de assuntos gerais, que interessam à sociedade potiguar. Soube que a estréia repercutiu muito bem.

A tradição política do Rio Grande do Norte criou uma cultura de polarização entre lideranças forjadas através do DNA. Como alterar essa gangorra, romper com essa situação e construir um projeto à esquerda, alternativo?

Para alterar esse quadro, tem que ter enfrentamento político. É preciso também que as forças políticas de esquerda no estado se renovem, se insiram de forma mais efetiva no seio da sociedade potiguar. Nós criticamos essa sucessão política pelo DNA. Muito bem. E a esquerda, o que fez nesses últimos 20 anos para ampliar seus quadros, abrir as nossas portas para dar oportunidades aos jovens que querem participar ativamente da vida política no Estado?

A esquerda potiguar precisa se renovar, reciclar, abrir suas portas para a juventude, romper o gueto e dialogar diretamente com a sociedade através das mais variadas e multifacetadas organizações sociais que se enraízam dia-a-dia no solo potiguar. Os partidos de esquerda no estado precisam dialogar, desarmar-se de preconceitos entre si para participarem da construção do novo mundo que a sociedade já começou a fazer com suas próprias mãos.

Os instrumentos para se construir um diálogo real e verdadeiro com a sociedade estão disponíveis para qualquer partido. Veja, por exemplo, a internet. Quero deixar claro que a internet por si só não vai resolver esse dilema. É preciso construir um discurso e saber usar as ferramentas de diálogo direto com a sociedade. Sei que o PCdoB ainda sofre uma grande discriminação por ser o único partido no Congresso Nacional com o nome de Comunista. Mas, mesmo contra todos os preconceitos, o partido está crescendo, avançando, e está fazendo um grande esforço para quebrar essa aura preconceituosa.

Ainda vai levar tempo, mas, é preciso dar os primeiros passos para se vencer o preconceito. Por fim, se não há renovação na esquerda, como podemos esperar renovação nas oligarquias? A renovação deles é de pai para filho, de marido para mulher…

Essa mesma política se sustenta mais nas pessoas do que em projetos ou partidos. Que tipo de reforma política seria necessária para aprofundar a democracia? Que mecanismos poderiam minimizar a influencia do poder econômico na política?

Uma verdadeira Reforma Política pode demorar no Brasil. Vai depender do Congresso Nacional (senadores e deputados federais) que vamos eleger no próximo ano. A continuar com a mesma composição de forças políticas que o Congresso Nacional tem hoje, não haverá nenhuma reforma profunda. Vão continuar fazendo arremedos de reforma política a cada dois anos, sempre um ano antes da próxima eleição.

Tenho algumas dúvidas sobre o tipo da reforma política a ser feita e pretendo ouvir e expor minhas opiniões dentro do partido. Minimizar a influência do poder econômico também passa por uma reforma política. Temos uma Justiça Eleitoral eficiente agora? Funciona a fiscalização dos abusos de poder econômico e de outros abusos?

Além da temática que todos abordarão pela moralização da política e dos possíveis “serviços prestados” que apresentam durante a campanha eleitoral, qual seu discurso e suas propostas para enfrentar o “discurso oficial”?

Evidente que a temática moralização política vai entrar no debate nas eleições de 2010. Agora, não podemos ficar numa posição moralista, udenista nessa questão. É preciso ir mais além e discutir a causa republicana. Qual o papel de um senador? O que é o Senado? Claro que não vamos tratar essa questão do ponto de vista acadêmico, professoral. Isso a gente faz nos bancos das universidades. Na disputa do voto a história é outra. O buraco é mais embaixo.

Quem na história política do Rio Grande do Norte, como senador, representou os excluídos, as minorias sociais? Representou, para valer, os cegos, os surdos, os mudos, os deficientes de toda ordem, os gays, lésbicas, travestis, os moradores de rua, os mais pobres de todos os trabalhadores, os jovens sem oportunidade de emprego, enfim, os aparentemente hoje invisíveis de nossa sociedade? E a nossa classe média?

Veja a história: os nossos representantes no Senado foram sempre porta-vozes de uma única voz, a dos mais abastados, em que pese atuações pontuais, esporádicas, a favor dos que compõem os grãos da poeira social potiguar. Migalhas para o povo. O que é serviço prestado por um senador? É arrumar uma emendinha no orçamento para o prefeito construir uma quadra de esporte, um matadouro, calçar uma rua? Só isso?

Você sabe o quanto fica na conta da corrupção nessas transferências de dinheiro de emendas parlamentares do orçamento para as prefeituras? É uma fábula! Deixa muito prefeito rico e financia a campanha de muitos parlamentares. O mundo está mudando, o Brasil também e o RN tem que entrar nesse movimento para acabar com o clientelismo e liquidar a prática de confundir o público com o privado na política.

Quais os próximos passos do projeto ousado de debater a sucessão ao Senado?

Vamos participar do 12º Congresso do partido nos dias 2 e 3 de outubro, em Natal e começar a discussão interna. Tenho algumas idéias e sugestões que vou apresentar aos camaradas. Preciso ouvir o partido. Sem ansiedade, com os pés no chão e olhar nas estrelas vamos iniciar a jornada.

por Jan Varela e Yuno Silva, de Natal