Sem categoria

Pesquisadores brasileiros demonstram como cérebro reage ao medo

Um grupo de pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da Universidade de São Paulo (USP) mostrou que, diferentemente do que se pensava até então, o processamento neural de tipos distintos de medo percorre caminhos diferentes no cérebro.

Por Thiago Romero, para a Agência FAPESP

O trabalho, feito em ratos, foi desenvolvido no Laboratório de Neuroanatomia Funcional do ICB com apoio do Projeto Temático da FAPESP intitulado “Bases neurais dos comportamentos motivados”. O estudo teve como base a indução nos animais de estímulos de “medos instintivos”, que se caracterizam como um mecanismo de sobrevivência, e de “medos aprendidos”, que são culturais e adquiridos ao longo da vida.

Os pesquisadores partiram ainda do princípio de que a maioria dos estudos atuais sugere que todos os tipos de medo tem o mesmo processamento neural dos “medos aprendidos” e são percebidos apenas na amígdala cerebral – lóbulo arredondado na superfície anterior do cerebelo.

Ao causar nos animais estímulos de medos aprendidos e instintivos, o estudo verificou, no entanto, que o hipotálamo tem um papel complementar às amígdalas no que diz respeito ao processamento dos estímulos relacionados à sensação de perigo durante os “medos instintivos”.

“Descobrimos que o hipotálamo tem um papel fundamental no processamento final dos sinais relacionais ao perigo, que ocorre, portanto, em uma etapa posterior à das amígdalas”, disse o coordenador do estudo, o professor Newton Canteras, do Departamento de Anatomia do ICB, à Agência FAPESP.

“Anteriormente se pensava que os estímulos de medo eram apenas processados nas amígdalas para, em seguida, serem enviados diretamente à matéria cinzenta periaquedutal, onde ocorreria algum tipo de reação. Verificamos que o processamento ocorre primeiramente na amígdala, mas, antes de serem enviados ao tronco encefálico, os estímulos são processados pelo hipotálamo. A amígdala sozinha não é suficiente”, complementou.

Os pesquisadores fizeram testes para verificar quais regiões do cérebro dos ratos foram ativadas em situações de medo instintivo, após exemplares franzinos serem colocados em gaiolas com oponentes mais fortes da mesma espécie.

Após examinarem o cérebro dos animais, eles identificaram que uma região específica do hipotálamo, o núcleo pré-mamilar dorsal, foi ativada e teve papel fundamental na transmissão dos sinais de perigo iminente. “Essa função específica do hipotálamo foi identificada pela primeira vez pelo nosso grupo de estudo”, afirmou Canteras.

Em seguida, foram provocadas lesões para desativar essa mesma área do cérebro dos ratos, que mesmo depois de se sentirem ameaçados pelos animais mais fortes não apresentaram reações de medo.

“Em frente a uma sensação de perigo iminente, o animal normalmente fica imóvel para se proteger. Nesse caso, com a lesão cerebral, os ratos perderam o medo e exploraram normalmente o ambiente em que estavam inseridos, perdendo o componente que chamamos de defesa passiva”, explicou.

Canteras estima que essa linha de pesquisa, após a realização de estudos comparativos com cérebros de seres humanos, pode levar a resultados com aplicações em humanos. “Uma aplicação direta que esse tipo de estudo pode gerar, ainda que a longo prazo, é o melhor entendimento das causas do estresse pós-traumático, por exemplo”, apontou.