Carlos Lindenberg: Lula ficou contra o golpe e isso basta

O editor do jornal Hoje em Dia Carlos Lindenberg apresenta uma análise do que vem acontecendo em Honduras e como se posiciona a favor do golpe de estado no Brasil a oposição ao presidente Lula. O texto não cita que o PIG (Partido da Imprensa Golpista) toma a mesma posição golpista. Poderia citar o jornal Estado de Minas que na prática defende o golpe desde o primeiro dia, posição diferente do jornal Hoje em Dia, que ao invés de usar o termo “interino”, chama os gorilas de Honduras de golpistas.

 Lula ficou contra o golpe e isso basta

 

Os adversários do presidente Lula não devem cometer o engano, para se manterem coerentes nas críticas ao Governo, de esquecer, por um átimo sequer, que em Honduras houve um golpe de estado e que essa situação é indefensável. Pouco importa se o Brasil sabia ou não que o presidente deposto Manuel Zelaya iria voltar a Honduras; é de somenos importância que ele use chapéu e faça um tipo cinematográfico de galã de chanchadas, com um bigode à mexicana. É até mesmo irrelevante que Zelaya seja ou não simpatizante de Hugo Chávez e que por isso deva ser criticado pela mídia brasileira, que elegeu o presidente venezuelano seu alvo preferido quando se fala de América Latina. Tudo isso é pequeno diante do que, de fato, houve em Honduras.

Lá, como aqui em outras épocas, um presidente eleito pelo povo, em votação absolutamente democrática, foi apeado do poder por meia dúzia de generais que usaram parte do Parlamento e do Judiciário para tentar vender ao mundo a ideia de que Zelaya havia atropelado a Constituição. Não foi o que aconteceu em Honduras. Zelaya foi simplesmente vítima de um golpe de estado clássico e mandado para fora do país -de pijamas, diga-se.

Falar que o então presidente atentou contra a Constituição do país ao ter a iniciativa de querer um plebiscito para um segundo mandato é uma justificativa torpe. Os especialistas nessa matéria não se cansam de provar que a ideia de Zelaya era simplesmente impossível de se concretizar por um único fato: a proibição da reeleição em Honduras é uma cláusula pétrea da Constituição e diversos artigos obrigam o país à alternância do poder, de forma que a simples proposta de uma reforma constitucional não dá a ninguém, em Honduras, o direito de interromper um mandato presidencial pelas armas e mandar o seu titular para fora do país.

Os golpistas costumam recorrer a essa mesma Constituição para tentar judicializar o golpe, numa tentativa tosca de uma legitimação falsa e grotesca. Usam, para isso, um artigo da Constituição hondurenha que considera crime de lesa-pátria promover ou apoiar a reeleição do presidente. Pois nada mais falso. Ao propor a reforma constitucional, Zelaya deixava claro que ela não o beneficiaria e que poderia ser feita para os presidentes que viessem depois dele. Portanto, não cometeu o crime de que falam os militares, uma vez que não defendia a sua própria reeleição. É de notar, ainda, que os acusados desse tipo de crime devem se submeter à ação da Justiça e não à força das armas, como aconteceu com Manuel Zelaya. A partir daí, o que aconteceu é espuma e tem servido, no Brasil, para que os adversários do presidente Lula usem o asilo dado pelo Itamaraty ao ex-presidente hondurenho, em Tegucigalpa, para críticas que acabam colocando o golpe contra Zelaya em segundo plano, como se relevante nisso tudo fosse a ação diplomática brasileira e não o intolerável uso da força para fins políticos. Nas democracias devem governar os que têm voto e não os que têm fuzis. E até que inventem um regime melhor, é ainda o democrático o que mais convém aos povos civilizados, para não dizer que é o único.

De forma que o presidente Lula, queiram ou não os seus adversários, agiu bem ao condenar o golpe e ao dar proteção ao presidente Zelaya. Este é que é o foco da crise hondurenha e não essa tolice de achar que o Itamaraty cometeu uma trapalhada em Tegucigalpa ou que Zelaya deve ficar fora do poder porque tem algum tipo de afinidade política com o presidente Hugo Chávez – e se tiver, qual o problema? É preciso acabar com essa tolice, com esse preconceito bobo contra os presidentes ditos populistas. O Brasil, ao se insurgir claramente contra o golpe hondurenho, jogou o seu prestígio político para impedir que a praga dos golpes militares retorne ao continente e o fez como manda a consciência democrática do seu povo – do qual o presidente Lula tem sido o melhor intérprete, como mostram as pesquisas. Nossa história recente registra vários episódios em que a diplomacia brasileira interveio em países vizinhos para garantir a vigência democrática – e não se deve confundir intervenção diplomática com intervenção política e menos ainda com a intervenção armada. Lula, neste caso hondurenho, tomou o melhor partido: contra o golpe.

Publicado no jornal Hoje em Dia, em 1 de Outubro de 2009